Acórdão nº 130/21.5BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSUSANA BARRETO
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para a prestação de informações deduzida pelo Município de Cascais contra o Ministério das Finanças, onde se peticionava que a Entidade Requerida seja intimada a fornecer informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares, indicadas pelo Requerente, no âmbito dos processos de execução fiscal, por si instaurados, sob os n° 262/2020 e 624/2020, conforme oportunamente solicitado à AT.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões: “III - CONCLUSÃO 56.° O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou as regras da competência em razão da matéria e em razão da hierarquia, cabendo a decisão da derrogação do sigilo profissional a Tribunal superior.

  1. A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do artigo 7° do Decreto Lei 433/99, de 26/10, e qualificando-a como norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).

  2. Não se reconhece ao MC, apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.

  3. A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.

  4. A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.

  5. Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto na al. b) do n.° 2 do artigo 64.° da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, sendo que, o artigo 7.° do Decreto Lei 433/99, de 26/10, exige a publicação de uma Portaria que regulamente a forma de acesso e, na sua falta, por força do artigo 23.° da Lei da Proteção de Dados Pessoais, deverá ser elaborado um Protocolo entre o MC e a AT.

  6. Não sendo da competência do Município a elaboração da Portaria será, no entanto, a celebração do Protocolo.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso por o entendimento preconizado pela sentença do Tribunal “a quo” violar as regras da competência em razão da matéria e da hierarquia.

Mas não assim o entendendo, e por a transmissão do dado solicitado pela Recorrida configurar violação do previsto no artigo 64.° da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.°, artigo 35.°, n.° 4 e artigo 266.°, todos da Constituição da República Portuguesa, absolver a AT do pedido, com as legais consequências.

O Recorrido, Município de Cascais, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: 1. A Recorrente alega a incompetência hierárquica e material do Tribunal a quo para decidir da questão que lhe foi submetida na presente intimação; no seu entendimento, ao negar prestar as informações solicitadas pelo Recorrido, a AT agiu ao abrigo do sigilo a que está obrigada pelo artigo 64.° da LGT e que, por esse motivo, a recusa seria legítima, nos termos do artigo 417.°, n.° 3, alínea c) e n.° 4 do CPC, que remete, por sua vez, para o artigo 135.° do CPP, tese de acordo com a qual só um Tribunal Superior poderia ordenar a derrogação do invocado sigilo, mediante incidente suscitado especificamente para o efeito, nos termos do disposto no artigo 135.°, n.° 3 do CPP.

  1. Todavia, a presente intimação para prestação de informações foi intentada ao abrigo do disposto nos artigos 104.° e 105.° do CPTA, aplicáveis ex vi do artigo 2.°, alínea c) do CPPT, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 146.°, n.° 3 e 49.°, n.° 1, alínea e), subalínea vi) do ETAF, cabe ao tribunal tributário de primeira instância territorialmente competente, neste caso, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a apreciação da intimação, tal como sucedeu.

  2. Esta questão já foi, aliás, decidida no sentido da competência dos tribunais de primeira instância para a apreciar, pelo TCA Sul que, no Acórdão proferido em 23 de abril de 2020, no âmbito do processo n.° 497/19.5BECTB decidiu que não estamos perante nenhum procedimento prévio de levantamento de sigilo fiscal, mas sim e apenas, perante uma questão que consiste em saber se a AT está, ou não, vinculada ao dever de informação decorrente do dever de colaboração previsto na lei (art.° 5°/1 do Decreto-Lei n.° 159/2006, de 8/8). É esta a questão suscitada nos autos e para a qual o tribunal é manifestamente competente.

  3. De onde, sem qualquer sombra de dúvidas, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é o competente para o conhecimento desta intimação e pela improcedência da exceção invocada.

  4. Mas mesmo que a competência do Tribunal a quo pudesse ser discutida, sempre teria que concluir-se que, por um lado, as normas invocadas pela Recorrente não se aplicam ao caso dos Autos; e que, por outro, ainda que se aplicassem, o que delas se retira é, também, que o Tribunal a quo é competente para apreciar a questão da legitimidade da recusa ao abrigo das mesmas.

  5. Na verdade, ambas as normas invocadas pela Recorrente (ou seja, o artigo 417.° do CPC e o artigo 135.° do CPP) versam sobre a possibilidade de escusa em prestar depoimento ou informações perante os Tribunais, no âmbito do dever de colaboração para a descoberta da verdade, sobre factos relativamente aos quais tenham o dever profissional de guardar sigilo, sendo que, in casu, não foram arroladas testemunhas, nem foram requeridas quaisquer diligências de prova adicionalmente aos documentos originariamente juntos com a petição de intimação e com a resposta da Recorrente; em suma, não foi pedido à AT que divulgasse, perante o Tribunal, qualquer informação, protegida ou não, por sigilo profissional.

  6. Ainda que, por absurdo, assim não se entendesse, o Tribunal a quo não teria violado quaisquer regras relativas à competência material ou hierárquica, pois que daquelas disposições legais, nomeadamente do n.° 2, do artigo 135.° do CPP, resulta claro que o Tribunal competente para aferir da legitimidade da escusa em colaborar com a descoberta da verdade não é outro que não o Tribunal de primeira instância, tal como sucedeu in casu e tal como decidiu o STJ, no seu Acórdão n.° 2/2008, proferido pelo Pleno das Secções Criminais, em 13 de fevereiro de 2008, no âmbito do processo n.° 894/07-3.

  7. Em todo o caso, a verdade é que a Recorrente não deduziu o incidente de escusa nos termos preceituados nos artigos 417.°, n.° 4, do CPC e 135.° do CPP.

  8. E se o tivesse feito importava então atentar ao disposto no artigo 418.°, n.° 1 do CPC que estabelece que «[a] simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando a considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio.» 10. Razões pelas quais é clara a improcedência da exceção de incompetência alegada pela Recorrente, devendo este douto Tribunal negar provimento o recurso nesta parte.

  9. No mais, o Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido de intimação apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal de dois contribuintes executados no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal por si instaurados, em razão de existir, por um lado, norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto no artigo 64°, n° 2, alínea b) da LGT e, por outro, que ainda que não existisse teria que considerar-se as autarquias locais como parte da AT quando no exercício de competências tributárias em tudo idênticas, como o são as relativas à cobrança coerciva dos tributos da sua titularidade.

  10. Como resulta da sentença recorrida existe, ao contrário do que insiste em defender a Recorrente, «norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b), do n° 2, do artigo 64° da LGT» — cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n° 108/20.6BEFUN.

  11. A Lei n° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, procedeu à alteração do artigo 7.° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, passando a facultar expressamente às autarquias locais o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, prevendo, no seu n° 6, o direito de consulta nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre o domicílio fiscal e a identificação e a localização dos bens do executado.

  12. As alterações a que o artigo 7.° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro foi sujeito, visaram esclarecer os contornos do dever de...

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