Acórdão nº 2481/17.4T8BRR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça* Súmula do Processo O Digno Magistrado do Ministério Público interpôs acção com processo especial de promoção e protecção em favor dos menores AA (n. 16/10/2010), BB (n. 3/10/2011), CC (n. 22/3/2013), DD (n. 19/9/2014) e EE (n. 27/12/2016), todos de apelido da FF.

São filhos de GG e de HH, AA e BB acolhidos no Instituto dos ..., no ..., CC, DD e EE acolhidos na instituição ..., no ....

A acção teve por base a falta de condições por parte dos progenitores para assumirem o cuidado das crianças, acolhidas que foram antes na sequência de acordo de promoção e protecção, mas não assumindo, após, os progenitores alternativa para receber e cuidar dos filhos, inexistindo família alargada que o possa fazer.

Pediu a substituição da medida de acolhimento por confiança judicial com vista a futura adopção.

Nas alegações prévias a debate judicial, o defensor das crianças requereu fosse aplicada às mesmas a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35º, nº.1, alínea g) da Lei nº147/99 de 1 de Setembro, caso não existisse alternativa válida a apresentar por parte dos progenitores, porquanto é essa a medida que melhor poderá proteger os superiores interesses das crianças.

Foram elaborados pela Segurança Social (Serviço de Assessoria Técnica aos Tribunais) diversos relatórios sociais de promoção e protecção, designadamente os datados de 12/2/2019, 17/4/2019, 13/12/2019 e 9/7/2020.

As Decisões Judiciais Na Comarca, após debate judicial, foi proferido acórdão, que decidiu pela aplicação a todos os indicados menores a medida de confiança judicial com vista a futura adopção (artº 35º nº1 al.g) LPPCJP), bem como a inibição dos progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos (artº 1978º-A CCiv), medida para durar até ser decretada adopção, sem estar sujeita a revisão (artº artºs 38º-A al.b) e 62º-A LPPCJP).

Foram nomeadas curadoras provisórias dos menores AA e BB a directora técnica da casa residencial onde estes se encontram acolhidos (Instituto dos ..., no ...) e dos menores CC, DD e EE a directora técnica da casa residencial ondes estes também se encontram acolhidos (Casa de Acolhimento ..., no ...), nos termos do artº 62º-A nºs 3 e 5 LPPCJP), ficando excluídas as visitas por parte da família biológica após o trânsito da decisão (artº 62º-A nº6 LPPCJP).

Inconformados, os progenitores dos menores apresentaram, autonomamente, recursos de apelação.

No conhecimento de tais recursos, a Relação confirmou o acórdão proferido em 1ª instância.

A deliberação da 2ª instância apresentou, porém, um voto de vencido, no sentido de que deveria ter sido prorrogada a medida de promoção e protecção que já vigorava, quanto mais não fosse atendendo à situação pandémica vivida; aliás, entendeu o vencido que, enquanto a ligação entre os filhos e a mãe não regredir, não há o fundamento legal do artº 1978º CCiv para a confiança para adopção.

As Revistas Ainda inconformados, a mãe e o pai dos menores recorrem, de novo separadamente, de revista, apresentando as seguintes conclusões: A Mãe I.Requerida pelo Ministério Público a instauração de processo judicial de promoção e protecção a favor dos menores AA, BB, CC, DD e EE, foi determinado, por decisão proferida em 31.07.2017, fls (…), a medida provisória de acolhimento, pelo período de um ano, com base na falta de condições por parte dos progenitores para assumir os cuidados destas crianças, não assumindo os mesmos alternativas para receber e cuidar dos filhos, nem existindo família alargada que o possa fazer.

  1. Esta medida foi objecto de revisão, tendo por sentença proferida em 24.11.2020, sido decretada a medida de confiança judicial com vista a futura adopção (artigo 35.º n.º 1 alínea g) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º - A do Código Civil).

  2. Não se conformando com esta decisão, a progenitora recorreu da mesma para o Tribunal da Relação, que veio confirmar a decisão proferida em 1.ª Instância, com um voto vencido, que aqui se reproduz: «Vencido. Não encontro razão bastante para uma medida tão drástica como a que foi tomada pela 1.ª Instância e se mantém na posição que ora fez vencimento. Trata-se de, invocando o “superior interesse da criança”, tirar a estas crianças a mãe e os irmãos, sem nunca sequer lhes ter sido perguntado o que achavam ou lhes ter sido falado de tal projeto de vida. Dos sucessivos relatórios sociais e dos factos provados resulta que entre as crianças e a mãe existe uma relação filial e afetiva forte, mostrando as crianças o desejo de estar com a mãe e gosto em conviver com os irmãos. O prazo suplementar que no acórdão de 20.05.2019 foi dado aos pais para se reorganizarem caiu em cheio na pandemia, sendo evidente que as condições de vida da mãe sofreram uma relevante degradação, a que o contexto actual não é certamente alheio. Não vejo como se pode considerar ser do interesse destas crianças cortar-lhes o vínculo afetivo, identitário e securizante (como é admitido nos relatórios sociais), que têm com a mãe e os irmãos, que é real e efetivo, para os lançar no vazio de um hipotético relacionamento adotivo. A circunstância de a mãe sofrer de falta de assertividade e de dependência afetiva face ao pai dos seus cinco filhos basta para a afastar crianças e enviá-las para adopção? A lei estipula que vão para adoção as crianças cujos pais não disponham de apoio familiar consistente que lhes permitam assegurar os cuidados dos filhos? Trata-se de uma mãe de fracos recursos, a braços com uma família numerosa que, conforme resulta dos relatórios sociais e está provado, tem lutado para subsistir, arranjando sucessivos empregos (aquando da intervenção inicial estava desempregada), que a dada altura conseguiu melhorar as condições habitacionais que tinha face à situação inicial, mas que não conta com o apoio do progenitor das crianças – embora conte, conforme resulta dos relatórios sociais, com a ajuda de algumas pessoas amigas. O facto de a mãe se ter candidatado a uma habitação social tipo T0 e não a uma habitação adequada a uma família numeroso, suscita interrogações que, por não esclarecidas, não constituem base para uma decisão como a que fez vencimento. Situações destas, de famílias numerosas, têm de beneficiar de um apoio estatal reforçado. Creio que se deveria prorrogar a medida de promoção e proteção que já vigora, quanto mais não seja atendendo à atual situação de pandemia. E enquanto a ligação entre os filhos e a mãe não regredir, não há fundamento legal (art.º 1978 do Código Civil) para a confiança para adoção. Embora a situação não seja a mais desejável, as crianças estão bem adaptadas às instituições onde se encontram – ponto é que se mantenham os contactos regulares com a mãe e entre elas e, se possível, com o pai (que também recorreu e manifestou – agora – interesse nas crianças) e se vá forcejando por que as condições dos progenitores se alteram para melhor, com o apoio das instituições. Com base nestas considerações concederia provimento às apelações.» IV. É facto assente que as crianças se encontram acolhidas desde 01.08.2017, ou seja, há cerca três anos e cinco meses, a AA e o BB no Instituto dos ..., no ..., o CC a DD e a EE no ..., no ....

  3. No entanto, não podemos deixar de referir que o ano de 2020 (e início de 2021) foi marcado pela pandemia provocada pelo vírus Covid 19, o que deixou muitas famílias com a vida em suspenso, e muitas em situação de desespero económico, social e profissional.

  4. Se é verdade que o tempo dos adultos não é o tempo das crianças, não podemos negar que o País e o Mundo atravessam uma situação atípica que deveria de ter sido levada em consideração pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal recorrido.

  5. A medida de confiança com vista a futura adopção exige que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, nomeadamente se os pais tiverem abandonado a criança ou se, por acção ou por omissão, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do filho, ou sendo este acolhido por particular ou instituição, tiverem revelado manifesto desinteresse pelo mesmo, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (artigos 38.º - A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e 1978.º do Código Civil).

  6. A aplicação desta medida tem que assentar no preclaro abandono dos progenitores, ou seja no rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais, e só quando se tiver a certeza de que esta relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adopção é a melhor medida para a criança, (neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – processo 8605/13.3TBCSC.L1.S1).

  7. A medida aplicada e da qual se recorre não respeitou os princípios de proporcionalidade e necessidade e ainda de atualidade e da adequação, nem respeitou, como devia, os interesses dos menores.

  8. Com efeito, a decisão de institucionalização com vista a adopção tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no artigo 35.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e preenchida alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, que não se verifica na situação em apreço, na medida em que, não demonstra a decisão recorrida a inviabilização de alternativas válidas e eficazes, e/ou rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais, ou neste caso específico, da mãe.

  9. As crianças não se encontram em situação de perigo, estão estáveis e integradas nas respetivas instituições onde estão acolhidas, sendo certo que, a aplicação da medida provisória de acolhimento não...

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