Acórdão nº 3606/12.1TBBRG-A.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA interpôs recurso extraordinário de revisão contra BB do acórdão da Relação que confirmou a sentença de 1ª instância que declarou anulado um contrato de cessão de quinhão hereditário outorgado entre a recorrente e o recorrido referente à herança do respetivo progenitor comum.

A pretensão de revisão extraordinária funda-se na al. b) do art. 696º do CPC, argumentando a recorrente que a decisão da matéria de facto que foi fixada pelas instâncias na ação declarativa foi determinada pelo depoimento da testemunha CC, na altura juiz de direito e que posteriormente veio a ser condenado precisamente pela prática do crime de falsidade desse depoimento.

Depois de vicissitudes processuais que envolveram a declaração de incompetência tanto da 1ª instância como da Relação, veio a ser decidido que a competência para a tramitação e apreciação deste recurso de revisão pertencia ao Tribunal da Relação.

O recorrido respondeu, defendendo a improcedência do recurso de revisão, na medida em que o depoimento testemunhal invocado pela recorrente não teria sido determinante da decisão cuja revisão é pedida, ou seja, da decisão de anulação do contrato de cessão do quinhão hereditário.

Por acórdão da Relação foi julgado improcedente o recurso de revisão.

O recorrente interpôs recurso de revista, concluindo: 1. O tribunal a quo fez uma errónea interpretação do acórdão proferido no processo-crime nº …, bem como dos requisitos de admissibilidade do aludido recurso extraordinário.

  1. Da leitura do acórdão-crime proferido neste Supremo, sendo arguido a aqui testemunha CC, não é possível concluir que a falsidade do seu depoimento se reconduziu apenas aos factos atinentes à anulação do testamento, tal como entendeu o Tribunal a quo, pois, a matéria de facto constante nos pontos 12, 13, 14, 20, 21, 22 e 34 dos factos provados pela Rel. Guimarães no processo cível (a qual, não foi objeto de qualquer alteração pelo Tribunal Superior), diz respeito à cessão do quinhão hereditário.

  2. O acórdão criminal, na parte da motivação da decisão sobre a matéria de facto, concretamente, nas fls. 25 (quando se pronuncia sobre as declarações do arguido), 26 (quando faz alusão ao depoimento da testemunha DD), 29 (quando aprecia o depoimento da testemunha EE), 31 (quando se pronuncia relativamente ao depoimento da ali testemunha FF, aqui recorrido), e 40 e 41 (quando analisa do depoimento da testemunha GG), são inúmeras as referências à matéria atinente ao contrato de cessão do quinhão hereditário, nomeadamente, que, no momento da celebração da escritura aqui em causa, o recorrido não se mostrou admirado com a referência feita ao recebimento da quantia de € 700.000,00, nem quanto a qualquer outra questão.

  3. O tribunal a quo andou mal ao ter concluído que da análise do acórdão proferido no processo-crime apenas resulta que a testemunha CC falseou os factos relacionados com a anulação do testamento, pois da análise da aludida decisão extrai-se claramente que o juízo incriminatório feito ao seu depoimento, na parte atinente à anulação do testamento, abrange igualmente o segmento do depoimento prestado no tocante à materialidade respeitante à anulação da cessão do quinhão hereditário, pelo que dúvidas não existem de que se deveria ter decidido que a falsidade do depoimento da testemunha CC abrange a matéria de facto em que a recorrente foi condenada nestes autos.

  4. Mesmo que se entendesse que o acórdão proferido no processo-crime apenas atendeu aos factos referentes à anulação do testamento outorgado pelo pai da recorrente e do recorrido, ainda assim, impunha-se a procedência do recurso de revisão apresentado pela recorrente, com fundamento no disposto no art. 696º, nº 1, al. b), do CPC.

  5. Atenta a razão que subjaz ao recurso de revisão – prevalência da justiça – parece-nos manifesto que, quando fez menção à falsidade do depoimento, o legislador pretendeu legitimar a alteração de uma decisão transitada em julgado, por via deste recurso extraordinário, no caso de se verificar que aquela decisão foi determinada, teve por base, o depoimento de uma testemunha que, deliberadamente, faltou à verdade, sendo irrelevante apurar se a mentira se verificou em todo o seu depoimento, ou apenas em parte dele, na medida em que, constatando-se a falsidade, tal depoimento deixa de poder ser valorado, já que, é inconcebível atribuir-se algum tipo de credibilidade a uma testemunha que foi condenada pela prática de um crime de falsidade de depoimento, com fundamento no facto de ter mentido sobre factos essenciais para a prolação da sentença proferida no processo onde faltou à verdade.

  6. Perante uma mentira de uma testemunha, parece-nos evidente que a falsidade do seu depoimento terá necessariamente de contaminar todo o depoimento da testemunha, sob pena de permanecer a dúvida, junto da comunidade, se efetivamente foi feita ou não justiça! 8. É contrário ao espírito do legislador que o depoimento de uma testemunha que faltou à verdade sobre determinados factos em discussão num processo, o qual foi essencial para a decisão transitada em julgado, possa merecer acolhimento para prova de outros factos no mesmo processo.

  7. A testemunha CC faltou deliberadamente à verdade dos factos que bem conhecia, com a finalidade de se vingar da ora recorrente, pelo facto de a mesma ter rejeitado as suas tentativas de reatar a relação marital que os uniu durante alguns anos e da qual nasceu uma filha.

  8. Apesar de a testemunha bem saber que tal não correspondia à verdade, não teve qualquer pudor em afirmar que o seu sogro se encontrava absolutamente incapaz na data da outorga do testamento.

  9. Ficou demonstrado naquele processo-crime que, após a separação, a identificada testemunha contactou o aqui recorrido para o “instigar” a intentar, contra a recorrente, a ação que deu origem à decisão que se pretende rever, parecendo manifesto que, admitir-se que tal depoimento possa sustentar a decisão revidenda, é o mesmo que aceitar que a justiça seja renegada.

  10. O Tribunal a quo interpretou incorretamente a al. b) do nº 1 do art. 696º do CPC, na medida em que, para preencher o conceito de falsidade de depoimento basta tão só e apenas que se verifique que a testemunha mentiu, independentemente de ser ter apurado ou não se mentiu em tudo ou apenas em parte das respostas que deu perante um tribunal, na medida em que o comportamento de uma testemunha num processo deve ser perspetivado na sua globalidade e não de uma forma meramente fracionada.

  11. Encontra-se preenchido o requisito da existência de nexo de causalidade, pois, para o preenchimento do referido requisito, basta que a falsidade possa ter determinado a decisão a rever, isto é, que nela tenha exercido influência relevante.

  12. Não é necessário que a decisão tenha como única base o depoimento falso, e tendo em conta que a decisão revidenda assentou essencialmente no depoimento da testemunha CC, o tribunal “a quo” também andou mal quanto a este ponto.

  13. A Rel. de Guimarães, bem como o tribunal de 1ª instância, quanto aos factos identificados nas alegações pelas als. a), b) e c), formaram a sua convicção através do depoimento das testemunhas HH e CC, sendo certo que, atento os depoimentos das duas referidas testemunhas, é manifesto que, para formar a convicção do tribunal, foi determinante o que foi relatado pela testemunha CC, já que, a testemunha HH não acompanhou a escritura de cessão de quinhão hereditário, nem tão pouco o acordo celebrado entre as partes antes da sua celebração, só tendo conhecimento dos factos em discussão nos autos após a celebração da respetiva escritura, ou seja, de forma indireta.

  14. A convicção do tribunal quanto aos factos identificados nas alegações pelas als. d) a k), também assentou essencialmente no depoimento da testemunha CC, já que, embora a testemunha DD tenha confirmado que aquando da elaboração da escritura de cessão do quinhão hereditário recebeu indicações da testemunha CC, a o Tribunal entendeu que do seu depoimento não se podia inferir, sem mais, que houvesse contradição entre as declarações das referidas testemunhas.

  15. Quanto aos factos constantes nas identificadas als. l) a p), resulta da leitura do acórdão que foi essencial para o tribunal formar a sua convicção o depoimento da testemunha CC, pois, apesar de na referida decisão se fazer menção ao depoimento da testemunha II, da sua leitura, é manifesto que também foi um mero complemento do depoimento da testemunha CC.

  16. A convicção da Rel. de Guimarães e do Trib. Judicial da Comarca ..., plasmada nas suas respetivas decisões, quando à matéria referente a contrato de cessão do quinhão hereditário, assentou essencialmente no depoimento prestado pela testemunha CC.

  17. Na sentença proferida em 1ª instância, para a qual remete o acórdão que se pretende rever, refere-se expressamente que a testemunha CC “foi sem margem para dúvidas uma testemunha essencial ao convencimento do tribunal face à proximidade com a R. e o seu pai aquando dos factos em discussão nos presentes autos”, o que é bem revelador de que o tribunal proferiu decisão no sentido de anular a escritura de cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R. em 22-10-10, essencialmente porque deu como assente a factualidade relatada pela mencionada testemunha.

  18. Não temos dúvidas que o tribunal proferiu decisão no sentido de anular a escritura de cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R. em 22-10-10, essencialmente porque deu como assente a factualidade relatada pela mencionada testemunha.

  19. O depoimento falso da testemunha CC foi determinante para a decisão a rever.

  20. Encontra-se, absolutamente, preenchido o requisito da existência de nexo de causalidade entre a falsidade e a decisão a rever.

  21. A mentira da testemunha foi pautada por uma sede de vingança desmesurada, que culminou numa decisão prejudicial à recorrente.

  22. A decisão sob censura, e depois de ter sido igualmente sancionada pelo CSM com uma aposentação compulsiva, não poderá de modo algum “branquear” partes do...

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