Acórdão nº 303/21 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 303/2021

Processo n.º 811/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 17 de setembro de 2020, que, confirmando a decisão proferida em primeira instância, julgou totalmente improcedente o pedido de impugnação do ato de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, relativo ao ano de 2014.

Defendeu a ora recorrente, junto das instâncias, que este tributo constitui um imposto, pugnando por que fossem julgadas inconstitucionais e desaplicadas as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que sustentavam o ato impugnado. O Tribunal Central Administrativo Sul, citando o Acórdão n.º 7/2019, a cuja fundamentação aderiu, concluiu pela improcedência das questões de constitucionalidade suscitadas.

2. A recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, requerendo a apreciação da constitucionalidade das normas aplicadas. Notificada para produzir alegações, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:

« CONCLUSÕES:

A. A A., como grande parte dos sujeitos passivos da CESE, não exerce qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de aprovisionamento e distribuição de gás natural), pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma direta ou especial, da atividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).

B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a A. não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objetivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).

C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da atuação estadual nesse aspeto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.

D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objetiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efetivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efetivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido.

E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a atividade das empresas energéticas que não atuam no sector da produção de eletricidade - no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental -, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afeta a um objetivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares - para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).

F. De tudo isto sobra que o único objetivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é percetível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objetivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais.

G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo até pelo menos 2018, esse foi o único objetivo prosseguido efetivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afeta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respetiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético (e mesmo depois de 2018 a receita da CESE é utilizada para os objetivos legais numa proporção muito pequena).

H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma atividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (direta ou indiretamente, efetiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a atividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.

I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto - um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de atividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.

J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjetiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as atividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) - designadamente todos aqueles que não atuam no âmbito do sector da produção de eletricidade, como é caso da ora Recorrente.

K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objetiva o valor dos ativos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indireta ou presumida aos lucros das mesmas - uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjeturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma coleta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efetivamente nessa forma, ou uma coleta igual ou superior aos lucros efetivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.

L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.

M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN - um dos objetivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respetiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objetivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de eletricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.

N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.

O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade),

P. e ainda porque, apesar de os objetivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades - como a SETGAS - que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, direta...

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