Acórdão nº 0305/08.2BECTB 01606/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

O Município de Celorico da Beira interpôs recurso junto do TCA Sul, da sentença do TAF de Castelo Branco de 26/11/2010 que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, intentada por B…………, condenando aquele Réu/Recorrente a indemnizar a Autora/Recorrida “pelo valor médio que teria um dos apartamentos T2 sitos na nova urbanização do Bairro de ........., a que teria direito, valor esse computado à data em que a respetiva entrega seria devida, ou seja, à data da conclusão do novo edificado naquele local, valor esse a liquidar em sede de execução de sentença”.

  1. O TCA Sul, por Acórdão de 9/7/2015 (cfr. fls. 435 e segs. do processo físico), negou provimento ao recurso e confirmou a sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco.

  2. Inconformado, veio o Réu/Recorrente Município de Celorico da Beira interpor o presente recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 456 e segs. do processo físico): «I. A questão decidida deve ser apreciada para uma melhor aplicação do direito e em concreto do instituto jurídico em causa — a responsabilidade civil extracontratual da entidade pública — o Município de Celorico da Beira, designadamente quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a qual, na formulação interpretativa do acórdão se basta com um alegado incumprimento da deliberação de 15 de Março de 2001, dando como verificado o requisito imposto pela norma constante do art. 2° do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

    1. Os pressupostos para este tipo de responsabilidade são, como se sabe: a) o facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o dano; e e) o nexo de causalidade, sendo que para que exista o dever de indemnizar têm de se verificar cumulativamente tais requisitos e faltando um deles, desaparece o dever de indemnizar, sendo que no caso em apreço encontra-se em falta a verificação do pressuposto da ilicitude.

    2. Como a propósito adverte Gomes Canotilho, há que precaver contra a completa equiparação da ilegalidade à ilicitude, sugerida pela redacção do art. 6° do DL n° 48051, sendo que segundo este autor “a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade”.

    3. São duas razões que sustentam esta tese: por um lado, radica na consideração de que nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios, e, por outro lado, funda-se no princípio que se plasma, designadamente, na 1ª parte do n° 1 do art. 2° do DL. n.° 48.051.

    4. Até porque os conceitos de ilegalidade e ilicitude do acto administrativo impõem que os direitos e interesses do particular, pretensamente lesados, se situem no círculo de interesses tutelados pela disposição legal infringida, aplicando e adaptando ao domínio do direito administrativo a teoria do ‘fim protegido’, consagrado no artigo 483° do Código Civil, sendo que a identificação do bem protegido pela deliberação de 15 de Março de 2001 é o direito à habitação da Autora, na vertente de atribuição gratuita, sendo este âmbito do acto administrativo, no circunstancialismo do caso concreto, a constituir o âmago da apreciação da ilicitude.

    5. A interpretação feita pelos julgados, nos termos da factualidade provada, conflitua com a existência de acto concreto — a entrega de um T3 para habitação da Autora, com a exigência da salvaguarda do interesse público e em concreto do universo de realojados que a deliberação em causa visa, a par dos interesses municipais que ao órgão cumpre assegurar, em respeito pela igualdade de circunstâncias de todos os destinatários da deliberação de 15 de Março de 2001.

    6. E aqui reside a segunda questão de admissibilidade do presente recurso, porquanto, in casu, está-se perante interesses de particular relevância social, uma vez que o caso concreto detém contornos particulares e uma projecção social inegável, em virtude de não ter sido decidida a forma da atribuição gratuita da habitação, por improcedência do primeiro pedido, e apenas determinar a indemnização enquanto contrapartida dessa impossibilidade, por se haver considerado ilícito o incumprimento da deliberação, mas sem que se determine essa mesma ilicitude, o que constituía requisito essencial e cumulativo do instituo em causa, em face da resposta ao quesito n° 8.

    7. Assim, não é possível às demais famílias, cerca de 40, perceber a decisão, quando é certo ser público e notório (“AC” dos factos assentes) que o Município não é proprietário das fracções objecto da deliberação.

    8. A decisão quanto ao incumprimento ilícito, nas circunstâncias de facto descritas nos autos, contraria o instituto cuja aplicação é decidida, constitui violação de lei e lesa sobremaneira o interesse público.

    9. No caso sempre estaria em causa um problema de causalidade adequada, uma vez que se a Administração pode substituir um acto omitido, sendo que tal consubstancia uma situação de relevância negativa da causa virtual, afastando o dever de indemnizar.

    10. Reafirma-se, pois, o dever de se decidir, na excepcionalidade da Revista, porque em causa está a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica e social reveste importância fundamental, designadamente pelo alarme social que a decisão causará na população dos realojados do parque de habitação social - Nova Urbanização do Bairro de ........., mas e sobretudo na população em geral da comunidade municipal em que a Autora se insere, criando uma situação de excepção, que por sua vez se reflecte ainda nos autos de acção administrativa especial a correr termos sob o n° 453/10.9BECTB, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, nos quais se discute a revogação da deliberação de 15/03/2001 (“AC” dos factos assentes), bem como se reflecte no universo de agregados familiares candidatos à habitação social.

    11. Importando ainda decidir se o direito indemnizatório da Autora é incompatível com a violação do princípio da legalidade e do princípio prossecução do interesse público.

    12. Até porque o legislador faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, da verificação do a) facto voluntário, que se traduz numa acção ou omissão da Administração praticada no exercício das funções que lhe foram cometidas pelo legislador e por causa delas; b) da ilicitude, traduzida na violação por esse facto, do bloco de legalidade; c) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência; d) do dano, lesão ou prejuízo de valor patrimonial, produzido na esfera de terceiros; e) e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada, consagrado no artigo 563.º do CC.

    13. No que se refere concretamente à ilicitude, constitui jurisprudência assente do STA que a mesma não se basta com a verificação de qualquer ilegalidade, “devendo a mesma consistir na violação da norma que tutela a posição jurídica subjectiva cuja lesão se pretende ver reparada” (cfr. Ac. do STA, proc n° 127/03, de 31/5/2005). O que significa que “um acto só será gerador de responsabilidade se as normas ou princípios incumpridos revelarem uma intenção normativa de protecção de posições jurídicas substantivas dos particulares, dito por outras palavras, “só uma ilegalidade qualificada é que determina o surgimento de um acto gerador de responsabilidade.” XV. Importa, como aí se diz, perceber se o acto omitido viola a esfera jurídica substantiva do particular, e, para se adquirir uma tal certeza impõe-se distinguir o pressuposto do direito — o acto cumprido foi a entrega de um apartamento de tipologia T3, assim garantindo o direito à habitação da Autora.

    14. O que subsiste é a forma judicial da entrega, e que na decisão foi julgada improcedente.

    15. Tal como ensina Fausto Quadros (in Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado — problemas gerais (www.dgpj.mj.pt), “(...) O dever de indemnizar constitui um verdadeiro sucedâneo do dever de prestar. Dito de outra forma: o dever de indemnizar traduz-se na patologia do dever de prestar, é subsidiário, não uma alternativa, por relação com o dever de prestar. (...)” XVIII. O dever de prestar está garantido, tanto que improcedeu o pedido quanto à realização da escritura de doação a favor da Autora de um dos apartamentos tipo T2, integrado nos Blocos construídos no local onde, até então aquela havia residido (Bairro de .........).

    16. Faltando na factualidade provada uma concreta conduta...

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