Acórdão nº 219/19.0T8FVN-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 06 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, propôs acção declarativa de impugnação pauliana, com processo comum, contra AA, BB e CC, pedindo que I. — seja declarada a ineficácia em relação à Fazenda Nacional do acto praticado pelo primeiro em 22/05/2015, em sessão de assembleia extraordinária da sociedade ‘M. Dinis – Construções Unipessoal, L.dª ’, com o capital social de €5.000,00, da qual era sócio único, e em que decidiu dividir a sua única quota em duas quotas, no valor nominal, cada uma, de €2.500,00, cedendo ambas essas quotas, a título gratuito, aos seus únicos filhos BB e CC, Réus na acção; II. — seja declarada a ineficácia em relação à Fazenda Nacional do acto realizado no mesmo dia e pelos 2º e 3º Réus, pelo qual, já enquanto sócios únicos dessa dita sociedade, decidiram que a gerência da sociedade continuasse a ser exercida pelo 1º Réu, a quem foi dada a autorização, nessa qualidade de gerente, de transmitir ou vender quaisquer bens da sociedade, pelo preço e nas condições que entendesse …’.
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À acção foi dado o valor processual de 5.000,00 euros.
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O Réu AA contestou, pugnando pela improcedência da acção, sem se pronunciar sobre o valor da causa.
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Em 18 de Setembro de 2020 foi proferido despacho com o seguinte teor: I - NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA: Nos termos do artigo 597.º c) do Código de Processo Civil, não se procede à convocação de audiência prévia.
II – DO VALOR DA AÇÃO: Dispõe o artigo 296.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
Estipula o art.º 306.º, n.º 1 do C.P.C. que “compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.”.
No articulado em que deduza a sua defesa pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor (artigo 305º, n.º 1 do C.P.C.).
A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor (n.º 4).
O Autor indicou o valor de 5.000,00€, que não foi colocado em causa pelos RR., pelo que será esse o valor da ação, o que se determina.
Fixo o valor da causa em 5.000,00€ (cinco mil euros) em conformidade com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, e 301.º, n.º 1, todos do CPC.
III - DESPACHO SANEADOR: 1 - O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do valor 2 - Da exceção de “impossibilidade de seleção da matéria de facto em relação ao pedido deduzido pelo Autor”: Invocaram os RR em sede de contestações de fl.s 65 e ss e 73 e ss a exceção de “impossibilidade de seleção da matéria de facto em relação ao pedido deduzido pelo Autor.” Na presente ação de impugnação pauliana, em que pretende o Autor a ineficácia quanto a si de um negócio de divisão e cedência de quotas de uma sociedade comercial do Réu AA aos seus filhos, excecionam os Réus que o Autor não alegou factos atinentes a fazer operar o que dispõem os artigos 610.º e 611.º do Código Civil, pois que não é verdade que exista uma valor em divida perante a administração fiscal porquanto tal crédito foi impugnado em sede de Tribunal Fiscal, mais não alegando em que medida aquela doação impossibilita a satisfação deste seu crédito, pois que o Réu Mário era detentor, ao tempo de doação, de muitos outros bens móveis e imóveis para além daquelas quotas. Mais afirma que os imóveis indicados como propriedade da firma são afinal pertença dos Réus a titulo pessoal e que têm valor de €824.642,57.
Respondeu o Autor a fl.s 219 e ss afirmando que os RR. rebateram a versão trazida aos autos pelo Autor, também não se limitando a petição inicial a conceitos de direito. Para além de não terem alegado quais os bens que eram detentores o que podiam e deviam ter dito constando do artigo 11.º da petição inicial o património na disponibilidade do Réu.
Cumpre apreciar: Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, devendo o autor, na petição inicial, expor tais factos, concluindo-se pelo pedido (artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, als. d) e e) do Código de Processo Civil).
Diz-se inepta a petição inicial e, consequentemente, nulo todo o processo, além do mais, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir – artigo 186.º, nº 1 e nº 2, alínea a) e c) do Código de Processo Civil.
Com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar corretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis [cfr. Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, 1982, pág. 219-220].
O pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que solicita ao tribunal - cfr. artº 581.º, nº 3 do mesmo código – devendo ser fundamentado de facto e de direito, não bastando a invocação de um determinado direito subjetivo e a formulação da vontade de obter do Tribunal determinada forma de tutela jurisdicional.
Do mesmo modo, também a causa de pedir deverá ser inteligível, isto é, o autor deve expor com clareza os fundamentos da sua pretensão. Para tanto o autor deverá indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer os quais constituem a causa de pedir (art.º 581.º, nº 4 do CPC) que corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito do direito material pretendido.
A causa de pedir na ação representa a essência material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas, exercendo, assim, uma função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo.
Funcionando no sistema jurídico o princípio do dispositivo e de acordo com as regras gerais da repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil) é sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito (artigo 5.º, 1 do CPC).
Por outro lado, a necessidade de invocação da materialidade não pode deixar de escorar-se igualmente no respeito do princípio do contraditório, como condição do efetivo exercício do direito de defesa, impondo-se que ao réu seja dado conhecimento dos factos fundamentadores da pretensão.
No caso dos autos é manifesto que o Autor indica os factos necessários para a procedência da ação de impugnação pauliana, sendo matéria diferente a sua prova.
Com efeito o Autor alega a realização de um negócio de transmissão gratuita de bens por parte de um devedor à Fazenda Nacional, divida esta de valor superior a 2 milhões de euros, valor esse estabilizado e sujeito a execução fiscal sendo que por se tratar de negócio gratuito nem sequer necessita da alegação e prova da má-fé por parte dos intervenientes do mesmo nos termos do artigo 612.º do Código de Processo Penal, colocando em causa a satisfação daquele crédito.
E nos termos do artigo 611.º caberia ao Réu invocar nos termos do artigo a sua disponibilidade de bens penhoráveis de igual ou maior valor o que este por sua vez não fez.
Disto isto é manifesto não existir qualquer ineptidão da petição inicial, motivo pelo qual vai indeferida a exceção invocada.
3 - Não há outras nulidades que invalidem todo o processo que é o próprio.
4 - As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas.
5 - Não existem outras nulidades, exceções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
IV - DESPACHO DE IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO E ENUNCIAÇÃO DOS TEMAS DA...
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Acórdão nº 77/18.2T8CLD-C.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022
...Editora, 2014, p. 594. [7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2021 (Nuno Manuel Pinto de Oliveira), proc. n.º 219/19.0T8FVN-A.C1.S1. [8] Cf. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Coimbra, Almedina, 2020, p. [9] Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral ......
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Acórdão nº 77/18.2T8CLD-C.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022
...Editora, 2014, p. 594. [7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2021 (Nuno Manuel Pinto de Oliveira), proc. n.º 219/19.0T8FVN-A.C1.S1. [8] Cf. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Coimbra, Almedina, 2020, p. [9] Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral ......