Acórdão nº 394/17.9T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I AA, com os sinais dos autos, veio propor acção declarativa comum, emergente de acidente de viação, contra LUSITÂNIA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar: «

  1. A quantia de €21.973,56 (vinte e um mil novecentos e setenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos), pelos prejuízos sofridos na viatura do A; b) A quantia de €15.498,00 por indemnização pelo dano da privação do uso do seu veículo.

  2. Sem prejuízo dos juros vencidos e vincendos desde a citação para a presente ação, até efetivo e integral pagamento.» Contestou a Ré, concluindo que: «a) Carece legitimidade ao Autor, uma vez que alienou o veículo por ato oneroso; Subsidiariamente, b) O valor da reparação não terá sido o valor orçamentado; c) O valor do aluguer da viatura não terá sido pago» Concluiu pela absolvição da instância e/ou pedido e requereu a condenação do A. como litigante de má fé, numa indemnização à R. pelas despesas com o processo, no valor de €5.000,00.

    Respondeu o A., pugnando pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.

    Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade do autor no que se refere ao pedido por ele formulado na alínea a) da petição inicial, sendo a R., em consequência, absolvida da instância nessa parte.

    Quanto ao mais, definiu-se o objecto do processo e enunciaram-se os temas de prova.

    Tendo sido interposto recurso pelo A., veio a ser revogada a decisão, considerando-se assistir legitimidade ao A., o que levou a que a 1ª Instância, em despacho proferido na acta de 20-02-2019, ampliasse os temas de prova.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando-se a Ré a pagar ao Autor o montante de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), acrescido de juros, vincendos, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.

    Entendeu-se não haver razões para condenar qualquer das partes por litigância de má fé.

    Inconformado com esta decisão, dela recorreu o A. para o Tribunal da Relação do Porto, onde veio a ser proferido acórdão que julgou a apelação parcialmente procedente, fixando-se a indemnização a favor do A., da responsabilidade da R., na quantia de €21.224,69, mantendo-se, em tudo o mais, a decisão condenatória, nomeadamente quanto a juros.

    Recorreu, desta vez, a R. para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1 - A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de direito constantes dos presentes autos.

    2 - Nos termos do art.º 682 nº3 do C.P.C, a fundamentação do ponto nº7 dado como provado está em contradição com a análise de facto do tribunal da 1º instância quanto ao mesmo ponto, devendo o processo voltar para o tribunal recorrido.

    4 - De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2019 relativo ao processo 3696/16.8T8VIS.C1.S1: III- A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objeto, em termos genéricos, situações excecionais (…) e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do CP Civil.

    5 - Relativamente à fundamentação do tribunal a quo para dar como provado o valor da venda do salvado de €2.000,00, não existe qualquer tipo de prova no processo quanto ao valor de venda do veículo reparado, nem quanto custou a reparação do veículo salvado, sendo que tal matéria, tão pouco, foi alegada pelas partes.

    6 - Os valores avançados quanto a esta matéria (€23.000,00 ou €24.000,00 e €15.000,00 são meras suposições do tribunal a quo.

    7 - O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, da 1º instância) 8 - Entende a Recorrente que não existe qualquer obrigação de indemnização do Recorrido pelo valor dos danos no veículo PA, tendo em conta o princípio estabelecido nos artigos 562º e 566º, n.º 2 do C.C, uma vez que o vendeu, enquanto salvado.

    9 - Aquele dano no veículo PA não se vai repercutir na sua esfera jurídica do Recorrido.

    10 - Nada ficou provado que permitisse concluir que o A. tivesse interesse direto na reparação do veículo.

    11 - Concorda a Recorrente, integralmente, com o que foi escrito na sentença da 1º instância quanto ao facto de competir ao Recorrido provar o valor comercial do veículo seguro à data do acidente, o que não foi feito, no âmbito de uma possível indemnização a título de danos patrimoniais decorrente do acidente, nos termos do art.º 564 do CC.

    12 - De acordo com o art.º 609º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

    13 - Caso se admita a condenação na indemnização do valor de €17.864,69, a este valor deve decrescer o montante que o mesmo recebeu do salvado, alegadamente de €2.000,00.

    14 - Discorda, igualmente, a Recorrente do teor do acórdão recorrido quanto à privação de uso, o seu modo de determinação e a quantificação da indemnização porque o Recorrido alegou um dano concreto pela privação, despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, cujo montante não foi provado, pelo que não podia o tribunal a quo recorrer à equidade (EX: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2013 no âmbito do processo 15 - Chama-se à colação o disposto no art.º 609 nº1 do C.P.C, ou seja, “1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.” tendo em conta o facto do tribunal a quo ter recorrido à equidade na aplicação de indemnização a título de danos de privação.

    16 - O valor diário fixado pelo tribunal a quo no âmbito da privação de uso é manifestamente excessivo e desajustado tendo em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (ex: Foi fixado o valor de €30,00 diário no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017 relativo ao processo 188/14.3T8PBL.C1.S1).

    17 - Admitindo-se a aplicação da equidade a título de privação de uso, considera a Recorrente o valor fixado pela 1º instância adequado.» Contra-alegou o A., pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

    * Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assumem-se como questões a apreciar as de saber se há motivo para devolver o processo ao Tribunal da Relação pela existência de contradição na matéria de facto (defendendo a Recorrente que, no conhecimento dessa matéria, devem prevalecer os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova pela 1ª instância); se sobre a R./Recorrente não impende qualquer obrigação de indemnização, devido ao facto de o A./Recorrido ter vendido, sem reparação, o veículo acidentado (“salvado”) e se o Tribunal a quo não poderia, no caso dos autos, ter recorrido à equidade para atribuir o montante indemnizatório – que, de qualquer modo, entende ser excessivo – por privação uso do veículo, verificando-se, ademais, a violação do disposto no art. 609º, nº1, do CPC.

    II No acórdão impugnado, foram considerados provados os seguintes factos: 1- No dia ..-02-2014, o veículo de matrícula ..-..-PA, na altura conduzido por BB, encontrava-se parado na faixa de rodagem da Avenida .................. em ........., ................, imediatamente atrás do veículo de matrícula ..-HR-...

    2 - Nas circunstâncias de tempo e lugar referenciado, o veículo de matrícula –PA-..-.. foi embatido na sua traseira pelo veículo de matrícula ..-..-NL.

    3 – Em consequência do aludido embate, o veículo de matrícula ..-..-PA foi projectado para a frente, indo embater na traseira do veículo de matrícula ..-HR-...

    4 – Dos aludidos embates resultaram danos na frente e na traseira do veículo de matrícula ..-..-PA.

    5 – Os aludidos danos eram impeditivos da circulação de um tal veículo.

    6 – O autor vendeu o veículo de matrícula ..-..-PA sem o ter reparado, em data posterior a ..-4-2014.

    7 – O referido veículo foi vendido sinistrado pelo A. ao BB, sócio da sociedade onde o mesmo se encontrava depositado, pelo preço de €2.000,00 [redacção introduzida pelo Tribunal da Relação, sucedendo que a 1ª Instância dera por provado que “O referido veículo foi vendido, por preço não concretamente apurado, ao BB, sócio da sociedade onde o mesmo se encontrava depositado”].

    8 – A Ré comunicou ao autor, em 30-04-2014, a sua intenção de declinar a sua responsabilidade no que se refere ao acidente em discussão nos presentes autos.

    9 – BB é ....... da Afonso Silva & Leite Ribeiro L.da, que detêm a firma Auto Parque.

    10 – BB já havia sido interveniente em três outros acidentes com data anterior aquele que se mostra relatado nos autos.

    11 – Os danos ostentados pelo veículo de matrícula ..-..-PA orçavam, para reparação, 17.864,69 €, sem IVA, sendo que os danos na parte traseira da viatura foram orçados em 9.407,06 € e os danos na sua parte dianteira foram orçados em 8.456,73 €.

    12 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos no ponto 1 dos factos provados o veículo de matrícula ..-..-PA era propriedade do autor.

    13 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 1 dos factos provados, o veículo de matrícula ..-..-NL era propriedade da empresa Avoutiz – Produtos Alimentares S.A. e era conduzido por CC, ao...

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