Acórdão nº 2124/15.0T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO |
Data da Resolução | 06 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.
AA, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que a ré seja condenada: a) – A reconhecer que todos os bens móveis identificados no art 9º são bens comuns do ex-casal, constituído por A. e R., e por via de tal situação e comunhão, ser aditados à relação de bens constante do inventário que se encontra pendente.
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– A reconhecer ser da responsabilidade de A. e R., os empréstimos constantes das verbas nºs 64 a 67º da petição, feitos na Alemanha, e por via de tal situação e comunhão, ser condenada a aditá-los, no montante de € 3.043,14 e € 3.000,51, à referida relação de bens do mesmo inventário, para efeito de partilha no mesmo.
Em alternativa: c) – A pagar € 3.021,82, correspondente à meação da R., para efeitos de liquidação na Alemanha, acrescido de juros vincendos, contados a partir da citação da R..
E ainda: d) – A reconhecer que o valor do prédio urbano, construído sobre o prédio rústico identificado no artº 15º alínea b) desta petição – art. matricial ....75 – descrito sob o nº ....53, (sua propriedade) a partir do ano de 1985 até 1996, é maior do que o valor do mesmo terreno onde este foi incorporado, sendo o do terreno de € 1.000,00 (mil euros), assistindo assim à R. o direito a ser reembolsada de metade, ou seja € 500,00 (quinhentos euros) e o valor da obra de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros).
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– Em consequência, a reconhecer tal incorporação, e condenada a receber do A. a importância de € 500,00 (quinhentos euros) referente ao valor da meação adquirida pelo A., no imóvel rústico.
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– E em consequência, a reconhecer que A. e R. são os únicos e exclusivos proprietários do terreno já referido e imóvel urbano nele construído, identificado nos art 15º a 62º desta petição, e por via de tal, ser condenada a aditar tal imóvel rústico e urbano (prédio misto), com a área total de 945 m e com área de implantação do prédio urbano de 200 m2, no mesmo inventário, para efeitos de partilha entre A. e R., tudo com as legais consequências.
Ou, em alternativa: g) – A indemnizar o A. pelo valor das benfeitorias úteis realizadas no mesmo imóvel rústico já referido correspondente ao prédio urbano construído por A. e R., e referido no art 15º a 62º desta petição insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento do imóvel, e que se computam no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) correspondente ao valor da sua meação no montante das mesmas benfeitorias, em consequência do casamento celebrado entre A. e R., agora já divorciados, acrescida dos juros legais vincendos a partir da citação da R.
Ainda, em alternativa: h) – A relacionar no inventário, para efeitos de partilha, o valor total de tais benfeitorias úteis insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento do imóvel, no montante de € 130.000,00 (Cento e trinta mil euros).
Para tanto, alegou, em síntese, que: O autor e a ré foram casados, entre si, sob o regime da comunhão de adquiridos. Tendo-se divorciado, encontra-se pendente inventário para partilha dos bens que constituem o património do ex-casal. Nesse inventário, os interessados foram remetidos para os meios comuns.
Sucede que a ré, cabeça-de-casal, omitiu o relacionamento de determinados bens móveis, comprados durante a pendência do casamento e, além disso, não reconheceu as benfeitorias úteis realizadas por ambos num terreno que é propriedade dela, as quais ascendem ao valor global de 130.000,00 €, nem a existência de dois empréstimos contraídos na Alemanha pelo ex-casal.
O valor do imóvel, após a realização das benfeitorias, é superior ao valor do terreno antes da feitura das mesmas, pelo que o autor, conjuntamente com a ré, adquiriu a propriedade desse imóvel.
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A ré contestou, alegando, no essencial, que os bens móveis discriminados pelo autor não existem ou não pertencem a nenhum deles. Quanto ao imóvel referiu que o mesmo pertenceu à avó da ré, até 9 de setembro de 1994, por conta de quem foram efetuadas as obras realizadas até essa data, sendo que, nesse dia, a avó lhe doou o prédio. As obras de ampliação foram realizadas já depois da data da doação, tendo sido custeadas com dinheiro doado pelos seus familiares e através de um empréstimo bancário. Por outro lado, as obras realizadas nos anexos e no pavimento foram pagas pelo filho do ex-casal. Mais alegou que desconhece a existência dos empréstimos bancários referidos pelo autor e que, a existir, foram contraídos por este sem o seu conhecimento.
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Posteriormente, cada uma das partes veio requerer a condenação da contraparte como litigante de má-fé.
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Na 1ª instância, foi proferida sentença que julgando parcialmente procedente a ação, condenou a ré a reconhecer como bem comum o valor da construção (e das ampliações) da casa de habitação descrita sob o nº6, dos factos provados, enquanto benfeitoria, no montante total de € 114.600,00, devendo como tal ser relacionado no processo de inventário para partilha de bens por divórcio que corre termos no Cartório Notarial da Dr.ª CC, sob o n.º 2274/14, absolvendo-a do demais peticionado, e julgando improcedentes os pedidos de condenação das partes como litigantes de má-fé.
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Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o autor, por sua vez, interposto recurso subordinado. O Tribunal da Relação proferiu acórdão em que, julgando totalmente improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação do autor, revogou a sentença recorrida e condenou a ré a reconhecer que o valor do prédio urbano construído sobre o prédio rústico, é maior do que o valor do mesmo terreno onde este foi incorporado e a aditar à relação de bens no inventário o imóvel rústico e o urbano, para efeitos de partilha, e a relacionar, como crédito dela própria sobre o património comum do casal, o valor atualizado do terreno (€ 15.000,00).
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De novo irresignada, veio a ré interpor a presente revista, e nas suas alegações, assim concluiu: 1. No âmbito do recurso subordinado, no qual se pretendia a aplicação da figura da acessão imobiliária à situação dos autos, o Tribunal recorrido optou pela mesma, revogando a decisão da primeira instância que considerara benfeitoria os trabalhos levados a cabo pelo casal no prédio doado à Ré, e bem próprio da mesma.
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Após ter feito uma excursão na delimitação entre benfeitorias (úteis) e a acessão industrial imobiliária, o tribunal recorrido orientou a sua decisão para o entendimento que sublinha a função e/ou a finalidade das obras, isso o levando a entender que o que subjaz em situações como a dos autos não é um fenómeno de benfeitorização, a tratar como tal, mas, essencialmente, um fenómeno de acessão, com as consequências dela decorrentes.
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Contudo, o Tribunal ao assim decidir vai contra a jurisprudência e a Lei.
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De harmonia com a orientação jurisprudencial que prevalece, o prédio urbano ou edificação construído(a) pelos cônjuges em terreno só de um deles, deve ser considerado uma benfeitoria e como tal deve ser descrito no inventário consequente à extinção, por divórcio, da comunhão de bens entre eles.
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No caso dos autos, o casamento de Autor e Ré, entretanto dissolvido por divórcio, foi contraído segundo o regime de comunhão de adquiridos, pelo que a construção, por ambos os cônjuges, de um prédio urbano e/ou melhoramentos num prédio rústico e/ou urbano de um só deles, mesmo que se pudesse vir a qualificar como acessão, não pressupõe que tal prédio viesse a adquirir a qualidade de bem comum, dado que, por força da regra específica desse regime de bens, o bem resultante da acessão reverteria sempre para o cônjuge proprietário do bem que registou a intervenção, sem prejuízo, em qualquer caso, da compensação devida por esse cônjuge ao património comum ou ao outro cônjuge.
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E só esta compensação, e não o imóvel, é que deve figurar no inventário para ser conferida como dívida do cônjuge proprietário ao património comum, se a construção tiver sido feita por ambos os cônjuges à custa dos bens comuns (art. 1689.º do Código Civil).
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Uma relação de conexão entre os bens próprios originários e os bens adquiridos ex vi legis, tem este resultado: a integração dos últimos no património próprio do cônjuge que, sob certo aspeto, pode considerar-se como uma expansão do direito de propriedade exclusiva do cônjuge.
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Nesta resolução clara da Lei, não cabe a “teoria” defendida no acórdão recorrido da questão de se poder ou não distinguir a benfeitoria como acessória ou principal, a realidade jurídica indivisível, ou que “o terreno deixou de ter existência jurídica autónoma, tendo ficado integrado no prédio urbano, entretanto constituído e registado como tal, passando o terreno e a edificação a formar uma unidade jurídica indivisível - cfr. art.204º nº 2».” 9. O Tribunal ao considerar que - “não se vê qualquer inconveniente em se acrescentar ao ponto 9 da matéria de facto (sem que haja necessidade em se criar um ponto 9- A), (ponto 9, esse, que refere, «Para concretização das obras de ampliação da casa de habitação e construção dos respetivos anexos (2.ª e 3.ª fases), o autor e a ré contraíram dois empréstimos bancários»), a expressão, «um de € 15.000,00 ( quinze mil euros) (Esc. 3.000.000$00, três milhões de escudos), outorgado em 08/02/1995, e outro de € 30.000,00 (trinta mil euros), (Esc. 6.000.000$00) (seis milhões de...
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