Acórdão nº 221/18.0GESTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos, entre outros, (…), imputando-lhes, em autoria e na forma consumada e continuada, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01.

Realizada instrução, designadamente a requerimento dos referidos arguidos, foi comunicada à arguida (...) alteração dos factos descritos na acusação, ao abrigo do disposto no art. 303.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), relativamente à qual manifestou oposição e veio arguir a nulidade da acusação por falta de narração de factos.

Na sequência, proferiu-se despacho do seguinte teor: «Vi a posição assumida pela arguida (...), quanto aos factos comunicados.

A mesma não pode, contudo, aditar novos fundamentos para a abertura de instrução, que não constassem do RAI, nomeadamente, agora arguir a nulidade da acusação, o que se consigna.

Notifique e DN.».

Inconformada com tal despacho, a arguida (...) interpôs recurso, formulando as conclusões: 1. A recorrente requereu a abertura da instrução alegando insuficiência dos indícios constantes do libelo acusatório que permitissem submeter a arguida a julgamento.

2. Para tal invoca a ausência de descrição factual de actividade, de tempo e de lugar da actividade ilícita, porque vem acusada.

3. No decurso da instrução, foi comunicada pela MMª JIC uma alteração não substancial.

4. Pela Defesa foi pedido prazo de Defesa, tendo deduzido oposição.

5. O despacho judicial recorrido decide nos exactos termos da alteração não substancial comunicada.

6. A defesa reitera a argumentação expendida no sentido de que não é possível alterar factos que não existem. Isto é, a alteração factual comunicada produz uma nova narrativa que cria, inevitavelmente, uma nova acusação, totalmente diferente e sem conexão com os factos que se pretendiam alterar, porque simplesmente, inexistem! 7. Dos actos de instrução realizados não foi produzido nenhum facto que permitisse comunicar a alteração não substancial dos factos, como descrito na lei processual penal.

8. Tal alteração factual comunicada pelo tribunal recorrido consubstancia uma alteração substancial dos factos.

9. Por outro lado, a defesa arguiu a nulidade do libelo acusatório pela insuficiência da descrição factual, da actividade ilícita, de tempo e de lugar.

10.Tal arguição de nulidade foi tempestiva e em lugar próprio.

11.Não resulta da lei que a arguição de nulidade possa ampliar o objecto do requerimento de abertura de instrução.

12.De realçar que em momento algum o MP requereu a realização de quaisquer diligencias probatórias no sentido de corrigir a sua insuficiência acusatória, actuando o MMº JIC, ex-officio em clara substituição do MP.

13.O artigo 287º do CPP, não exige formalidade no requerimento de abertura de instrução, muito menos a exigência de arguir obrigatoriamente as nulidades.

14.Não obstante o despacho judicial que não conhece da nulidade arguida sempre se dirá que o requerimento de abertura de instrução da recorrente relata a insuficiência, ou melhor a ausência da descrição factiva constante do libelo acusatório de qualquer actividade ilícita.

15.A alteração factual efectuada visou “corrigir” a acusação numa fase processual da Defesa.

16.Tal ausência consubstancia na nulidade da acusação respeitante à recorrente. 17.O libelo acusatório deverá ser declarado nulo quanto à recorrente.

Vieram os mencionados arguidos, entre outros, a ser pronunciados, no essencial, pelos factos constantes da acusação, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º do Dec. Lei n.º 15/93, em autoria material e na forma consumada.

Realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se, além do mais: - absolver os arguidos (...) do cometimento, cada um deles, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93; - após convolação: - condenar a arguida (...) pelo cometimento, em coautoria material (face ao arguido …) e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do Dec. Lei n.º 15/93 (com referência à Tabela I-B anexa), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão suspensa na execução por período com a mesma duração; - condenar o arguido (…) pelo cometimento, em autoria material na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do Dec. Lei n.º 15/93 (com referência às Tabelas I-B e I-C anexas), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão suspensa na execução por período de igual duração, subordinando-se a regime de prova, a delinear e acompanhar pela DGRSP, fazendo pressupor, como condição intrínseca, o dever de o arguido comparecer nos serviços da DGRSP e manter-se contactável aos técnicos responsáveis pelo acompanhamento da sua situação, e visando também aqui, como desígnio primordial, acautelar a correspetiva inserção em plano laboral e/ou académico; - objectos: - relativamente a telemóveis, determina-se o perdimento dos equipamentos dos arguidos (...) (que se evidencia sem margem para dúvidas terem sido utilizados por aqueles no domínio do cometimento do crime pelo qual são condenados), devendo ser restituídos os telemóveis aos restantes arguidos.

- no tangente ao dinheiro apreendido nos autos, deverá observar-se o procedimento supra determinado relativamente a equipamentos telefónicos, devendo considerar-se perdidos em favor do Estado as quantias apreendidas aos arguidos sujeitos a condenação por crime de tráfico de estupefacientes (operando a presunção legal da adveniência dos comportamentos ilícitos sujeitos); - no tangente a veículos automóveis, demonstrou-se que o veículo de matrícula (…) (Peugeot 507), registado em nome de (...), era utilizado pelo arguido (…) para efetuar entregas de produtos estupefacientes (com o necessário conhecimento e anuência de (...)), o mesmo sucedendo relativamente ao veículo de matrícula (…) (VW Polo), o qual era utilizado para efetivação de entregas e prévia aquisição e transporte de produtos estupefacientes; - assim, e quanto aos mesmos, declara-se o seu perdimento em favor do Estado, devendo os restantes veículos serem restituídos aos respetivos proprietários registrais.

Inconformados com o acórdão, os mesmos arguidos, (...), interpuseram recursos, extraindo como conclusões: - (...): 1. A recorrente mantém interesse no Recurso intercalar, admitido no dia 20/05/2020, determinado a subir a final, devendo ter provimento, anulando-se a Acusação sobre a recorrente e consequentemente dar-se o efeito à distância de tal nulidade.

2. Se assim se não entender, dever-se-á restituir o veículo automóvel de matrícula (…), uma vez que: 3. O Tribunal “a quo” determinou no seu douto acórdão a perda do veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 507 e de matricula (…), a favor do Estado.

4. O Acórdão recorrido fundamenta o perdimento de tal veículo com base nas deslocações que o companheiro da recorrente efectuou para entregar estupefaciente a terceiros.

5. A Defesa discorda de tal interpretação, porquanto os objectos só podem ser determinados perdidos a favor do Estado no caso de terem sido obtidos com proventos ilícitos ou terem sido instrumentos do crime.

6. Com todo o respeito por opinião contrário, a deslocação no veículo automóvel em apreço não pode ser considerada instrumento do crime, nem tal veículo foi adquirido com proventos ilícitos.

7. As deslocações efectuadas pelo companheiro da recorrente foram com base no fim ultimo do objecto em causa.

8. O veículo automóvel está concebido para fazer transportar pessoas e objectos, pelo que nunca poderá ser considerado instrumento, se usado exclusivamente para transporte das pessoas.

9. Diferentemente seria se o companheiro da recorrente e ou a recorrente tivessem ocultado estupefaciente no interior do veículo automóvel e compartimento secreto ou dissimulado, que não resulta provado.

10. Só assim seria instrumento do crime de tráfico de droga.

11. Quem transportava o estupefaciente era o companheiro da recorrente, no seu vestuário, que por sua vez, se fazia deslocar no veículo automóvel.

12. Não é instrumento de crime o uso de automóvel para exclusivamente se deslocar de um ponto para outro.

13. O veículo automóvel em apreço destinava-se a fazer face às necessidades de deslocação do agregado familiar para tarefas do quotidiano, como ir ao supermercado, levar os filhos à escola ou ir para o trabalho, 14. Assim, deverá o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 507, de matrícula (…), ser restituído ao legítimo proprietário.

- (…): 1 - O presente recurso visa única e exclusivamente a decisão da perda dos bens e valores apreendidos ao arguido, ora recorrente, a favor do Estado, mormente dos telemóveis que lhe foram apreendidos, do veículo automóvel de matrícula (…) VW Polo, e da quantia de € 1.000,00 (mil euros).

2 - Para o que aqui interessa o Douto Acórdão dá como provado, no que concerne ao arguido os pontos 33 a 42 e 45 da matéria de facto dada por provada.

3 - Tais factos puderam ser dados como provados fundamentalmente pela confissão livre do arguido, o qual assumiu o erro que cometeu e explicou ao Tribunal que foi movido pela adição que detinha no momento da prática dos factos.

4 - Tendo única e exclusivamente praticado actos de tráfico para prover o seu próprio consumo, mas que conta com grande auxílio familiar, tendo agora a sua família tido conhecimento da sua doença – adição, e decidido ajudá-lo, tendo o mesmo assim que foi devolvido à liberdade, mesmo no meio desta pandemia, começado a laborar e procurado ajuda profissional adequada de Psicólogo, com vista a obstar a qualquer recaída.

5 - Remete-se aqui para a motivação do...

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