Acórdão nº 304/20.6JAFAR-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora* 1. RELATÓRIO Nos autos de inquérito em referência, proferiu-se despacho, no Juízo de Instrução Criminal de Faro e no que ora releva, do seguinte teor: «Veio o Digno Magistrado do Ministério Público, na sua douta promoção de 09/12/2020, requerer a aplicação da especial complexidade aos presentes autos, em virtude da quantidade de diligências já designadas, bem como aquelas que ainda se mostram pendentes.

Notificados os arguidos para se pronunciar, os mesmos nada disseram.

Apreciando.

A referência à “especial complexidade” encontra-se prevista no art.º 215.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, podendo ter lugar face “ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.

Ainda, o mesmo preceito legal delimita a possibilidade de ser conferida excepcional complexidade aos crimes que se encontram previstos no n.º 2 do art.º 215.º, a saber: “(…) em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro; b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos; c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem; d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio; e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita; f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.” No que ao presente caso diz respeito, é imputada aos arguidos a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos termos dos art.ºs 21.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

O art.º 51.º do referido preceito refere o seguinte: “Para efeitos do disposto no Código de Processo Penal, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 1.º do mesmo Código, consideram-se equiparadas a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que integrem os crimes previstos nos artigos 21.º a 24.º e 28.º deste diploma.” Por conseguinte, uma vez que o crime de tráfico de estupefacientes agravado imputado aos arguidos se integra na “criminalidade altamente organizada”, mostram-se preenchidos os requisitos formais da aplicação da especial complexidade do processo.

Porém, tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2005, proc. n.º 05P3114, disponível in www.dgsi.pt, a verificação de especial complexidade num dado processo carece de ser analisada casuisticamente, devendo ser ponderado todo o processo de forma a determinar se se justifica a sua aplicação.

Compulsado o requerimento que peticiona a declaração de especial complexidade, bem como as diligências investigatórias entretanto realizadas, é possível concluir que a investigação em causa diz respeito, essencialmente, ao apuramento de todos os intervenientes e de todas as circunstâncias atinentes ao descarregamento ocorrido em 16 de Setembro de 2020.

Na verdade, contrariamente ao que costuma suceder neste tipo de crimes, foi possível ir obtendo, ao longo do tempo, elementos probatórios que permitem descobrir os diversos elementos da rede destinada ao transporte do produto estupefaciente, “subindo na hierarquia” dos diversos intervenientes.

Em consequência, foram encontrados elementos de nacionalidade estrangeira, exigindo, por conseguinte, cooperação entre Portugal e Espanha.

No presente momento o processo conta com quatro arguidos, todos com medida de coacção privativa da liberdade, sendo expectável que, perante o desenrolar das investigações e cooperação internacional, venha a haver lugar à constituição de outros arguidos e aplicação de novas medidas de coacção.

São ainda necessárias buscas, apreensões, análises de elementos e inquirições de testemunhas destinadas a consolidar a prova sobre o modo como toda a rede de tráfico de estupefacientes se articulava.

Por outro lado, foi já apenso aos presentes autos um outro processo em que se investigava a prática do crime em causa e em que existia coincidência parcial dos intervenientes.

Em ambos os processos houve lugar a escutas telefónicas, bem como relatórios de vigilância.

Assim, os presentes autos assumem já uma dimensão considerável, sendo de prever que a investigação se revele morosa e complexa, face à já referida necessidade de articulação de todos os elementos da referida rede.

Por conta do que se deixa exposto, resulta que não só o modo de execução do crime se reveste de uma elevada organização – o que dificulta, por si, a investigação –, como igualmente as diligências a levar a efeito (melhor referidas na douta promoção do Ministério Público) são complexas e demoradas.

Deste modo, e nos termos do art.º 215.º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, declara-se a excepcional complexidade dos presentes autos».

Inconformados com tal despacho, os arguidos (…) interpuseram recurso, formulando as conclusões: 1. Em 09-12-2020 o Ministério Público promoveu que fosse declarada a excecional complexidade do inquérito.

  1. Por notificação datada de 11-12-2020 com o assunto “Medidas de Coação” foram os arguidos notificados do despacho datado 10-12-2020 para querendo se pronunciarem sobre a requerida excecional complexidade e foram em simultâneo os arguidos notificados do despacho de revisão das medidas de coação.

  2. Por despacho datado de 25-02-2021 o tribunal “a quo” decide declarar a excecional complexidade dos presentes autos.

  3. Sucede que os arguidos foram notificados para querendo se pronunciarem quanto à requerida excecional complexidade, mas tal notificação não foi acompanhada da promoção datada de 09-12-2020 que requereu a excecional complexidade dos presentes autos.

  4. Não tendo sido comunicado aos arguidos nenhum dos fundamentos invocados pelo Ministério Público para requerer a excepcional complexidade dos presentes autos, o que não lhes permite exercer o contraditório.

  5. Sendo certo que apenas e tão só lhes foi dado conhecimento de que havia sido requerida a declaração de excepcional complexidade dos presentes autos, não lhes tendo sido dado a conhecer o teor da promoção, nem tão pouco uma súmula da mesma e/ou qualquer facto para que os arguidos pudessem exercer o direito ao contraditório.

  6. Aos arguidos tem de ser dada a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento do Ministério Público a solicitar a declaração de especial complexidade do processo (artigo 215.º, nº 4, do C.P.P.).

  7. O que determina a nulidade do despacho de que ora se recorre por violação do disposto no artigo 214.º, n.º 4 do Código...

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