Acórdão nº 39/19.2PESTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, os arguidos (…) responderam, acusados de terem cometido um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1.

Realizado o julgamento, foram os arguidos condenados por um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, nas penas de: Ø O (…), 3 anos e 6 meses de prisão efectiva; e Ø O arguido (…), 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo mediante regime de prova.

b) A matéria dada corno não provada conflitua com a matéria dada como provada: naquela não se provou que o arguido tenha previamente contactado alguém em Setúbal, que tenha ido ter com determinada pessoa para adquirir produto estupefaciente, que o dinheiro que estava na sua posse se destinasse à aquisição de produto estupefaciente, que o carro do arguido tenha sido utilizado no transporte de produto estupefaciente e que os rendimentos do arguido provêm do tráfico de estupefacientes.

c) Ficou, no entanto, provado que quem tinha o produto estupefaciente escondido na perna esquerda era o co-arguido.

d) Assim, e existindo grave contradição entre a matéria dada como provada e a matéria dada como não provada, esta última deve comportar a absolvição do arguido Pelo exposto, deve o douto acórdão ser substituído por outro, que absolva do arguido, fazendo-se, assim, a costumada Justiça.

2 - O arguido (...) insurge-se quanto a esta medida da pena, alegando, para tanto e em síntese, que existe uma flagrante contradição entre a matéria provada e não provada; Toda a matéria dada como provada teve apenas como fundamentação as declarações do co-arguido, existindo, e salvo o devido respeito, uma violação ao artigo 345.º, n.º 4 do Código de processo Penal dada como provada e a matéria dada como não provada; Foi o arguido (...) quem detinha estupefaciente; O arguido deve ser absolvido do crime que lhe vinha imputado.

3 - O recorrente afirma existir contradição entre os factos dados como assentes e a matéria não provada, parece-nos, do que se extrai da motivação, pelo facto de não se ter considerado provado que o arguido (...) tenha contactado ou se fosse encontrar com (…), para lhe adquirir estupefacientes; Que o dinheiro apreendido fosse proveniente da venda de estupefacientes e a viatura adquirida com dinheiro da venda dos referidas substâncias e ainda que o mesmo pretendesse, com as substâncias de corte apreendidas (fenacetina, cafeína e paracetamol), adulterar a cocaína e a heroína.

  1. - Ora estes factos, em nada colidem com os que se deram como provados, os quais se referem à aquisição, transporte e detenção de estupefaciente e os factos supra afastam a venda a terceiros. Só esta e não aquelas actividades se deu como não provada.

  2. - Não há qualquer impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova. Os arguidos podem prestar declarações no exercício do direito que lhes assiste de o fazerem em qualquer altura do processo, podendo as declarações ser prestadas sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova, sejam eles factos que só digam directamente respeito ao declarante sejam eles factos que respeitem a outros co-arguidos.

    1. – Decisivo é decisivo que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório.

    2. - Ora, consultando a acta de julgamento de 5/5/2020, verifica-se que só o arguido (...) prestou declarações, recusando-se a fazê-lo o arguido (...), pelo que foram lidas em audiência, as suas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial.

    3. - Não esteve o recorrente impedido de esclarecer o tribunal ou infirmar as declarações que haviam sido prestadas pelo co-arguido (...). Na verdade, o ora recorrente não solicitou ao Exmº juiz quaisquer esclarecimentos, na sequência das declarações do co-arguido nem no final do julgamento, quando lhe foi dada a palavra, sobre «se queria dizer alguma coisa que ainda não fosse dita e que tivesse interesse ou fosse útil para a sua defesa», tendo o arguido respondido que não queria – cfr. gravação da audiência, às 11.58.

    4. - Por consequência, não violou o tribunal de 1ª instância o princípio da livre apreciação da prova ou qualquer outro, designadamente princípio da imediação da prova e o inconstitucional, por violação do artigo 31.º da CRP, todos invocados pelo recorrente.

    5. - No aspecto objectivo. a contribuição de cada co-autor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).

    6. - O STJ tem, de há muito, consagrado a tese de que, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do todo indispensável à sua produção 12ª - A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.

    7. - As circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indício suficiente, segundo as regras da experiência comum, desse acordo tácito.

    8. - No caso, o arguido (...) adquiriu o estupefaciente e contratou o co-arguido (...) para o transportar na sua viatura, pelo que as tarefas foram divididas entre ambos, actuando, pois, como co-autor nos factos dados como provados. 15ª - Assim sendo, o arguido não podia deixar de ser condenado.

    9. - A qualificação jurídica e a pena mostram-se adequadas.

    10. - Não foram violadas quaisquer normas legais.

    Razão porque se pugna pela manutenção do decidido.

    Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    IINo acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 1º O arguido (...) não tem carta de condução e por isso, pelas 9h30m do dia 3 de Julho, contactou o arguido (...) solicitando-lhe que viesse consigo a Setúbal e comprometendo-se a pagar-lhe €20 para o efeito.

  3. O arguido (...) aceitou e conduziu o veículo com a matrícula (…) desde (…) até Setúbal.

  4. No dia 3 de Julho de 2019, cerca das 12h44m, os arguidos chegaram à Alameda das Palmeiras, no referido veículo conduzido pelo arguido (...), onde estacionaram.

  5. Após, os arguidos saíram do veículo e separaram-se.

  6. O arguido (...) dirigiu-se a um quiosque onde aguardou pelo arguido (...) que se dirigiu a local não apurado.

  7. O arguido (...) demorou entre 15 a 30m, regressou ao automóvel e colocou um pacote em cima do banco do passageiro fazendo sinal ao arguido (...) para entrar no mesmo.

  8. O arguido (...) obedeceu e, ao ver o pacote em cima do banco, recolheu-o e escondeu-o.

  9. Cerca das 13h16m, os arguidos iniciaram a viagem de regresso, no automóvel (…), conduzido pelo arguido (...).

  10. O veículo foi interceptado pela autoridade policial na Rua (…), às 13h20m, encontrando-se ambos os arguidos no interior.

  11. O arguido (...) tinha consigo, escondido nas calças que usava junto ao tornozelo esquerdo um embrulho contendo seis pacotes.

  12. Dois dos referidos pacotes continham cloridrato de cocaína com o peso de 14,972g, correspondentes a 50 doses individuais, e outro deles continha 30,739g de heroína correspondentes a 70 doses individuais.

  13. Outros dois dos pacotes continham fenacetina com o peso total de 10,779g e o último continha 42,661g de uma mistura de paracetamol e cafeína, substâncias que, não sendo proibidas, podem ser misturadas com a cocaína e/ou heroína, desse modo aumentando o número de doses individuais elaboradas a partir destas.

  14. O arguido (...) tinha em seu poder €1.260 em dinheiro, composto por seis notas de €10 e vinte e quatro notas de €50.

  15. O arguido (...) tinha ainda consigo um telefone com os IMEI (…), contendo inserido o cartão SIM a que corresponde o número (…).

  16. O arguido (...) não exerce actividade profissional com carácter de regularidade.

  17. À data dos factos o automóvel com a matrícula (…) era propriedade do arguido (...), tendo-o este adquirido em 7 de Junho de 2019.

  18. O automóvel foi utilizado como forma de transporte para a aquisição do estupefaciente.

  19. O produto estupefaciente, bem como as demais substâncias apreendidas, pertencia ao arguido (...) que as adquiriu e organizou a deslocação entre (…) e Setúbal, a fim de concretizar essa aquisição.

  20. O arguido (...)...

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