Acórdão nº 560/15.1GAVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA FERNANDA PALMA
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No Processo Comum Coletivo nº 560/15.1GAVNO, do Juízo Central Criminal de Santarém, J4, da Comarca de Santarém, por acórdão de 10-02-2020, foi condenado o arguido HPCC pela prática, em autoria material e na forma consumada e como reincidente, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 218.º, n.º 2, alínea b) do CPP por factos ocorridos em Outubro de 2015, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, efetiva

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido HPCC, nos termos da sua motivação constante de fls. 1623 a 1642, recurso este extensivo à matéria de facto, concluindo nos seguintes termos: O Recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, igualmente não se conformando com a qualificação jurídica operada, nem com a concreta medida da pena aplicada

  1. O Tribunal a quo decidiu condenar o arguido com referência aos factos ocorridos em Outubro de 2015 fundamentando tal convicção nas declarações do ofendido LS e das testemunhas MA e AB

  2. No entanto, tais depoimentos afiguram-se contraditórios e saem completamente descredibilizados em face da factualidade provada. Senão vejamos: 3º O ofendido LS, na sua inquirição em audiência de julgamento (cfr. depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal com início às 14h31m06s e termo pela 14h54m27s), que aqui se dá por integralmente reproduzido) refere, em súmula, que: - Conhece o arguido H porque há quatro anos, no Verão de 2015, até 30 de agosto, o arguido terá pernoitado na sua pensão com mais dois ou três indivíduos, por uma noite

    - No final do dia seguinte, foi contactado por um deles, por telefone, dizendo que eram funcionários das finanças, que tinham recebido uma queixa e queriam dinheiro

    - Emite sempre fatura e que para parar o processo tinha de dar algum dinheiro - A queixa seria por não ter sido emitida fatura, mas assevera que a funcionária que estava de serviço, garantidamente terá emitido fatura - Os telefonemas eram efetuados por um homem que se referia aos clientes que passaram aquela noite - Não se recorda das quantias que entregou, mas sabe que efetuou transferências bancárias existindo documentos comprovativos que entregou quando apresentou queixa - Ia efetuando os depósitos consoante as indicações que lhe eram fornecidas por telefone - Que estes telefonemas terão decorrido durante mais de um mês - Recorda-se de mais tarde, ter feito um depósito no BIC ou BPN, porque lhe pediram para fazer nessa conta

    - Nessa altura não lhe disseram para que é que servia o dinheiro, tendo a chamada sido efetuada para o seu telemóvel - Também recebeu mensagens escritas no telemóvel, tendo reconhecido as mensagens que se encontram transcritas nos autos - Na segunda situação a pessoa identificava-se como sendo funcionário da ASAE ou da Polícia Judiciária, mas não se recorda como se identificava

    - Não explicava muito bem apenas dizendo que o processo da queixa ia prosseguir - Não conhecia o nome, o telefone nem a voz da pessoa que efetuou estes segundos telefonemas - Estabelece a ligação entre os indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento e os telefonemas que recebeu porque, passado um dia ou dois, tais indivíduos voltaram ao estabelecimento, para aí pernoitarem novamente e não havia disponibilidade de quartos e a partir daí é que começaram as ameaças - Não tem ideia de quanto dinheiro chegou a depositar, referindo que para além dos depósitos constantes dos autos não houve mais nenhum - Quando questionado se reconhece o nome JC, diz que lhe mandaram fazer um depósito nesse nome

    - Quando apresentou queixa não citou os nomes dos indivíduos que tinham ido pernoitar ao seu estabelecimento, porque na altura não lhe ocorreu levar os seus nomes - Depreende que as pessoas que lhe ligaram são as mesmas que constam dos comprovativos dos depósitos efetuados - Quando esses indivíduos foram pernoitar ao seu estabelecimento, em meados de Agosto, finais de Agosto ou Setembro, a sua funcionária recolheu a sua identificação que com toda a certeza consta dos registos do estabelecimento - Quando questionado sobre se reconheceu as vozes das pessoas que lhe telefonaram, afirma que não e que apenas contactou com tais indivíduos uma vez - Não sabe se as pessoas que lhe ligaram eram os mesmos indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento, depois é que depreendeu que fossem devido às ameaças constantes - Admite ter sido sugestionado pelos talões de depósito, efetuando a ligação entre as pessoas que lhe telefonavam aos documentos dos depósitos, porque lhe mandavam depositar naqueles nomes, naquelas contas - Esta é a única relação que faz com o telefonema, não sabendo quem lhe ligou porque pelo telefone não consegue ver - Não conseguiu identificar quem lhe telefonou, tendo depreendido que seriam os beneficiários dos depósitos - Era quase sempre a mesma pessoa a telefonar, mas não sabe se era o arguido H - Não se recorda dos nomes dos outros indivíduos, mas afirma ter registos manuscritos sobre a identidade dos mesmos no seu estabelecimento por ser recolhido o nome, o número de bilhete de identidade e a nacionalidade - Questionado se passou recibo aos tais indivíduos, afirma que com certeza a funcionária passa sempre recibo 4º Depois foi confrontado com as suas declarações em sede de inquérito, constantes de fls. 72 e seguintes e que aqui se dão por reproduzidas, referindo que são verdadeiras (cfr. depoimento gravado através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h02m18s e termo pelas 15h07m00s que aqui se dá por integrado)

  3. Terminando o seu depoimento afirmando que era sempre a mesma pessoa que fazia os telefonemas todos, sensivelmente a mesma voz, sendo possível que fosse diferente… (cfr. depoimento gravado através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h02m18s e termo pelas 15h07m00s que aqui se dá por integrado)

  4. Ora, o Tribunal a quo decidiu conferir credibilidade às declarações do ofendido, não tomando em devida consideração a factualidade constante da alínea 26) dos factos provados: O arguido esteve detido entre 27/11/2006 e 26/04/2012 e está detido em cumprimento de pena desde o dia 12/03/2015

  5. Ou seja, o ofendido coloca o arguido no seu estabelecimento comercial em Agosto de 2015, afirmando que o conhece desta altura, quando na realidade o arguido já se encontrava detido em cumprimento de pena

  6. O ofendido afirma que tem registos de entrada dos hóspedes no seu estabelecimento comercial e que terá recolhido a identificação do arguido, mas na realidade nunca tais registos foram entregues na polícia ou nos autos. 9º O ofendido confirma que apenas estabelece a relação entre os indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento e o arguido por ser um dos beneficiários de um depósito que efetuou

  7. Por conseguinte, ao credibilizar integralmente as declarações prestadas por LS, o Tribunal recorrido, incorre em erro notório na apreciação da prova, pois consta da factualidade provada, factos em clara e flagrante contradição com o depoimento prestado por aquela testemunha (alínea 26) dos Factos Provados) 11º Das declarações prestadas pelo ofendido LS, apenas se pode extrair com um mínimo de certeza a cronologia dos acontecimentos, a receção de telefonemas e mensagens de texto por indivíduos desconhecidos, e a realização dos depósitos nas contas bancárias cujos documentos se encontram nos autos

  8. Não sendo possível concluir com um grau de certeza que permita afastar a presunção de inocência, que efetivamente o arguido participou naqueles acontecimentos

  9. Igualmente, apreciadas em conjunto as declarações prestadas por AB e MA, também não se pode extrair a conclusão que os telemóveis … e …. que foram usados em 21/10/2015 e nos dias seguintes sejam da titularidade do arguido e tenham sido por eles utilizados. Senão vejamos: 14º Apesar de constarem dos autos pesquisas solicitadas às operadoras telefónicas acerca da identificação do titular daqueles números de telemóvel, das mesmas não consta que tenham sido adquiridos pelo arguido

  10. Em 21/10/2015 e nos dias seguintes, o arguido encontrava-se detido em cumprimento de pena, não sendo permitido aos reclusos a detenção e uso de telemóveis particulares

  11. Nos presentes autos, não foi feita prova clara e inequívoca que, apesar de se encontram detido em estabelecimento prisional, o arguido era detentor de telemóvel e dos cartões de telemóvel correspondentes àqueles dois números

  12. Em relação ao contacto telefónico …, toda a prova produzida nos presentes autos é completamente omissa em relação à sua titularidade

  13. No que respeita ao contacto telefónico …, importa considerar as declarações prestadas pelas testemunhas A e MG. Assim: 19º Em primeiro lugar anote-se que as declarações prestadas pela testemunha AB em sede de inquérito, constantes do auto de inquirição de testemunha de fls 413 (cfr. leitura de declarações gravada através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h33m09s e termo pelas 15h36m48s que aqui se dá por integrada) não podiam ter sido valoradas pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção no sentido de que aqueles números de telemóvel pertenciam ao arguido. Porquanto: 20º De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 132º e nº 3 do artigo 138º, ambos do Código de Processo Penal, quando as testemunhas são inquiridas perante autoridade judiciária são obrigadas a prestar juramento, após o que depõem

  14. Ora, compulsado o auto de inquirição da testemunha A verifica-se que, apesar de ter sido informado dos seus direitos e deveres nos termos do artigo 132º do Código de Processo Penal, o certo é que, nas declarações prestadas por esta testemunha não resulta que a mesma tenha prestado o juramento legal

  15. A referida testemunha A, aquando daquela inquirição solicitou que lhe fosse nomeado defensor, sem que o mesmo...

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