Acórdão nº 715/18.7PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 715/18.7PAPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida: - (…) Imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação, os quais integram os elementos objectivos e subjectivos de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo art. 205º, nº 1 e nº 4, alínea.

a), por referência ao art. 202º, alínea a), todos do Código Penal.

A lesada (…) deduziu pedido cível contra a arguida, peticionando a condenação da mesma no pagamento da quantia total de 10.750,00 euros, acrescida de juros de mora legais, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da sua conduta.

A arguida ofereceu o merecimento dos autos e arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu: a) Absolver a arguida (...) da prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo art. 205º, nº 1 e nº 4, alínea a), do Código Penal.

b) Absolver a arguida do pedido cível deduzido pela demandante.

(…) Inconformada com esta sentença absolutória, relativamente ao pedido civil deduzido nos autos, a demandante (...), da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (resumo): 1. O mútuo no valor de dez mil euros (€10.000,00) só é válido se for celebrado por documento particular autenticado, nos termos do art. 1143º do Código Civil; 2. A prova da existência de um contrato de mútuo celebrado por falta de forma, não pode ser feita com recurso a prova testemunhal; 3. A recorrida não provou por documento a existência de qualquer mútuo; 4. A recorrida não provou a obrigação de restituição da coisa alegadamente mutuada; 5. A recorrida não interpelou a recorrente para devolução ou restituição da coisa alegadamente mutuada; 6. Não ficou provada a existência de qualquer contrato de mútuo, ainda que nulo, que tivesse sido celebrado entre a recorrente e a recorrida; 7. Não existe qualquer causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente um direito, nos termos do art. 31º, nº 2, alínea b) do Código Penal, por não existir qualquer direito que possa ser exercido pela recorrida contra a recorrente.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser admitido e em consequência ser revogada a decisão de tribunal a quo em absolver a arguida do pedido de indemnização cível contra si formulado, condenando-a, em virtude de não ter ficado suficientemente demostrada a existência de qualquer contrato de mútuo no valor de dez mil euros (€10.000,00), de não ter sido feita prova da obrigação de restituição da quantia eventualmente mutuada, nem ter sido feita prova da interpelação da recorrente para devolução dessa mesma quantia e em consequência condenando a arguida no pedido de indemnização cível contra si deduzido e devidamente provado e assim se dando integral provimento ao presente recurso.

Porém, V. Exas. decidirão como de costume.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público respondeu ao recurso, (transcrição): a) No nosso entender, deverá esse Venerando Tribunal manter a decisão por não merecer qualquer reparo; b) A decisão não enferma de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do mesmo diploma legal; c) A discordância da recorrente relativamente à forma do contrato de mútuo, não assenta na violação de qualquer dispositivo legal, sendo certo que o tribunal apreciou as provas à luz do disposto no art. 127º, do C.P.P; d) A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, nela se tendo enunciado todas as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal, bem como todo o raciocínio lógico e racional que lhes serviu de base.

e) O tribunal a quo tudo fez para o cabal esclarecimento dos factos, conforme pode nas sessões em que se desenrolou o julgamento, tendo em face das provas produzidas, concluído pelo não preenchimento do tipo de crime de que a arguida vinha acusado; f) E consequentemente a absolver a arguido da prática do crime de que lhe era imputado.

Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a decisão recorrida por ter feito correcta apreciação e valoração da prova produzida e não ter violado qualquer disposição legal.

Porém, Vossas Excelências, farão, como é habitual, a melhor Justiça.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer por se tratar de questão de natureza meramente civil.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B - Na sentença recorrida, com relevância para o presente recurso, consta o seguinte: Discutida a causa, apurou-se a seguinte factualidade com relevância para a decisão da mesma: Factos provados: 1. No dia 26 de Janeiro de 2005, (...) e a arguida, sua irmã, abriram uma conta bancária de depósitos à ordem, sedeada no Banco “Millennium BCP”', com o nº (…), ficando ambas cotitulares da referida conta.

  1. Não obstante a contitularidade da conta, os montantes ali depositados pertenciam apenas a (...), que era quem movimentava a conta, quer a débito, quer a crédito.

  2. Sucede que, no dia 12-02-2018, a arguida, aproveitando-se da qualidade de co-titular da referida conta bancária, sem o consentimento de (...), realizou duas transferências bancárias, respectivamente, no valor de 6.000 e de 4.000 euros, quantias, essas, que retirou daquela conta e que transferiu para a conta nº (…), também domiciliada no Banco “Millennium BCP”, da qual é a única titular.

  3. (...), ao ter conhecimento de tal conduta, por várias vezes interpelou a arguida a devolver-lhe as quantias em apreço, contudo, a arguida nada devolveu, integrando outrossim as referidas quantias no seu património, contra a vontade daquela, sabendo que eram da sua irmã.

  4. A arguida agiu de modo livre, deliberado e consciente.

  5. Ao descobrir que a arguida lhe tinha retirado os 10.000 euros da conta, (...) sentiu-se traída pela sua irmã, pessoa em quem confiava, ficando emocionalmente perturbada e passando a ter dificuldades em dormir.

  6. A arguida trabalha como empregada de limpeza, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional; vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de 400 euros; vive com um companheiro, que se encontra...

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