Acórdão nº 249/20.0PAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo abreviado e com intervenção de tribunal singular nº 249/20.0PAVRS, do Tribunal da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, Juiz 1, foi o arguido (...), condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p., pelo Artº 3 nsº1 e 2 do D.L. 2/98 de 03/01, na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com regime de prova.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, alegando, em síntese, (consignando-se que não se procede à transcrição das suas conclusões, por as mesmas não terem sido enviadas, informaticamente, a este tribunal), o erro de julgamento em relação ao Artº2 da factualidade apurada, o que resultou de uma incorrecta interpretação e aplicação do Artº 125 do Código da Estrada, de onde não pode resultar que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado, sendo certo que, ainda que assim não se entenda, deve a pena de prisão que lhe foi aplicada ser substituída por pena de multa, a fixar em dias e valor diário, pelos mínimos legais, atentas as suas condições pessoais.

C – Resposta ao Recurso O MP, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, apresentado as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª – O arguido impugna a douta sentença que o condenou, entre o mais, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 anos subordinada a regime de prova, pela autoria de um crime de Condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro; 2.ª – Impugna a matéria de facto dada como provada pelo douto Tribunal «a quo» e daí retira a consequência da sua absolvição criminal; 3.ª – Fá-lo através do recurso à impugnação da matéria factual prevista no art.º 410.º do Código de Processo Civil, pela invocação dos vícios contemplados no n.º 2, als. a), b) e c) desse normativo; 4.ª – Concretizando, o Recorrente pretende que o Tribunal «a quo» errou no apuramento dos factos indispensáveis para que pudesse condenar o arguido pelo crime de condução sem habilitação legal; e errou na apreciação e valoração da prova que o conduziu a uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; E, impugna os factos dados como provados no ponto 2- da matéria factual provada, os quais, alega, que deveriam ser remetidos para o elenco dos factos não provados; 5.ª – Parece, contudo, que a decisão recorrida não padece de erros de julgamento ou de algum dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal e, apurou e valorou correctamente a prova produzida, sem hiatos em matéria de produção de prova que seja preciso preencher; 6.ª – O Recorrente não discute que o art.º 125.º do Código da Estrada pressupõe a existência de um título de condução válido emitido por Estado estrangeiro nos termos do disposto no n.º 1, al. d) do aludido preceito legal para que seja susceptível de ser trocado por carta de condução nacional.

A validade do título de condução estrangeiro é, assim, indiscutível em face da interpretação conjugada com o art.º 138.º do Código da Estrada.

Veja-se, a este propósito, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-10-2020, publicado na web no site da DGSI, proferido no Processo n.º 872/18.2SILSB.L1-5; 7.ª – Em concreto, invoca o Recorrente que o art.º 125.º do Código da Estrada não comina a invalidade do título de condução estrangeiro como consequência da falta da sua troca por carta de condução nacional; e que o tribunal «a quo» fez uma errada interpretação e aplicação da norma jurídica aplicável (artigo 125º do Código da Estrada, nº 4) e fez uma incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, considerando como provada matéria de facto que não o devia ter sido e considerando inexistirem factos não provados.

Alega ainda, que: - “(…) No ponto 2 dos factos provados, o Tribunal a quo considerou provado que o arguido não era titular de licença de condução válida [referia-se ao dia 08-08-2020, data da prática dos factos] e no ponto 10 dos factos provados, foi considerado que, em data anterior a Maio de 2004, o Arguido obteve licença de condução de veículos automóveis, licença essa com o nº. (…) e emitida pela República de Angola”.

- (…) Nenhuma prova foi feita de que esta licença de condução emitida pela República de Angola não permanecesse válida à data dos factos, pelo que não poderia tal facto dar-se como provado, devendo, pelo contrário, constar da factualidade não provada não ter sido provado que o arguido não era titular de licença de condução válida”.

- (…) Sendo o título de licença de condução emitido pela República de Angola reconhecido como válido, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 125º do Código da Estrada, deveria o mesmo, em algum momento, ter sido trocado por título português.

- (…) Não o tendo sido, entendeu o Mmo Juiz a quo que o arguido não detinha título de condução válido, pelo que conduzia sem habilitação legal.

- (…) Não se pode concordar com o decidido, atenta, por um lado, a falta de estatuição clara e precisa sobre a validade destes títulos decorrido sejam os prazos mencionados, e, por outro, atenta a previsão do nº 8 do artigo 125º, que trata parte destas situações como contraordenação, punindo-as com coima; - (…) Sendo dado como provado que o Arguido obteve, em data anterior a Maio de 2004, licença de condução de veículos automóveis, com o nº. (…) e emitida pela República de Angola, não se tendo feito qualquer prova de que tal licença já não se encontre válida face ao ordenamento do Estado emissor, e não se podendo concluir que a ausência de troca do título por carta de condução nacional implica a invalidade por si só deste título, não pode, por um lado, dar-se como provado que o arguido não era titular de licença de condução válida, e, por outro, deve incluir-se nos factos não provados que não se provou que o arguido não fosse titular de licença de condução válida.

- “(…) a correcta interpretação e aplicação do artigo 125º do Código da Estrada em especial o seu nº 4, conjugado certamente com a alínea d) do nº 1, e confrontado com os nºs 3, 5 e 8, e consequente apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, impunha decisão diversa relativamente à factualidade considerada como provada e como não provada, bem como à respectiva motivação”. [s/m) 8.ª – Porém, o Tribunal «a quo» explicou as razões que o conduziram à decisão de condenar o arguido as quais, em nenhum momento foram invalidadas pelo Recorrente que contra as mesmas não apresentou nenhum juízo que as fragilizasse na sua racionalidade, objectividade e ponderação.

Ou seja, o Recorrente limita-se a afirmar que não concorda com a interpretação que o Tribunal «a quo» fez dos factos conhecidos em julgamento, mas não explicita a razão do seu desacordo: não discorre sobre qual deveria ser o raciocínio que, em face dos factos conhecidos, o Tribunal «a quo» deveria ter feito para chegar à conclusão contrária à que chegou no ponto 2. da matéria de facto provada; 9.ª – Em síntese, são os seguintes os raciocínios em que o Tribunal «a quo» fundamentou a sua convicção: - «(…) Não temos dúvidas, e por isso tal facto foi dado como provado, que o arguido foi titular de licença de condução emitida pela República de Angola e que essa mesma licença foi exibida, “in illo tempore”, perante os Tribunais nacionais – veja-se cópia da sentença junta aos autos pelo arguido.

A questão, a grande questão, é saber se a licença de condução emitida pela República de Angola e de que o arguido era titular, consubstancia, face à lei portuguesa, licença de condução válida. Ou seja, o domínio de dilucidação da matéria de facto passa a ser, não a existência de licença de condução de que o arguido era titular, nos termos referidos, mas sim a validade, face ao ordenamento nacional, dessa mesma licença.

(…) Apenas nos interessa agora, partindo do principio que o arguido era efectivamente titular de licença de condução emitida pela República de Angola, saber se tal licença pode ser havida, em Agosto de 2020, como válida face ao ordenamento jurídico nacional – se concluirmos afirmativamente, então não haverá crime e, quando muito, a prática de contraordenação.

(…) No caso dos autos, o arguido reside há longos anos em território nacional.

Pelo que, assim sendo, estava obrigado, pela aplicação conjugada dos artºs. 125º e 128º do Código da Estrada, a proceder à troca do seu título emitido pela República de Angola e no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da Lei 72/2013, dado que, nessa data, era já residente no nosso país.

Não o tendo feito, como não o fez, então a licença de condução emitida pela República de Angola não é, certamente, válida em Agosto de 2020 no território nacional.

Mesmo dando de barato que o arguido de facto perdeu o documento que corporiza a licença de condução emitida pela República de Angola, o facto é que, pelo menos em 2013, tinha que saber que, sendo residente no nosso país e face à alteração legislativa nesta matéria, a partir de certo momento não dispunha de título ou licença válida para conduzir em Portugal – muito menos em Agosto de 2020.

E o que é verdadeiramente incompreensível é que o arguido não apresente um único documento que ateste que durante todos estes anos, seja junto de entidades angolanas, seja junto de entidades nacionais, se preocupou em resolver a situação no sentido de passar a ser titular, em Portugal (país de residência), de licença de condução.

Ora, posto isto, se entendem os factos dados como provados, designadamente no que tange à circunstância da validade, ou não, de licença de condução emitida pela República de Angola no nosso ordenamento jurídico».

[s/m] 10.ª – O Tribunal «a quo» expôs na sentença em crise, com clareza e sem saltos no...

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