Acórdão nº 00048/21.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução07 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I. RELATÓRIO A ORDEM DOS ENFERMEIROS (devidamente identificada nos autos) requerente no processo de Intimação para prestação de informações e passagem de certidões que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 20/01/2021 contra a FUNDAÇÃO (...) (igualmente devidamente identificada nos autos) – na qual requereu a intimação desta a fornecer-lhe a identificação (nome completo, morada e contacto telefónico) das ajudantes de ação direta E., M., M., P., R., R., S., M. e I.

– inconformada com a sentença do Tribunal a quo datada de 26/02/2021 (fls. 109 SITAF) que julgou a intimação totalmente improcedente absolveu a requerida do pedido, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 130 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: A. A sentença recorrida julgou a ação improcedente por duas razões, a saber: i. Inaplicabilidade do Código de Procedimento Administrativo à atividade da Requerida, ora Recorrida; ii. A informação requerida não consubstanciar um documento administrativo.

  1. Salvo o devido respeito, errou a sentença ao julgar improcedente o requerido.

  2. A ora Recorrente é uma associação pública profissional (constituída nos termos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro) representativa das pessoas que exercem a profissão de enfermeiro (artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros), que tem como desígnio fundamental a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços de enfermagem e a representação e defesa dos interesses da profissão (artigo 3.º, n.º 1, do EOE).

  3. No âmbito das suas atribuições, cumpre à Recorrente regular e supervisionar o acesso à profissão de enfermeiro e o seu exercício, zelando pelo cumprimento das normas legais e regulamentares da profissão, e exercer o poder disciplinar sobre os seus membros (artigo 3.º, n.º 2, do EOE, e, no que diz respeito ao poder disciplinar, artigo 18.º, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro), traduzindo-se este, grosso modo, na punição dos seus membros pela violação dos deveres deontológicos consignados no EOE e nos diversos regulamentos, punição que pode ir desde a advertência escrita à expulsão do membro (artigos 66.º e seguintes, do EOE). Para cumprimento destas obrigações, a Recorrente pode solicitar, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º, n.º 4, do EOE, informação às entidades públicas, privadas e da economia social.

    E.

    Nesse sentido, por ofício datado de 11 de dezembro de 2020, o Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros solicitou ao Centro Geriátrico a identificação completa (nome completo, morada e contacto telefónico) das Senhoras E., M., M., P., R., R., S., M. e I., todas com domicílio profissional na Instituição, tendo ainda sublinhado a extrema importância que a informação solicitada revestia, na medida em que contribuiria para o esclarecimento dos factos objeto do processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Enfermeiros.

    Assim, e este é o primeiro ponto em que a sentença recorrida labora em manifesto erro, o pedido de informação solicitado pela ora Recorrente tem que ver com a identificação das pessoas que prestaram cuidados a determinada pessoa (e que são relevantes para a aferição da eventual responsabilidade disciplinar do visado no processo que corre termos na Recorrente) e não com a identificação dos trabalhadores da Recorrente.

  4. A FUNDAÇÃO (...) é uma Fundação Particular de Solidariedade Social (cfr. página 78 da lista de IPSS registadas, disponibilizada na página da Internet da Segurança Social (http://www.seg-social.pt/publicacoes?bundleId=16414310 ) e uma IPSS, sendo que, nessa qualidade, prossegue uma missão no desenvolvimento do âmbito do contrato com o Estado na prossecução de determinadas funções administrativas na área social e de saúde, informação esta que se encontra na posse da Entidade recorrida (cfr. EIPSS).

  5. Ora, as IPSS são associações e fundações que, não obstante terem uma natureza substancial e formalmente privada, prosseguem fins paralelos a fins públicos, o que lhes confere a condição de entidades auxiliares dos poderes públicos (ver, designadamente o n.º 5, do artigo 63.º, da CRP).

  6. Nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, do EIPSS, “[a]s instituições registadas nos termos regulamentados pelas respetivas portarias adquirem automaticamente a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública”.

    I. Acresce que o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro, estabelece que “são pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a Administração Local, em termos de merecerem da parte desta Administração a declaração de «utilidade pública»”.

  7. De notar que um dos requisitos – cumulativos – para a declaração de utilidade pública é que a entidade não exerça a sua atividade, de forma exclusiva, em benefício dos interesses privados quer dos próprios associados, quer dos fundadores, conforme os casos (cfr. artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro).

  8. No entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido em 06 de março de 2007, no âmbito do processo n.º 02406/07, as pessoas coletivas de utilidade pública “[n]ão são entidades privadas, sem mais, mas, antes, pessoas colectivas privadas associadas à prossecução dos «objectivos de desenvolvimento global de que o Estado é o superior garante»”, acrescentando que tais entidades, adquirindo, com o registo, a natureza de utilidade pública, prosseguem fins de interesse público cooperando com a Administração na prossecução dos objetivos de desenvolvimento social global.

    L. Ainda que a Recorrida não integre a «Administração Pública (cfr. artigo 2.º, n.º 4, do CPA), a mesma inclui-se no âmbito de aplicação do artigo 2.º, n.º 1, do CPA, na medida em que este preceito inclui, desde logo, as pessoas coletivas de utilidade pública que sejam Instituições Particulares de Solidariedade Social na modalidade de Fundações, como é o caso da Entidade Requerida.

  9. De facto, encontrando-se a Recorrida investida no exercício de poderes públicos e numa atividade regulada por disposições de direito administrativo, podemos concluir que, de acordo com o estatuído no artigo 2.º, n.º, 1, do CPA, é aplicável à conduta da Entidade Recorrida o Código do Procedimento Administrativo. Ao entender de forma distinta, a sentença recorrida interpreta e aplica incorretamente o artigo 2.º, n.º, 1, do CPA, que deve ser interpretado no sentido de o Código do Procedimento Administrativo ser aplicável às IPSS no exercício da sua atividade no cumprimento de funções públicas.

  10. Para efeitos da LADA, é documento administrativo qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo 4.º, da referida Lei, ou detidos em seu nome (artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA).

  11. Como é referido, no Acórdão de 31 de agosto de 2011 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0758/11, “[p]ara que um documento seja considerado «documento administrativo» para efeitos da alínea a) do n.º 1 do referido art. 3.º daquela Lei, não se exige que ele esteja conexionado com alguma das actividades administrativas, bastando que esteja na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome” – tendo em conta a legislação em vigor à data, isto é, a Lei n.º 46/2007, de 4 de agosto, entretanto revogada pela LADA.

  12. No presente caso está em causa não só eventualmente o direito à informação procedimental, previsto no n.º 1, do artigo 268.º, da CRP e concretizado nos artigos 82.º a 85.º, do CPA, mas também, e sobretudo, o exercício do direito de acesso a informação administrativa, prevista no n.º 2, do artigo 268.º, da CRP, e concretizada na LADA.

  13. Sendo a Ordem dos Enfermeiros uma associação pública profissional representativa das pessoas que exercem a profissão de enfermagem (artigo 1.º, n.º 1, do EOE), tem como desígnio fundamental a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços de enfermagem e a representação e defesa dos interesses da profissão (artigo 3.º, n.º 1, do EOE).

  14. Nesse âmbito, cumpre-lhe regular e supervisionar o acesso à profissão de enfermeiro e o seu exercício, zelando pelo cumprimento das normas legais e regulamentares da profissão, e exercer o poder disciplinar sobre os seus membros (artigo 3.º, n.º 2, do EOE). Sendo uma das atribuições da Ordem dos Enfermeiros exercer jurisdição disciplinar sobre os enfermeiros, à mesma cabe, necessariamente, proceder às diligências que considere necessárias para o apuramento da responsabilidade disciplinar dos enfermeiros envolvidos, pelo que não se concebe a ideia de sujeitar o pedido feito ao Centro Geriátrico (...), da FUNDAÇÃO (...) às estritas regras que possibilitam – e, muitas das vezes, condicionam – o acesso a documentos administrativos.

  15. Ora, a Recorrente, pretendendo cumprir uma das suas atribuições, designadamente exercer jurisdição disciplinar sobre os enfermeiros (artigo 3.º, n.º 3, al. l), do EOE), visando, com esse exercício, garantir o cabal cumprimento dos deveres profissionais impostos aos enfermeiros e, ainda que indiretamente, salvaguardar a qualidade dos cuidados de saúde/enfermagem é interessada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 83.º, do CPA.

  16. Para esse efeito, isto é, para o desenvolvimento das suas atribuições e competências neste caso, a Recorrente necessita de uma informação que está na posse da Recorrida: a identificação completa de pessoas que, de acordo com as informações anteriormente recolhidas pela Recorrente...

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