Acórdão nº 01952/20.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução07 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * I Relatório J.

, tendo vindo a requerer a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a Ordem dos Advogados, tendente à intimação desta “a facultar ao Requerente a consulta integral dos processos de nomeação de patrono (“N.P.”) 16223/2020, N.P. 99933/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 99928/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 100978/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019, N.P. 140429/2019, N.P. 156557/2017 e N.P. 90353/2019, (...)”, inconformado com a decisão proferida no TAF do Porto, em 18 de janeiro de 2021, através da qual se julgou, designadamente, “(...) a presente intimação parcialmente procedente (...) e, em consequência, intimo a Ordem dos Advogados a (...) facultar ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, e que colidam com a reserva da sua vida privada, nos termos supra elencados”, veio Recorrer para esta Instância em 8 de fevereiro de 2021, aí tendo concluído: “A. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, ao objeto dos presentes autos - pedido de consulta integral dos processos administrativos de nomeação de patrono no âmbito do SADT, com inclusão aos pedidos de escusa formulados por advogados nomeados - não são, em princípio, aplicáveis as restrições previstas aos documentos nominativos da LADA.

  1. Por princípio, nos referidos pedidos não constarão dados pessoais dos patronos que tenham de ser protegidos ou até dados de saúde ou outros dados que se relacionem com a vida privada dos ilustres patronos – cfr. fls. 40 da sentença.

  2. É difícil conceber uma situação em que, qualquer advogado nomeado no âmbito do SADT, faça incluir num pedido de escusa dados pessoais que não sejam de acesso público; relembre-se, a este propósito, que os dados profissionais dos advogados constam do site https://portal.oa.pt/advogados/pesquisa-de-advogados/ e que são os seguintes: nome profissional, morada profissional, número cédula profissional, telefone do escritório ou telemóvel, fax e e-mail, data inscrição, conselho regional e localidade; todos estes dados são de acesso livre, por qualquer cidadão com internet e são os bastantes para formular um pedido de escusa.

  3. É difícil conceber uma situação em que, qualquer advogado nomeado no âmbito do SADT, faça incluir num pedido de escusa, elementos relativos à sua intimidade, sexualidade, saúde, vida particular ou familiar, orientação política ou convicções filosóficas.

  4. A este propósito, qualquer pedido de escusa, fundando em motivos de saúde, não tem que especificar nem a condição de saúde, nem os tratamentos específicos ou intervenções a que terá que se submeter, bastando fazer uma simples referência genérica para motivar essa escusa.

  5. Ora, a simples referência genérica não configura, salvo devido respeito por melhor opinião, qualquer dado relativo à intimidade da vida privada que determine a proibição de acesso pelo beneficiário que tem todo o direito a saber que por motivos pessoais e de saúde (sem se dizer exatamente quais são esses motivos) os ilustres patronos formulam um pedido de escusa.

  6. Qualquer especificação relativa a esses dados redunda numa livre escolha do profissional que submete o referido pedido que sabe que, à partida, o seu requerimento será do conhecimento das diferentes pessoas – desde os administrativos, assessores e o próprio decisor do pedido de escusa -, assim como do próprio beneficiário.

  7. Admitindo, contudo, que estranhamente haja uma especificação de tal sorte pormenorizada que contenda com dados pessoais e relativos a intimidada da vida privada do patrono nomeado e ainda que se entenda que tal especificação não resulte de uma escolha do patrono subscritor de tal pedido, esta análise tem que ser casuística e dirigida ao caso concreto.

    I. Não cabendo ao Ilustre Julgador de 1.ª Instância, determinar, em abstrato, a exclusão de todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/advogados e que colidam com a reserva da sua vida privada.

  8. Tanto mais que tais referências podem simplesmente ser ocultadas, como seja a referência a uma específica doença/maleita/diagnóstico ou a um concreto tratamento/cirurgia, sem que seja negado o concreto acesso ao pedido de escusa.

  9. Em bom rigor, o acesso a tais documentos nominativos não tem que ser simplesmente negado – retirando-se ou excluindo tais documentos do processo –, porquanto a lei encontra uma solução mais consentânea com o princípio da proporcionalidade: os documentos administrativos são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada — cfr. art. 7°, n° 6 da LADA.

    L. Contendo os documentos qualquer elemento que contendam com a reserva da intimidade da vida privada dos advogados subscritores basta expurgar tal informação dos mesmos, expurgação que é perfeitamente possível por simples rasura da doença em concreto ou do tratamento/procedimento cirúrgico a que terá submetido.

  10. Um advogado que recuse assumir o mandato para que foi nomeado, pode e deve, por princípio, informar o beneficiário de proteção jurídica de que vai pedir escusa do patrocínio e quais os fundamentos pelos quais efetua tal pedido, não fazendo qualquer sentido que, depois de deferida a escusa, o mesmo beneficiário não pode ter acesso a esses mesmos fundamentos.

  11. De resto, caso sejam retirados os pedidos de escusa – onde poderão constar tais dados de cariz pessoal e que colidam com a reserva da vida privada –, com esse mesmo fundamento, como defende o Tribunal a quo, será impossível escrutinar se os referidos pedidos de escusa têm por base essas mesmas razões.

  12. Diferentemente, apenas o acesso ao pedido de escusa com rasura da informação que, eventualmente, possa contender com dados pessoais ou reserva da vida privada, permitirá ao beneficiário escrutinar se as razões indicadas são ou não reais.

  13. Tanto mais, que os atos de deferimento ou indeferimento do pedido de escusa, são suscetíveis de recurso hierárquico e de impugnação através de recurso contencioso para os tribunais administrativos – cfr. art. 6.º, n.º 1 e 3 do EOA.

  14. E para que tais direitos tenham expressão e concretização prática, o mínimo que se exige é que os beneficiários tenham acesso aos fundamentos do pedido de escusa, mesmo que esses pedidos sejam objeto de rasura/ocultação na parte respeitante a eventuais dados pessoais ou informações conexas com a reserva da vida privada – cfr. art. 6.º, n.º 8 da LADA — o que manifestamente é possível de, neste caso, ser feito - cfr. pareceres da CADA n° 89/2020, 208/2019 e 316/2017 disponível em https://www.cada.pt/pareceres e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-02-2017, disponível em www.dgsi.pt.

  15. O Tribunal a quo não poderia intimar a Recorrida a facultar a consulta ao requerente, excluindo da referida consulta e emissão de certidão, todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados e que colidam com a reserva da vida privada.

  16. Em primeiro lugar, esta prescrição de exclusão de documentos generalista não é permitida pela lei que determina, como resulta de tudo quanto alegado, uma avaliação casuística dos pedidos de escusa em causa, com conhecimento do seu concreto teor.

  17. Em segundo lugar, a referida exclusão de documentos vai contra a previsão normativa que privilegia sempre o acesso aos documentos – ainda que parcial, com rasura ou omissão de informação conexa com dados pessoais e a reserva da vida privada -, nos termos do art. 6.º, n.º 8 da LADA.

  18. A decisão recorrida ao decidir de tal sorte violou por manifesto erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 3.º, n.º 1, al. b), 5.º, 6.º, n.º 5, 8 e 9, todos da LADA, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da intimação requerida, ordenando a consulta integral dos processos de nomeação em causa, sem qualquer limitação abstrata e, no caso da sentença do Tribunal a quo, sem a limitação referente à exclusão de todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados e que colidam com a reserva da vida privada. Sem prescindir, V. A decisão recorrida ao interpretar o n.º 2 do art. 83.º do CPA, no sentido de poder limitar, em abstrato, o acesso à consulta integral dos procedimentos de nomeação de patrono e posterior emissão de certidão, determinando a exclusão de todos os documentos – de onde constem dados de cariz pessoal ou que colidam com a sua vida privada -, quando o acesso a esses documentos possa existir de forma parcial e por simples, rasura/expurgação de tal conteúdo, acolheu uma interpretação violadora do disposto direito à obtenção de informação, do princípio da proporcionalidade (em todos os seus subprincípios) e o princípio da separação de poderes, consagrados nos arts. 268.º, 18.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, tal interpretação materialmente inconstitucional W. Ao Tribunal caberia determinar o acesso aos referidos processos de nomeação, sem qualquer restrição, e à entidade administrativa caberá apurar se existem alguma razão para limitar esse acesso – dados pessoais ou conexos com a reserva da vida privada – e qual a forma de os salvaguardar, se simplesmente excluindo os referidos documentos ou concedendo o acesso parcial a esses documentos com expurgação da informação em causa, designadamente através da competente rasura.

    X. O Tribunal não pode substituir-se à administração e muito menos pode determinar em abstrato qual a forma de proteger os dados pessoais/informação sobre reserva da vida privada, podendo, quanto muito, apreciar...

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