Acórdão nº 0766/11.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução12 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 17-07-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente procedente a impugnação apresentada pela então Impugnante, A…………… SGPS, S.A.

, melhor sinalizada nos autos, no âmbito do indeferimento expresso do recurso hierárquico deduzido e do acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2005, no valor de € 8.151,89.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões: I.

Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………., SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2005, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

1. Objecto do recurso II.

A questão decidenda a submeter ao Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por ter caminhado no sentido da não verificação dos pressupostos para a aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC.

2. A prestação de garantias como actividade accionista enquadrável no artigo 501.º do CSC III.

Entendeu o Tribunal recorrido que as operações de subscrição das garantias assumem cariz societário, enquadrando-se na actividade própria de accionista da impugnante, enquanto sociedade-mãe, decorrendo já do artigo 501.º do CSC uma responsabilidade ipso jure, solidária, ilimitada, objectiva e automática.

IV.

Face à argumentação vertida na sentença, importa apurar a natureza jurídica desta responsabilidade que impende sobre a sociedade dominante, de molde a determinar se a subscrição das garantias por parte desta última é ou não subsumível ao regime legal consagrado naquela norma do CSC.

V.

No que tange à natureza solidária desta responsabilidade sobressaem duas notas: a consagração de um período de mora de 30 dias da dominada para que possa ser assacada a responsabilidade à dominante e a existência de uma divergência quanto à origem da responsabilidade que impende sobre uma e outra.

VI.

Quanto à constituição da responsabilidade da dominante, estamos em crer que, em caso de accionamento extra-judicial, fica o credor dispensado de proceder à sua interpelação.

VII.

Ademais, atendendo à natureza, fonte ou origem obrigacional desta responsabilidade e ao momento do seu início e do seu término, não pode a mesma ser qualificada como ilimitada.

VIII.

Por conseguinte, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento ao considerar que a responsabilidade decorrente das garantias prestadas pela impugnante é subsumível ao regime legal previsto no artigo 501.º do CSC, por configurarem o exercício da mera actividade accionista daquela.

IX.

Com efeito, as cartas de conforto subscritas serão de qualificar como cartas de conforto forte, dado que nelas se encontram plasmadas declarações negociais em que o emitente assume, de modo claro e inequívoco, a garantia de pagamento em caso de incumprimento da sociedade patrocinada.

X.

Assim, estabelecendo-se uma efectiva obrigação de resultado, “há uma fiança dissimulada (ou encapotada)”, devendo estas cartas “ser consideradas como fianças e como tal ser tratadas, inclusive para efeitos contabilísticos”.

XI.

Acresce que nestas garantias falha o pressuposto da solidariedade, conduzindo – também por aqui – à sua exclusão do regime previsto no artigo 501.º do CSC.

XII.

Quanto às fianças, apesar de algumas correntes terem procurado qualificar esta obrigação do 501.º do CSC como se de uma fiança se tratasse, estamos perante duas realidades jurídicas diversas que não permitem a sua equiparação.

XIII.

Por conseguinte, “a responsabilidade do artigo 501.º não é uma fiança, nem sequer uma fiança especial”.

XIV.

Em suma, repudiando-se a ideia de uma identidade entre a responsabilidade emergente da figura da fiança e a resultante das regras impostas naquela norma do CSC e, outrossim, constatando-se que as cartas de conforto subscritas pela sociedade dominante mais não são do que fianças dissimuladas, poder-se-á afirmar que tais operações não configuram “operações de cariz societário” decorrentes do “regime geral ínsito no artigo 501.º do CSC”.

XV.

Relativamente às garantias autónomas, se se considerar que devem ser tratadas como “verdadeiras fianças e não como garantias autónomas”, serão integralmente válidas as razões acima apontadas no sentido da não assimilação desta garantia ao regime do artigo 501.º do CSC.

XVI.

Mesmo que se entenda – como a recorrente – estarmos perante efectivas garantias autónomas, ainda assim não poderiam ser consideradas integradas na mera actividade accionista da dominante ao abrigo daquele normativo, porquanto, nesta garantia: não se vislumbra a característica da solidariedade; verifica-se a necessidade de interpelação para o cumprimento; o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido ou qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o ordenante e o beneficiário.

XVII.

Quanto aos acordos de opção de compra e venda, configurando uma prestação de garantias da impugnante à entidade bancária, é-lhes aplicável o mesmo entendimento dispensado às demais garantias subscritas por aquela, motivo pelo qual, à semelhança das cartas de conforto, das fianças e das garantias autónomas, nos termos e nas condições subscritas pela impugnante, não podem ser considerados como meras actividades accionistas, submetidas ao regime do artigo 501.º do CSC.

XVIII.

Por sua vez, a limitação temporal de tal responsabilidade, quer ab initio, quer in fine, permite reforçar a conclusão de que as obrigações para a sociedade dominante decorrentes da aplicação do regime do artigo 501.º do CSC não se confundem nem extinguem as garantias subscritas pela impugnante, as quais não dependem, quer quanto ao seu início, quer quanto ao seu fim, da existência da relação de domínio, mas apenas das condições contratuais que nelas se encontram clausuladas.

XIX.

Ademais, na análise que deve ser realizada quanto à aplicação dos preços de transferência aos serviços intra-grupo, o primeiro problema que se suscita é precisamente saber se houve ou não a prestação de um tal serviço, o que “implica que se procure entender se a actividade eventualmente prestada apresenta, para um membro do «grupo», um interesse económico ou comercial que reforce a sua posição comercial”.

XX.

Assim, se determinados serviços intra-grupo são prestados por um dos membros de forma a responder a uma necessidade específica de uma ou várias empresas desse mesmo grupo, então, “neste caso, a resposta à questão de saber se um serviço foi efectivamente prestado afigura-se-nos evidente, na medida em que, em circunstâncias similares, uma empresa independente teria, certamente, suprido a necessidade identificada, exercendo ela mesma essa tarefa ou recorrendo a um terceiro”.

XXI.

Por outro lado, não se concebe que, apesar de a impugnante ter subscrito aquelas garantias, as empresas participadas não necessitassem das mesmas, nem estivessem dispostas a pagar por elas se fossem prestadas por outra entidade que não a participante.

XXII.

Também não se nos afigura acertado asseverar que a obtenção daquelas garantias pode ser qualificada como uma mera vantagem acessória unicamente decorrente da circunstância de tais sociedades pertencerem a um grupo.

XXIII.

Além do mais, embora a afirmação de que “há uma prestação de serviço quando [est]a melhor notação é devida a uma garantia de um outro membro do grupo”, não possa ser vista como absoluta, não pode deixar de constituir um elemento preponderante na aferição de um efectivo serviço intra-grupo.

XXIV.

Diga-se, por fim, que não se nos afigura sustentável o entendimento de que a existência de uma relação de domínio precluda a qualificação de tais obrigações como prestação de serviços por parte da impugnante, sujeitas a remuneração como contrapartida pelos riscos por esta assumidos.

XXV.

Em conclusão, as garantias subscritas pela impugnante não só não se enquadram no regime legal previsto no artigo 501.º do CSC, não podendo ser consideradas como resultado de uma mera actividade accionista, como não podem, apesar da existência da relação de domínio, deixar de ser qualificadas como serviços intra-grupo sujeitas a remuneração.

3. As garantias e a comparabilidade nos preços de transferência XXVI.

Considerou ainda o Tribunal a quo que não se verificam os requisitos previstos no artigo 58.º do Código do IRC relativamente às garantias prestadas pela impugnante às suas dominadas, dado não existirem nestas figuras características suficientemente comparáveis às operações praticadas por aquela com entidades independentes.

XXVII.

No entanto, para a aplicação do princípio da plena concorrência terão de ser tomados em consideração variegados factores determinantes da comparabilidade, como as características dos serviços prestados, as funções exercidas por cada empresa, as cláusulas contratuais e o enquadramento económico em que as operações decorreram.

XXVIII.

Deste modo, afigura-se-nos que os SIT caminharam no bom sentido ao sustentarem que as garantias bancárias obtidas pela impugnante configuram operações economicamente comparáveis às garantias por esta subscritas a favor das suas dominadas.

XXIX.

Com efeito, atendendo à enunciação realizada no Relatório, cremos poderem ser assinaladas características similares entre as garantias de que a impugnante foi beneficiária e as que subscreveu a favor das suas participadas.

XXX.

Destarte, caso as operações controvertidas realizadas entre a impugnante e as suas participadas tivessem ocorrido entre entidades independentes, os proveitos tributários daquela seriam superiores em € 240.950,24.

XXXI.

Em conclusão, ao decidir no sentido da não...

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