Acórdão nº 0237/17.3BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 14-09-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação intentada por A………., melhor sinalizado nos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017.5000024305, referente ao ano de 2015 e no valor de € 13.298,87.
Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: a) A questão decidenda é a interpretação da norma contida no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS; b) O n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas; c) Resulta pois claro da lei, a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, para a exclusão da tributação; d) Entendemos que, a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente ocorre a quem detém sobre o imóvel a propriedade plena, o direito que lhe permite gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição do imóvel que lhe pertence.
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Tal decorre da palavra “própria” adicionada ao conceito de “habitação” por parte do legislador fiscal que permite sublinhar a necessidade de que a habitação/imóvel deverá encontrar-se na titularidade jurídica do sujeito passivo, de modo pleno podendo este aliená-la sem qualquer reserva, dispor dela.
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Resulta da lei que a exclusão tributária consignada no nº5 do artigo 10º é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento da alienação do direito de propriedade plena de imóvel destinado a habitação própria e permanente na aquisição da propriedade plena de outro imóvel com o mesmo destino.
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E não pretendeu excluir da tributação das mais-valias a alienação do direito real de usufruto.
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Tudo porque o princípio constitucional de legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a interpretação analógica das normas de desagravamento fiscal, apenas admite a interpretação extensiva (art.º 10.º do EBF).
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Mas a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo; j) Tal não acontece com a norma de exclusão tributária do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que, não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude – propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não com quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.
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Esta é, a única interpretação que se coaduna com as regras e princípios gerais de interpretação das leis, aplicáveis por força do artigo 11.º n.º 1 da LGT - designadamente as regras que se encontram previstas no artigo 9.º do Código.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.
O recorrido formulou contra-alegações, que concluiu nos termos que se seguem: 1. No âmbito dos presentes autos, vem a Fazenda Pública - sem razão - colocar em crise a interpretação dada pelo Tribunal a quo à norma contida no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
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Com efeito, prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (…)”, i.e., geram mais-valias todos os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de qualquer tipo de direito – seja de propriedade, de usufruto, superfície ou outro - sobre imóveis.
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Por seu turno, a alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, a qual regula os requisitos de exclusão de tributação de mais-valias, refere expressamente que “o valor de realização, (…), seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel”, ou seja, a lei impõe que a aquisição realizada com os ganhos obtidos na alienação seja de um direito de propriedade.
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Já o corpo do n.º 5 do mesmo artigo 10.º estipula que são excluídos de tributação os “ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo”, não referindo se essa transmissão onerosa tem que ser de um direito de propriedade ou de outro direito qualquer.
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O que a lei claramente impõe para a exclusão de tributação das mais-valias é a alienação de um direito – sem especificar qual - sobre um imóvel afeto à habitação própria e permanente na aquisição de um direito de propriedade sobre novo imóvel também ele afeto à habitação própria e permanente.
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Ao não especificar o tipo de direito que exige na alienação de imóveis para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias, o legislador pretendeu atribuir tal exclusão à transmissão de todo o tipo de direitos sobre imóveis afetos à habitação própria e permanente cuja alienação gere mais-valias.
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Até porque, seria totalmente discutível, discrepante e desigual, equiparar o direito de usufruto ao direito de propriedade para efeitos de tributação – mais-valias, imposto municipal sobre imóveis, condomínio, etc. – e não realizar a mesma equiparação para efeitos de exclusão dessa mesma tributação.
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Acresce que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a leitura da letra da lei e que com ela tem uma maior correspondência, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do n.º 1 do artigo 11.º da LGT.
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Inclusivamente, ao contrário do por si alegado, a própria Administração Tributária já aceitou a exclusão de tributação de mais-valias na alienação de um direito de superfície, conforme se verificou pela análise da Informação Vinculativa emitida pela própria Administração Tributária, proferida no âmbito do processo n.º 3919/2008, com despacho concordante do Substituto Legal do Senhor Diretor-Geral de 2009.12.16, disponível no portal das finanças.
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Pelo que se conclui, sem margem para dúvidas, que a lei prevê expressa e inequivocamente a exclusão de tributação das mais-valias na alienação do direito de usufruto sobre um imóvel afeto a habitação própria e permanente do usufrutuário, desde que verificadas as restantes condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o que é o caso.
Termos em que, nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública ser declarado improcedente e, consequentemente, deverá ser mantida a douta decisão recorrida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA! Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, com a seguinte fundamentação: “I – Introdução O presente recurso vem interposto pela Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 14/09/2020, nos termos da qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por A………….
e, em conformidade, foi anulada a liquidação oficiosa n.º 2017.5000024305, impugnada, referente ao ano de 2015, no valor de € 13.298,87, em nome do impugnante e bem assim a decisão de indeferimento de reclamação graciosa por ele apresentada.
Na impugnação judicial deduzida o impugnante alegou, de entre o mais, a violação dos princípios da boa fé, da legalidade, da transparência, da segurança jurídica, da igualdade na tributação do património e a legalidade da alienação do direito de usufruto de imóvel, afecto à sua habitação própria e permanente, para efeitos de exclusão de tributação prevista no nº 5 do art.º 10º do Código do IRS.
Conclui pedindo a anulação da decisão impugnada, sustentando que a interpretação defendida pela Autoridade Tributária se mostra violadora dos mais elementares princípios fiscais e constitucionais, interpretando erradamente o nº5 do art.º 10º do CIRS.
II - Posição das partes e da Instância recorrida: O impugnante alienou o direito de usufruto que detinha sobre um imóvel que sempre esteve afecto à sua habitação “própria e permanente” e posteriormente (no mesmo ano), reinvestiu parte daquele valor na aquisição de outro imóvel que também destinou à sua habitação própria e permanente.
Defende que a sua situação se enquadra na previsão do nº 5 do art.º 10º do CIRS e pretende beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias, defendendo a ilegalidade da decisão impugnada bem como violação dos princípios que devem nortear o procedimento tributário, pedindo a anulação do despacho que lhe indeferiu a sua reclamação graciosa.
Discorda a recorrente defendendo que o n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas, resultando clara a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação, na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Entende a recorrente que a transmissão onerosa de imóveis só pode ser levada a...
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