Acórdão nº 0160/08.2BELRS 0284/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução12 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório Banco A………, S.A 1.

., com os sinais dos autos, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 30 de Setembro de 2015, que julgou parcialmente improcedente a impugnação por si deduzida do deferimento parcial da reclamação graciosa intentada contra os actos de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), n.º 2007 8010000042 e da demostração de acerto n.º 2007 00000022376, relativo ao exercício de 2003, apresentou recurso jurisdicional, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: 1.º A sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos tributários consubstanciados na liquidação adicional de IRC n.º 2007 8010000042 e na demonstração de acerto de contas n.º 2007 00000022376, referente ao exercício de 2003; 2.º Incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao considerar que as provisões acumuladas afetas à sucursal de Cabo Verde, registadas como custo fiscal no exercício da constituição, devem ser repostas em proveitos no exercício de 2003, sendo o Recorrente tributado pelo valor nominal dos créditos que lhes estavam subjacentes, devido à conversão da sucursal numa sociedade constituída à luz do ordenamento jurídico cabo-verdiano e, consequentemente, consubstanciar proveito tributável desse exercício; 3.º A operação configura uma entrada de ativos, nos termos do artigo 67.º, n.º 3, do CIRC, a qual não beneficia do regime da neutralidade fiscal consagrado no artigo 68.º, n.º 1, do CIRC, porquanto a transferência dos elementos patrimoniais ocorreu para uma sociedade situada fora da União Europeia, pelo que os resultados positivos ou negativos que desta operação de transformação decorram sejam objeto de reconhecimento em sede de IRC; 4.º No âmbito da transferência do património, não se encontrando a operação abrangida pelo regime de neutralidade fiscal, a generalidade dos ativos que se encontravam afetos à antiga sucursal de Cabo Verde, foram objeto de transferência pelo seu valor líquido, isto é, a transferência dos respetivos ativos - nos quais se inclui a parcela dos ativos respeitantes aos créditos afetos àquela sucursal - foi operada pelo valor pelo qual se encontravam valorizados à data da operação de reestruturação em causa; 5.º De facto, controverte-se nos presentes autos a quantificação do rendimento decorrente da operação, residindo aqui o erro de julgamento imputável à sentença recorrida, sendo que a transferência dos ativos - in casu, dos créditos - afetos à sucursal de Cabo Verde para a nova sociedade sediada no mesmo Estado não poderá deixar de tomar em consideração o passivo relacionado com esses créditos, porquanto o mesmo refletia o valor real daqueles à data da operação, sendo os elementos ativo e passivo do crédito estruturalmente indissociáveis; 6.º Ora, as provisões referentes a riscos de créditos têm como função primacial garantir que estes se encontram registados pelo seu efetivo valor de mercado, permitindo ao sujeito tributado espelhar a situação económica da sociedade da forma mais exata possível, ou seja, a relevação das provisões permite a consideração, para efeitos fiscais, do valor correspondente à constituição do crédito mitigado pelo risco de incobrabilidade que lhe está intimamente associado; 7.º In casu, as provisões que foram objeto de transferência visavam registar as diferenças entre o montante integral do crédito (valor nominal) e o montante que se antevia recuperável (valor real), não tendo excedido os limites fiscalmente previstos no artigo 35.º, do CIRC, na redação vigente à data, sendo que a constituição das mesmas revelou-se uma condição necessária para traduzir o valor real dos créditos transferidos, porquanto o valor nominal do crédito excedia o seu valor de recuperável; 8.º Neste sentido, a não consideração do valor real dos ativos para efeitos de tributação em sede de IRC, como resulta da correção operada pela administração tributária, a qual foi sancionada na sentença recorrida, viola os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, previstos no artigo 83.º, da LGT e no artigo 104.º, n.º 2, da CRP; 9.º Nos termos do artigo 83.º, da LGT, a avaliação direta - que tem primazia sobre a indireta nos termos do artigo 85.º, n.º 1, da LGT - visa a determinação do valor real dos rendimentos, tendo em vista alcançar, com rigor, ao exato valor tributável real, pelo que a tributação meramente assente no valor nominal dos créditos sempre afrontará esta disposição; 10.º Com efeito, o esteio da tributação das pessoas coletivas assenta no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e determina que a tributação das empresas deve assentar fundamentalmente no seu rendimento real, sendo este uma decorrência do princípio da capacidade contributiva, de acordo com o qual os contribuintes só podem ser tributados pela sua efetiva e real capacidade; 11.º A adotar-se a uma tributação pelo valor nominal dos créditos, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sem conceder, o Recorrente seria tributado por um rendimento inexistente e à revelia dos mencionados princípios, isto porque o rendimento encontrar-se-ia empolado no montante correspondente à provisão que seria aceite nos termos do artigo 35.°, do CIRC, na redação vigente à data; 12.º Consequentemente, o Recorrente encontrar-se-ia obrigado a suportar imposto sobre o valor total dos créditos objeto de transferência sem revelar (porquanto existem fundados elementos que justificam a constituição da provisão) capacidade económica para tal; 13.º Face ao exposto, impõe-se que o Recorrente só possa ser tributado pelo valor real do crédito, dentro dos limites fiscalmente previstos, decorrendo esse valor da subtração do valor das provisões ao valor nominal dos créditos transferidos para a sociedade cabo-verdiana, só assim se cumprindo com os princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva; 14.º Aliás, se o Recorrente houvesse optado por considerar a "transferência" do património afeto à sucursal de Cabo Verde, como a "alienação" do mesmo à nova sociedade, poderia ser tributado pelo valor real dos créditos no mesmo exercício, sendo que, uma vez que as operações são economicamente idênticas não poderá o sujeito passivo ser sancionado pela opção que realizou, sob pena de a presente liquidação se assumir como sancionatória; 15.º Isto é, a consideração, para efeitos de incidência objetiva do imposto, do valor nominal dos créditos ao invés do respetivo valor real, não pode ter como mero pressuposto a circunstância de o sujeito passivo ter elegido um negócio jurídico em detrimento de outro que se revela economicamente idêntico, inclusive porque o procedimento adotado pelo Recorrente em nada prejudicou o erário público; 16.º A CRP previu que a imposição fiscal deve incidir “fundamentalmente” sobre o rendimento real, não excluindo tal normativo constitucional a introdução de modulações excecionais que divergem do mero apuramento declarativo-contabilístico, devendo, porém, tais modulações ser, elas mesmas, tendentes à tributação da real capacidade contributiva, i.e. tais modulações devem ter como fim a tributação do rendimento real, encontrando-se vedada a desconsideração absoluta das provisões para créditos relativos à extinta sucursal cabo-verdiana; 17.º Ora, na situação em apreço, quer a administração, quer o Tribunal a quo, não aventaram quaisquer motivos atendíveis - porquanto não existem - que legitimem a desconsideração das provisões em crise e, consequentemente, a tributação de um rendimento inflacionado do Recorrente; 18.º E nem sequer se invoque, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sempre sem conceder, que não se deverá atender ao princípio constitucional da tributação do lucro real no caso vertente porquanto nos encontramos diante do regime de provisões para riscos de crédito, dado que os limites do desvio ao princípio da tributação segundo o lucro real, no âmbito das provisões para riscos de crédito, apenas podem ser determinados pelo legislador e encontravam-se tipificados no artigo 35.º, do CIRC, na redação vigente à data dos factos; 19.º Nestes termos, tendo o sujeito passivo, ora Recorrente, provisionado os montantes em causa em harmonia com a legislação fiscal em vigor, não poderá a administração tributária proceder a uma desconsideração das provisões em valor superior à desconsideração que decorreria da referida disposição do CIRC, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP); 20.º Caso assim não se entenda, então sempre terão os artigos 67.º e 68.º, do CIRC, de ser considerados materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 104.º, n.º 2 da CRP, quando interpretada no sentido de que o montante a considerar para efeitos de tributação é o valor nominal dos créditos transferidos, invocando-se essa inconstitucionalidade desde já para os devidos efeitos legais; 21.º Ademais, a admitir-se tal entendimento violar-se-ia o princípio constitucional da legalidade, na sua vertente formal, que se reporta às exigências de criação legislativa, ditando a intervenção do Parlamento na fixação da disciplina tributária ou, mediante lei de autorização legislativa, do Governo, assembleias legislativas regionais ou assembleias das autarquias locais, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, i), 227.º, n.º 1, i) e 238.º, n.º 3, todos da CRP; 22.º Assim, conclui-se que o princípio da legalidade, enquanto anteparo do princípio da reserva de lei formal, exige que o regime jurídico dos impostos e, por maioria de razão, das Provisões para riscos de crédito, devem ser aprovados por lei ou decreto-lei autorizado, não beneficiando a administração tributária da liberdade de determinar, discricionariamente, os montantes das provisões que podem ou não ser considerados para efeitos de tributação em sede de IRC; 23.º...

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