Acórdão nº 47/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO R..........

, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 12/09/2019, que no âmbito da ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Justiça, julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de condenação à concessão do Estatuto Equiparado a Deficiente das Forças Armadas, com efeitos reportados a 14 de julho de 2017.

* Formula o Autor, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.

Tal como resulta do disposto no artigo 89.º da Lei Orgânica da PJ, o regime legal em vigor para os deficientes das Forças Armadas e das forças de segurança é aplicável ao pessoal dirigente e demais funcionários da PJ, com as devidas adaptações, sendo, por isso, aplicável ao Apelante (Cfr. alíneas A) e B) dos Factos Provados); 2. In casu, está essencialmente em causa a aplicação do regime legal dos deficientes das Forças Armadas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro ao pessoal da Polícia Judiciária, determinada, “com as devidas adaptações”, o que, cremos, vale por dizer que tal regime deverá ser adaptada no sentido de ser aplicada àqueles que se deficientaram em cumprimento dos deveres de serviço de polícia.

  1. Ora, prevê o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, que é considerado DFA quem, no cumprimento do seu dever de serviço, adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho, quando em resultado de acidente ocorrido, nomeadamente, na manutenção da ordem pública ou no exercício das suas funções e deveres e por motivo do seu desempenho, venha a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em perda anatómica ou prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor; 4. Concretizando o disposto no n.º 2 do artigo 1.º, o sequente artigo 2.º do diploma em análise define que “considera-se que: a) (…) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei” (sublinhado e negrito nossos).

  2. Ora, tal como resultou provado, ao A. foi atribuída uma desvalorização de 37,8%, tendo, inclusivamente, o Tribunal a quo considerado que “a desvalorização, relativamente ao agravamento do acidente ocorrido em 9 de outubro de 1998, passou de 23,5% para 37,8%” (Cfr. alínea R) dos Factos Provados); 6. Sem prejuízo do preenchimento do pressuposto da desvalorização da capacidade de ganho, conclui, porém, o Tribunal a quo pelo não preenchimento do pressuposto previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, por não verificado o “risco agravado” na subsunção dos factos que resultam provados sob as alíneas A) a M) e considerando, também, que “a exigência de risco agravado terá de ocorrer em qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76”.

  3. Porém, cremos, a conclusão de que se verifica a cumulação do requisito da “manutenção da ordem pública” com o “risco agravado” resulta de erro de direito (de interpretação e de subsunção); 8.

    Tal cumulação de requisitos não resulta, de todo, da norma; 9.

    Isto porque o “risco agravado” não é requisito cumulativo; 10.

    E assim é pois do emprego da conjunção “ou” (expressamente aposta entre parágrafos do n.º 2 do preceito acima citado) terá necessariamente de significar que estamos perante requisitos alternativos; 11.

    1. é, tendo o acidente ocorrido “na manutenção da ordem pública”, como alegado pelo Apelante, não se impunha a indagação pelo Tribunal a quo do “risco agravado” no exercício de funções, enquanto requisito alternativo, previsto no 7.º § do n.º 2 do artigo 1.º a que nos vimos referindo; 12.

    Na verdade, se a intenção do legislador fosse a de estabelecer requisitos cumulativos no preceito em causa teria utilizado a conjunção copulativa “e” e não a conjunção disjuntiva “ou”; 13.

    Justamente, tendo em conta o sentido literal decorrente do agrupamento entre pontos e vírgulas, seguido ao longo de toda a previsão normativa e a colocação da conjunção disjuntiva “ou” entre os quatro “tipos” de ações de que decorre o acidente (ou seja, [i.] serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra; [ii.] manutenção da ordem pública; [iii.] prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou [iv.] exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores), se conclui que os critérios impostos pelas regras de hermenêutica conduzem-nos a este entendimento de que tais requisitos são alternativos; 14.

    Por isso, cremos, verificando-se que a ação do Apelante ocorreu na manutenção da ordem pública, as considerações vertidas na douta sentença recorrida a propósito do risco agravado se revelam despiciendas à luz do aludido preceito; 15.

    Na verdade, a atuação do Apelante descrita na alínea D) dos Factos Provados e densificada na douta sentença que constitui o doc. 2 junto à PI, se subsume a uma ação de manutenção da ordem pública, porquanto, “no dia 9 de Outubro de 1998 [o Apelante] circulava em frente à porta principal do Centro Comercial das Olaias (…) e, nessa altura, aperceb[eu-se] que o arguido [J..........] executava uma manobra ao volante da sua viatura que colocou em risco o condutor de uma motorizada, e que estes depois se envolveram em conflito.

    [o Apelante] imobiliz[ou] a sua viatura e dirigi[u-se] ao local para repor a ordem. (…) porque o arguido [J..........] começou a ameaçar as pessoas presentes, o [Apelante] identificou-se perante o arguido como agente da PJ exibindo a sua carteira profissional. E logo de seguida o arguido [J..........] atingiu com um soco no peito o [Apelante] provocando o desequilíbrio deste e consequente projecção contra o taipal de uma camioneta onde embateu com a cabeça. Ato contínuo, o referido J.........., mesmo após ter sido agarrado por dois agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP), “usando aqueles como ponto de apoio, voltou a atingir o [Apelante] com um forte pontapé nos testículos. J.......... “foi conduzido ao edifício da PJ na Rua Gomes Freire.

    ” – Cfr. doc. 2 junto aos autos principais 16.

    Tal ação do Apelante foi, e bem, considerada pelo Tribunal a quo como “ ação de manutenção da ordem pública ” (Cfr. alínea D) dos Factos Provados); 17.

    Tal ação insere-se, cremos, no “âmbito do trinómio tranquilidade-segurança-salubridade”; 18.

    Logo, o requisito atinente à causa do acidente, previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, se tem por preenchido, não carecendo, pois, o Tribunal a quo de indagar do “risco agravado” a que alude o 7.º § do citado preceito; 19.

    Ademais, e pela mesma ordem de razões, irreleva a citação do Parecer n.º 24/2014 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que consta da douta sentença recorrida, pois que o mesmo (para além de não ser vinculante, como resulta do disposto no artigo 2.º, n.º 4, in fine, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, e se afirmou no Parecer n.º 54/2002, de 20 de julho de 2005, in www.dre.pt) aborda situação não análoga à dos autos, em que, por não verificada uma “ação de manutenção de ordem pública”, o referido Conselho Consultivo discorreu acerca do “risco agravado” em ação de investigação criminal; 20.

    E não se siga que a PJ não tem especificamente a missão da “manutenção da ordem pública”, tendo apenas no âmbito dos poderes de cooperação, já que tal interpretação desconsidera as disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 3, e 12.º, n.º 1, alínea h), da Lei n.º 52/2008, de 29 de agosto (Lei de Segurança Interna), de onde resulta que a PJ é um órgão de polícia criminal e de segurança, necessariamente, também com missão de “manutenção da ordem pública”; 21.

    De todo o modo, ainda que se não subsuma a factualidade descrita sob as alíneas D) a H) a uma “ação de manutenção da ordem pública”, o que se admite como mera hipótese académica, sempre se dirá, ainda assim, que o “risco agravado”, previsto no 7.º § do n.º 2 do artigo 1.º do diploma em análise, é ele próprio inerente às funções exercidas pelo Apelante, tanto que a própria PJ é um órgão de polícia criminal e de segurança com subsídio de risco, previsto nos termos dos artigos 91.º e 161.º da Lei Orgânica da PJ, contrariamente ao que sucede com outras forças de segurança, que têm também competências de natureza criminal, como a PSP ou a GNR, sendo, ainda, a atividade profissional dos funcionários da PJ, em si mesma, perigosa e desgastante física e psiquicamente, conforme se aduzia desde logo do preâmbulo do já revogado e substituído Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, e resulta reiteradamente confirmado na redação do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, e na redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro; 22.

    Pelo que, atento o supra exposto, se verifica, com o devido respeito, que é muito, erro de direito da douta sentença recorrida, que se traduz em erro de interpretação da norma e, bem assim, em erro na subsunção dos factos ao direito; 23.

    Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada, substituindo-se a mesma por douto Acórdão que reconheça o direito do Apelante ao estatuto de equiparado a deficiente das Forças Armadas e que condene o Apelado a praticar, num prazo não superior a 10 (dez) dias, o ato que conceda ao Apelante o estatuto de equiparado a DFA, a que deverá ser atribuída eficácia retroativa reportada à data do requerimento do Apelante de 14 de julho de 2017 (Cfr. alínea S) dos Factos Provados)...

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