Acórdão nº 48/19.1GBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução12 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

Nos autos de instrução n.º 48/19.1GBGRD, do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica de Celorico da Beira, em que é arguido P.

, com os demais sinais dos autos, a Mma. Juíza de Instrução proferiu decisão instrutória em que declarou a nulidade do despacho do Ministério Público que determinou a revogação da suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal (doravante CPP), e do processado subsequente, porque dele dependente, com o fundamento de que não foi dado cumprimento ao princípio do contraditório, na vertente da audição do arguido sobre a decisão de revogar a suspensão.

  1. Inconformado com a decisão, dela recorreu o Ministério Público, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1. O artigo 32.º, n.º 5 que consagra constitucionalmente o princípio do contraditório, apenas se refere às fases de instrução e de julgamento, nada referindo no que concerne ao inquérito, sendo certo que o referido princípio assume uma natureza mais ténue e menos intensa precisamente na fase de inquérito.

  2. O artigo 61.º, alínea b), do Código de Processo Penal é claro ao referir-se ao juiz de instrução e ao tribunal não se referindo ao Ministério Público, pelo que não é aplicável nesta situação concreta, não tendo sido violado o princípio do contraditório ao não dar a oportunidade ao arguido de se pronunciar previamente à revogação da suspensão provisória do processo e dedução da acusação.

  3. O arguido não concordando com a revogação da suspensão provisória do processo e a posterior dedução de acusação, poderá sempre requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º, do Código de Processo Penal.

  4. As causas que determinam a revogação da suspensão provisória do processo, vêm previstas nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 282.º, do Código de Processo Penal, sendo elas o incumprimento das injunções e regras de conduta pelo arguido e, por outro, a prática de crime da mesma natureza durante o período da suspensão provisória do processo.

  5. Uma vez que, no presente caso, o motivo para a revogação da suspensão provisória do processo foi o previsto no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal, isto é, a prática de crime da mesma natureza durante o período da suspensão, tal determina, de forma automática, a revogação da suspensão provisória do processo, porquanto se trata de uma causa objetiva, não sendo necessária a realização de qualquer juízo no que concerne à culpabilidade do arguido.

  6. De facto, havendo uma decisão condenatória já transitada em julgado e mencionada no Certificado de Registo Criminal, estão objetivamente cumpridos todos os pressupostos para a revogação da suspensão provisória do processo e o consequente prosseguimento dos autos, pelo que o Ministério Público ao não revogar o despacho de suspensão provisória do processo e, em consequência, deduzir despacho de acusação estaria, aí sim, a incumprir aquilo que é prescrito pela lei, em específico, no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal.

  7. Ainda que fosse dado o contraditório ao arguido anteriormente à decisão de revogação da suspensão provisória do processo, a verdade é que, não se vislumbra qualquer elemento ou argumento que o mesmo pudesse trazer aos autos que determinasse uma decisão diversa pelo Ministério Público, pelo que se trataria do cumprimento de uma formalidade que carecia de qualquer utilidade.

  8. Deste modo, violou a decisão recorrida os artigos 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, 61.º, alínea b), 120.º, n.º 2, alínea d) e n.º 3, alínea c), 122.º e 282.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal.

    Pelo exposto, requer-se a V. Exas seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que não declare a nulidade do despacho de revogação da suspensão provisória do processo, devendo os autos seguir os seus trâmites.

    Mas, Vossas Excelências, como é apanágio, farão a costumada Justiça!”.

  9. Admitido o recurso e notificado o arguido, este não apresentou resposta.

  10. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPP, emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo Ministério Público merece total provimento, o qual, por se mostrar bem elaborado e fundamentado, o sufraga na íntegra, acrescentando ainda à argumentação já aduzida, que não está prevista em qualquer norma do CPP a obrigatoriedade de audição do arguido pelo Ministério Público, antes de proferir a decisão de revogação da suspensão provisória do processo. É o artigo 282.º, n.º 4 do CPP que estipula as causas que determinam o prosseguimento do processo que está suspenso provisoriamente, sem que preveja a necessidade de audição prévia do arguido. E se quanto à causa prevista na alínea a) daquele normativo se poderia de algum modo admitir que o arguido pudesse ser ouvido, com vista à confirmação do não cumprimento das injunções e das regras de conduta fixadas, já quanto à causa prevista na alínea b) – o cometimento de novo crime durante o período de suspensão – a sua audição revelar-se-ia totalmente despicienda, uma vez que sobre o novo crime já aquele foi ouvido durante o julgamento a que foi submetido e nada do que pudesse agora dizer colidiria com a obrigatoriedade de revogação da suspensão do processo.

    Por isso, conclui, não viola o princípio do contraditório nem enferma de qualquer nulidade o despacho do Ministério Público que determinou a revogação da suspensão provisória e a continuação do processo, com dedução de acusação.

  11. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

  12. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre agora decidi * II – Fundamentação 1.

    Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

    Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do Digno recorrente com a decisão impugnada, a questão a decidir é a de saber se a revogação da suspensão provisória do processo, por força do disposto no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do CPP, deve ser obrigatoriamente precedida de audição do arguido, sob pena de nulidade, nos termos previstos no artigo 120.º n.

    os 2, alínea d), e 3, alínea c), com referência ao artigo 61.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, e 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

    * 2.

    O despacho recorrido.

    2.1.

    A decisão proferida pela Mma. Juíza de Instrução tem o seguinte teor (transcrição da parte que releva para o presente recurso): “O Ministério Público abriu inquérito contra o arguido P., tendo em vista investigar factos suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de consumo de estupefacientes agravado, p. p. pelos arts. 14º do Código Penal, 40º, nºs 1 e 2, tabela I-C e tabela II-A do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.

    No final do inquérito, o Ministério Público, após concordância do arguido e do JIC, proferiu despacho de aplicação da suspensão provisória do processo, pelo prazo de cinco meses, mediante a imposição, ao arguido, de efetuar, naquele prazo, o pagamento de 400,00€ ao IGFEJ, devendo fazer prova desse pagamento no final do período da suspensão (fls. 33-36).

    * No entanto, por despacho a fls. 64-67, o Ministério Público revogou a suspensão provisória do processo e deduziu acusação, contra o arguido P., pela prática de um crime de consumo de estupefacientes agravado, p. p. pelos arts. 14º do Código Penal, 40º, nºs 1 e 2, tabela I-C e tabela II-A do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.

    * Inconformado com o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, veio o arguido requerer abertura de instrução (fls. 75-78), nos termos do art. 287º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que cumpriu a injunção que lhe foi imposta, tendo o Ministério Público revogado a suspensão provisória do processo, através de despacho que carece de fundamentação adequada, sem a audição do arguido, violando o princípio do contraditório e o direito de audição do arguido em relação a todas as decisões que pessoalmente o afetem.

    Assim, verifica-se a nulidade do despacho de revogação da suspensão provisória do processo, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d) do Código de Processo Penal.

    * Por despacho a fls...

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