Acórdão nº 2170/19.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO Os autos respeitam a acção especial emergente de acidente de trabalho que prosseguiu para a fase contenciosa. Figuram como autoras C. P., viúva, por si e em representação da filha menor A. F., patrocinadas pelo Ministério Público, e como rés “Seguradoras ..., SA,” e a “A. C. Unipessoal, Lda”.

PEDIDO: condenação das rés na medida das suas responsabilidades a pagar: à A. C. P. uma pensão anual e vitalícia, remível, de 2.953,84€, com início no dia 13 de Junho de 2019, subsídio por morte no valor de 2.876,04€, subsídio de funeral no valor de 1.070,00€ e despesas de transporte no valor de 30,00€; à A. A. F. uma pensão anual e temporária de 1.969,22€, com início no dia 13 de Junho de 2019, subsídio por morte no valor de 2.876,04€ e despesas de transporte no valor de 30,00€.

CAUSA DE PEDIR: alegam que eram, respectivamente, cônjuge e descendente do sinistrado. Este havia sido admitido ao serviço da 2ª Ré em 01/05/2019 e sofreu um acidente mortal quando exercia funções de condutor manobrador. O sinistro ocorreu em 12/06/2019, pelas 19h00, num terreno em ..., Paredes de Coura, quando o sinistrado conduzia, por um terreno inclinado e com irregularidades, uma escavadora hidráulica, para a arrumar. A máquina tombou, ficando o sinistrado preso entre a máquina e o solo. Em consequência sofre lesões traumáticas que lhe determinaram a morte. A 2ª R. apenas havia transferido parcialmente para a R. seguradora a sua responsabilidade por acidente de trabalho. O falecido auferia um salário anual de Euros 9.846,12.

CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA: alega que o acidente está descaracterizado por culpa grave e indesculpável e por violação das regras de segurança sem causa justificativa por parte do sinistrado. Este conduzia uma máquina equipada com cabine fechada indeformável e com cinto de segurança, máquina essa que veio a capotar. O sinistrado não usava o cinto de segurança, tendo sido por isso projectado para fora da cabine. Caso o usasse jamais teria ocorrido a sua morte. Acresce que ignorou as normas de segurança relativas à deslocação da máquina pela colina inclinada, porquanto deveria ter prosseguido em posição perpendicular ao caminho para o qual se deslocava, auxiliando a manobra de descida com o apoio da lança. Ao invés, o sinistrado fez o percurso de forma enviesada e por uma ladeira com fraga, o que provocou o deslizamento e capotamento da máquina. Violou os artigos 23º e 32º do DL 50/2005, de 25-02. Sabia que devia respeitar estas normas e agiu por sua determinação, normas que bem conhecia por ter formação profissional adequada. Sabia da gravidade e das consequências da violação das normas de segurança. Conclui pela improcedência do peticionado.

CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA - aceita a data de admissão do trabalhador, a ocorrência do acidente e a parte do salário não transferido. Afirma desconhecer as circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente de trabalho, quanto ao tempo e modo, na medida em que não se encontrava ninguém da empresa naquele local. A Ré tinha incumbido o sinistrado de proceder à limpeza de um terreno. Segundo o que apurou, o acidente ocorreu após o sinistrado ter terminado a sua tarefa de limpeza, mais concretamente quando se deslocava para o local onde pretendia deixar a máquina imobilizada. A máquina que o sinistrado manobrava oferecia todas as condições de segurança legalmente exigidas. A cabine e posto de condução tem estrutura ROPS, protecção de risco de estilhaçamento, cadeira e cintos de segurança. Por norma, no exercício das suas funções, o sinistrado respeitava todas as regras de segurança. A acção deve ser decidida de acordo com o que se apurar em julgamento.

O autor respondeu que a máquina tombou sem culpa da vítima.

Proferiu-se despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a presente acção e, em consequência, decide: - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, C. P.

, a pensão anual e vitalícia, remível, de Euros 2 850,56, com início em 13 de Junho de 2019; - condenar a ré entidade patronal, “A. C.

Unipessoal, Lda,” a pagar à autora, C. P.

, a pensão anual e vitalícia, remível, de Euros 103,28, com início em 13 de Junho de 2019; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, C. P.

, o montante de Euros 2 876,04, a título de subsídio por morte; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, C. P.

, o montante de Euros 1 070,00, a título de subsídio por despesas de funeral; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, C. P.

, o montante de Euros 30,00, a título de despesas de deslocação; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, A. F.

, a pensão anual e temporária de Euros 1 900,37, com início em 13 de Junho de 2019; - condenar a ré entidade patronal, “A. C.

Unipessoal, Lda,” a pagar à autora, A. F.

, a pensão anual e temporária de Euros 68,85, com início em 13 de Junho de 2019; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, A. F.

, o montante de Euros 2 876,04, a título de subsídio por morte; - condenar a ré seguradora, “Seguradoras ..., SA,” a pagar à autora, A. F.

, o montante de Euros 30,00, a título de despesas de deslocação; - condenar as rés a pagar às autoras os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, conforme artigos 135º do CPT e 129º do RRATDP, e até integral pagamento; - custas pela ré seguradora e ré entidade patronal na proporção da responsabilidade; - valor da causa para efeitos tributários: 66 837,09;” RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ SEGURADORA - CONCLUSÕES: 1 - Para análise do objecto do presente recurso, foram dados como provados os seguintes factos, que se passa a transcrever: “6.

A máquina referida em 4) estava equipada com cabine fechada para segurança e conforto do condutor; na cabine existia assento para instalação do condutor, bem como cinto de segurança para, em caso de acidente, evitar a projecção do tripulante para fora da cabine.” (sublinhado e carregado nosso); “7.

Após o acidente, verificou-se que o cinto de segurança estava operacional e não tendo sofrido qualquer reparação; a cabine da máquina estava amolgada dos lados e sobre o tejadilho.” (sublinhado e carregado nosso); “8.

O Sinistrado, no momento do acidente, não tinha posto o cinto de segurança.” (sublinhado e carregado nosso); “9. O sinistrado foi projectado e, em parte, para fora da máquina.

” (sublinhado e carregado nosso); “10.

O sinistrado ficou com a perna esquerda esmagada na zona da virilha.

” (sublinhado e carregado nosso); “11.

Se o Sinistrado tivesse colocado o cinto, não tinha sido projectado para fora da máquina.” (sublinhado e carregado nosso); “12.

O Sinistrado fazia o percurso em direcção ao caminho florestal, de forma enviesada e por uma ladeira com fraga, o que provocou o deslizamento e seguindo de queda da máquina.” (sublinhado e carregado nosso).

2 - Pese embora não conste da factualidade dada como provada, é reconhecido, na Douta Sentença aqui em recurso, que o Sinistrado falecido tinha uma experiência de mais de 15 anos na condução do tipo de máquinas que interveio no acidente dos autos; o que não é, de todo, despiciendo, quer para a conclusão de que o Sinistrado violou, de forma consciente e voluntária, as mais elementares regras de segurança, nomeadamente no que ao cinto de segurança diz respeito, assim como à trajectória que seguiu, e que acabou por provocar o despiste da máquina; quer para a conclusão de que o Sinistrado falecido agiu com manifesta negligência grosseira, consciente e exclusiva.

3 - A demandada entende, modestamente, que a factualidade dada como provada, acima transcrita, permite concluir, sem mácula, e sem qualquer margem para dúvida, que o acidente dos autos proveio única e exclusivamente de acto do Sinistrado falecido, primeiro por acção, segundo, por omissão, que importou, sem qualquer causa justificativa, a violação das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei.

4 - No que tange à conduta do Sinistrado Falecido por acção, resultou provado que o Sinistrado falecido, sem que nada o justificasse, iniciou a manobra de descida de um terreno inclinado de forma enviesada, quando o deveria ter feito de forma perpendicular.

5 - Dada a própria natureza da máquina e suas características (uma escavadora hidráulica), constituída por uma base, de onde se destacavam, quer a cabine, quer a pá escavadora), trata-se de uma máquina de condução instável por definição.

6 - Atendendo, quer a essa instabilidade, quer à morfologia e configuração do terreno por onde circulava (terreno inclinado e com irregularidades), a manobra de descida, a existir, deveria ter sido executada de forma perpendicular, e nunca de forma enviesada, como, infelizmente, veio a acontecer.

7 - Ao executar a manobra de forma enviesada, o Sinistrado falecido violou, sem qualquer justificação, a obrigatoriedade de executar a manobra de forma perpendicular, colocando-se, de forma injustificada, e de forma voluntária, numa posição de risco da máquina tombar para o lado do plano inclinado e irregular.

8 - Não resultou provado que, para descer esse terreno inclinado e irregular, o Sinistrado falecido tivesse que executar a manobra de forma enviesada.

9 - Atente-se que, conforme é reconhecido na Douta sentença em recurso, que o sinistrado falecido possuía uma experiência de mais de 15 anos no manuseamento daquele tipo de máquina; portanto, sabia perfeitamente que não deveria executar a manobra de descida do terreno inclinado e irregular de forma enviesada, mas sim de forma perpendicular; precisamente para evitar acidentes como o que acabou por ocorrer.

10 - Mas, pior do que isso, é iniciar a manobra de descida do terreno inclinado e irregular de forma enviesada, SEM FAZER USO DO CINTO DE SEGURANÇA.

11 - As lesões que provocaram a morte do Sinistrado advieram do facto deste ter sido projectado parcialmente para fora...

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