Acórdão nº 1078/20.6BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação de judicial apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, pela sociedade «M......, LDA» contra o despacho do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 17.07.2020, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal n.°………., instaurado para cobrança de dívida de IVA do ano de 2016, no valor total de € 744.094,40.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: « I.

O Reclamante veio interpor reclamação ao abrigo do artigo 276.° do CPPT, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finança de Alenquer que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal n.°…………, instaurado para cobrança de dívida de IVA do ano de 2016. Pela sentença, ora recorrida, veio o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado.

II.

Como resulta do probatório, designadamente do seu ponto 12 que integra a informação prestada pela DF Lisboa ao OEF, a Reclamante ofereceu como garantia a constituição de penhor sobre o seu inventário, o qual “integra maioritariamente bens sujeitos a registo, em concreto veículos automóveis’’.

III.

Está aqui em causa a garantia prevista no art.° 666°, n°1 do Código Civil, preceito este referente à noção de penhor, que dispõe: "1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro".

IV.

Incidindo o penhor sobre certa coisa móvel não suscetível de hipoteca, vem o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro que regula o sistema de registo da propriedade automóvel referir no seu art.° 4° n.° 1 que “Os veículos automóveis podem constituir objeto de hipotecas legais, judiciais ou voluntárias”. A insusceptibilidade de penhor sobre esta categoria de bens móveis, vem ainda reforçada no corpo do art.° 8° deste mesmo diploma: “Os veículos automóveis não podem ser objecto de penhor”.

V.

Tal insusceptibilidade de penhor dos veículos automóveis, expressamente querida pelo legislador, não se afigura derrogável ainda que bens desta natureza estejam inseridos num acervo de bens que o contenham, pois que a lei não procede a esta distinção. Nesta senda, a analogia referida na sentença ora recorrida no sentido de equiparar o inventário de uma empresa ao estabelecimento comercial como forma de justificar a penhorabilidade daquele assenta em pressupostos erróneos.

VI.

Com efeito, cumpre atentar na distinção entre ambas as realidades. O estabelecimento comercial é um conceito jurídico, em certa medida estabilizado na doutrina/jurisprudência, sendo de atentar que o valor do mesmo é de complexa fixação por não corresponder a uma mera soma dos seus elementos, conforme se extrai do acórdão de 18/04/2002 do STJ (proc. n.° 02B538):” I - O estabelecimento comercial, envolve um conceito normativo, cuja identidade se revela através da funcionalidade económica e destino comercial, industrial ou agrícola, de prestação de serviço, ou outro fim empresarial lícito como objecto negocial de livre circulabilidade como individualidade de direito, e diferente da soma atomística das partes dos seus valores componentes. II - Não é essencial que a organização comercial esteja em movimento, essencial é que a estrutura organizativa esteja potencialmente apta ou vocacionada, à funcionalidade e ao destino”. Já no que respeita ao inventário de uma empresa, estamos em presença de um conceito contabilístico, que segundo a NCRF 18 (norma contabilística de relato financeiro) corresponde a ativos que estejam numa das seguintes condições:

  1. Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial; b) No processo de produção para tal venda; ou c) Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços (cfr. § 6 da referida norma contabilística). É de notar que a sua mensuração deve ser realizada através do seu custo ou do seu valor realizável líquido (cfr. § 9 da mesma NCRF).

VII.

A sentença recorrida pretende justificar a possibilidade de constituição de penhor sobre os bens móveis sujeito a registo (veículos automóveis) em causa pelo facto de os mesmos estarem inseridos no inventário da Reclamante, sendo esta a realidade que estaria subjacente à constituição de penhor, porquanto considera ser uma realidade patrimonial equivalente ou análoga ao estabelecimento comercial (este sim suscetível de penhor). Oblitera, porém, o Tribunal recorrido que a natureza de ambos os conceitos é distinta: uma de natureza eminentemente jurídico-normativa que justifica o seu tratamento como coisa passível de ser objeto de direitos (o estabelecimento comercial), a outra de natureza eminentemente contabilística, relevante para efeitos de relato financeiro o qual visa cumprir os objetivos informativos inerentes à contabilidade (o inventário).

VIII. O Órgão de Execução Fiscal, ao recusar a prestação de garantia através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante, teve presente a concreta garantia oferecida na medida em que notou que o valor patrimonial do inventário era maioritariamente composto por veículos automóveis, e uma vez que estava em causa bens móveis sujeitos a registo, o juízo de idoneidade a emitir passaria também pela legalidade da constituição da garantia segundo as normas supra referidas, designadamente o disposto no art.° 666°, n°1 do Código Civil e o disposto nos art.°s 4°/n.°1 e 8° do o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro, pelo que o despacho em causa respeitou o direito constituído e não violou o disposto nos artigos 52.° n.° 2 da LGT e 199.° n.° 2 do CPPT.

IX.

Portanto, mal esteve o Tribunal a quo ao entender que o despacho que indeferiu o pedido de aceitação de garantia violou o disposto nos artigos 52.° n.° 2 da LGT e 199.° n.° 2 do CPPT, concluindo pela sua anulação; ao manifestar tal entendimento, a sentença recorrida procedeu a uma errónea interpretação do disposto no art.° 666°, n°1 do Código Civil e ainda do disposto nos art.°s 4°/n.°1 e 8° do o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro, pelo que deve ser revogada e substituída por acórdão que reconheça a legalidade da decisão que recusou a prestação de garantia nos termos propostos pela Reclamante.

X.

Por outro lado, e na sequência do entendimento supra explanado acerca da legalidade da decisão atinente à recusa da garantia oferecida pela Reclamante, a Fazenda Pública entende não estarem reunidos os pressupostos para a dispensa parcial de prestação garantia relativamente ao restante da dívida exequenda que não venha a estar garantida através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante.

XI.

Decorre do ponto 12 do probatório que o OEF baseou o indeferimento no seguinte entendimento ínsito na informação que lhe foi prestada: “ Atento o exposto no ponto anterior, uma vez que, nesta fase, não dispomos de todos os elementos necessários à avaliação da (in)suficiência dos bens da Reclamante suscetíveis de constituir garantia, a eventual apreciação de isenção parcial de prestação de garantia só poderá ser aferida numa fase posterior, após constituição de nova garantia e subsequente avaliação ( sem olvidar que a requerente detém na sua disponibilidade bens que poderão constituir garantia da dívida aqui em apreço)’’.

XII.

Ora, claro está que o entendimento vertido na no trecho da informação supra transcrito remete para o que foi explanado acerca da recusa da garantia parcial da dívida exequenda através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante, pois a referência feita na aludida informação através da expressão “Atento o exposto no ponto anterior" está diretamente a fazer remissão para o ponto “E) Da análise da garantia prestada". E nesta medida, o OEF esclarece que sendo peticionado uma dispensa parcial da prestação de garantia, tal dispensa não poderá se alhear do montante que estará já garantido na execução fiscal.

XIII.

Assumindo o OEF que inexistia ainda, de forma efetiva, naquele momento, uma garantia parcial da dívida aceite nos autos executivos, não poderia concluir que os autos reúnem todos os elementos factuais pertinentes para apreciar esta parte da pretensão da Reclamante recorrida, sendo assim legal a conclusão alcançada pelo OEF no sentido de considerar que naquela fase não estaria preenchido o requisito de insuficiência (in casu parcial) de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, tal como previsto no art.° 52.°, n.° 4 da LGT.

XIV.

Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida fez uma incorreta apreciação da matéria factual explicitada no probatório (designadamente no seu ponto 12) à luz do direito aplicável, tendo assim violado o disposto nos n.°s 1, 2 e 4 do art.° 52° da LGT, e incorrendo em erro de julgamento, devendo também nesta parte ser revogada.  Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com exceção da parte que julga extinta parcialmente a Reclamação, por impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido e anulação de ato de penhora sobre saldo de conta bancária.

Assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA! TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO RELATIVAMENTE AOS ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL ACIMA IDENTIFICADOS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!» A Recorrida notificada do recurso interposto, apresentou as suas contra-alegações, concluindo, nos termos que se reproduzem: «

  1. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT