Acórdão nº 1331/09.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul S... Portugal, Lda, com os demais sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o acto tributário n.º 2008 85..., referente ao IRC do exercício de 2004, o qual resultou da desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por aplicação das regras respeitantes à subcapitalização, previstas, à data, no artigo 61º do CIRC, a qual foi julgada procedente, com a consequente anulação do acto contestado.

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional, o qual foi decidido pela ora Relatora.

Notificada da decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, nos termos da qual foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, em substituição, julgada procedente a impugnação judicial e anulado o acto tributário impugnado, a Fazenda Pública veio reclamar para a conferência de tal decisão, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3 do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaia um acórdão – “Termos pelos quais se requer que seja deferida a presente reclamação e, consequentemente, ser proferido acórdão que julgue o presente recurso”, lê-se na presente reclamação.

No entendimento da Fazenda Pública, ora Reclamante, não foi cumprida a formalidade prevista no artigo 665.º do CPC que manda ouvir as partes numa situação como a presente. Por outro lado, o artigo 656.º limita o âmbito das decisões sumárias para as questões mais simples, o que não se afigura o caso.

Por tudo isto, a Reclamante pede o “reexame da questão através de Acórdão…”.

* Notificada a parte contrária, a mesma nada disse.

* O Exmo.

Magistrado do Ministério Público foi notificado, pronunciando-se nos seguintes termos: “Porque requerido em tempo, nada tenho a opor a que os autos sejam levados à conferência”.

* Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

* O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artigo 652º, nº 3, do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.

Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.

Vejamos, então.

É o seguinte o teor da decisão sumária reclamada: “(…) I – RELATÓRIO S... Portugal, Lda, com os demais sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o acto tributário n.º 2008 85..., referente ao IRC do exercício de 2004, o qual resultou da desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por aplicação das regras respeitantes à subcapitalização, previstas, à data, no artigo 61º do CIRC.

Na sentença de fls. 603 a 638, julgou-se a impugnação judicial procedente e, consequentemente, foi anulado o acto contestado.

Inconformada, veio a Fazenda Pública recorrer para este TCA, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou contra a liquidação n° 2008 85..., referente ao exercício de 2004, a qual resultou na desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por excesso de endividamento, nos termos do disposto no n° 1 e 6 do art.61° do CIRC, por aplicação das regras de subcapitalização àquelas operações.

II. A douta sentença ora recorrida entendeu que: "A questão em análise prende-se com o enquadramento fiscal da subcapitalização das entidades sujeitas a IRC, da sua inserção nas normas sobre abuso de direito e respectivas cláusulas anti-abuso, especificamente criadas pelo legislador tributário e da obrigatoriedade de recurso ao procedimento especial para a sua aplicação vertido no CPPT e da sua compatibilidade com as convenções destinadas a eliminar a dupla tributação" III. Entendeu ainda a douta sentença que: "Assim sendo, torna-se óbvio que o regime de subcapitalização vertido no CIRC, se insere neste tipo de conceito de abuso de direito. Mas se assim é, também resulta claro que, não se tratando de uma, cláusula geral anti-abuso como se encontra desenhado no n° 2 do art.38° da LGT, ela reveste necessariamente a forma de uma clausula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC (cf. art. 58° e segs. do CIRC" IV. Tendo concluído que: "Face ao exposto e tendo em consideração os factos apurados, verifica-se que a AT não deu cumprimento ao disposto no procedimento próprio a que se refere o art. 63° do CPPT, face ao requerimento mencionado na alínea C), nomeadamente a autorização a que se refere o n° 7, pelo que se verifica uma preterição de formalidade essencial.

V. A fundamentação da AT da desconsideração da demonstração pretendida pela impugnante quanto à existência de idêntico nível de endividamento e em condições análogas, se recorresse a uma entidade independente, compreendendo elementos retirados da própria empresa e elementos externos, não é suficiente. Impunha-se à AT a obtenção e/ou a solicitação de outros elementos relevantes que permitissem aferir da sua conformidade com as condições de mercado, maxime os níveis de endividamento de empresas comparáveis no âmbito da sua actividade, outras declarações de entidades financeiras não necessariamente prévias ao recurso ao financiamento externo (para a demonstração de que o contribuinte poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas) de uma entidade independente." VI. E decidiu que: "A AT não aplicou o procedimento previsto no art.63° do CPPT. Na verdade, a AT não cumpriu com qualquer dos requisitos estabelecidos naquela norma quando aplicou o art.61° do Código do IRC e liquidou o respectivo imposto. Face ao exposto, o acto de liquidação impugnado deve ser anulado por preterição de formalidades essenciais, consubstanciadas na violação do procedimento previsto no art.63° do CPPT" VII. Com o devido respeito e salvo melhor opinião não concordamos com tal decisão, pelo que contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação: VIII. Encontra-se em apreciação nos autos a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 2004, a qual resultou de uma inspecção que a AT efectuou à Impugnante e que assenta em correcções relativas a excesso de endividamento e a percentagem de juros considerados como não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

IX. Importa, então delimitar, as questões relevantes e dadas como assentes na douta sentença recorrida: a) A impugnante constituiu-se como sociedade subsidiária de uma entidade não residente em território português, a M... Inc., sociedade com sede nos Estados Unidos que detém 99,998% do capital social da Impugnante, tendo obtido desta um financiamento para investimento na sua actividade comercial, do qual resultou um endividamento no valor global de € 74.000.000,00; b) O objecto social da Impugnante é "abertura, montagem, promoção, gestão, administração, compra, venda, arrendamento, aluguer e cessão de exploração, exploração e licenciamento de direitos de autor, marcas, patentes e segredos de industria e comércio e em geral, de quaisquer direitos de propriedade industrial" a que corresponde o CAE 55306 - restaurantes não especificados (restauração rápida -fast food); c) Tendo a impugnante, excedido o rácio de endividamento previsto nos n°1 e 3 do art.61° do CIRC, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto nos n°6 e 7 do referido artigo, um requerimento em 27-01-2005, onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R... Inc, entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogos aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente; d) A Impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização, concluída a 30-07-2008, que incidiu sobre o exercício de 2004, que aqui se dá como reproduzido, tendo a Inspecção Tributária considerado que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no n° 6 do art.61° do CIRC, pelo que se deveria aplicar o n° 1 do mesmo artigo, resultando correcções à matéria colectável quanto aos juros suportados em excesso; e) A Impugnante foi notificada pelo ofício n° 86816, de 11-11-2008 do Relatório da Inspecção Tributária, no qual se explicitam os fundamentos das "correcções meramente aritméticas" efectuadas ao exercício de 2004, no montante de € 2.614.595,56, conforme consta do relatório e da douta sentença e que aqui se dão por reproduzidos.

f) Na sequência da acção de fiscalização foi a Impugnante notificada da liquidação de IRC n° 2008 850..., recebida em 05-12-2008, referente ao exercício de 2004, e ainda da respectiva demonstração de compensação n° 2008 0000..., na qual foi apurado um saldo de imposto a pagar de 3.332.614,66 euros.

g) A Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida, a qual foi indeferida por despacho de 30-10-2009.

X. A Impugnante apresentou o pedido de excepção à regra de subcapitalização, pelo facto de ter excedido o coeficiente a que se refere o art.61°, n° 3 do CIRC.

XI. Os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que o montante de € 2.614.595,56 não podia ser aceite para efeitos de dedução à matéria colectável de IRC pelo facto de ser excessivo face às...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT