Acórdão nº 7603/20.5T8PRT-C.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPEDO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução04 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

O Ministério Púbico requereu a prolação de decisão sobre o pedido de regresso à Islândia das menores AA e BB ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980.

  1. Autuado os autos como Ação Tutelar Comum, procedeu-se à audição do progenitor e das menores.

  2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu, a 14 de dezembro de 2020, a seguinte decisão: “determinar o regresso das menores AA e BB à Islândia, a fim de serem entregues à progenitora”.

  3. Interposto recurso de apelação pelo progenitor, o Tribunal da Relação do ......

    proferiu, a 23 de fevereiro de 2021, Acórdão com a seguinte decisão: “julgar procedente a apelação e em consequência revogar a decisão recorrida não se ordenando o regresso das menores AA e BB à Islândia, permanecendo as mesmas em Portugal a residir com o progenitor.” 5.

    Inconformada com o decidido, a progenitora CC interpôs recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª O art.

    662° do CPC consagra que o Tribunal da Relação só pode alterar a decisão proferidasobreamatéria defacto seos factos tidos como assentes,aprovaproduzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não foi o caso. Era algo que lhe estava vedado por lei, constituindo assim uma nulidade, que expressamente se invoca, devendo, em consequência, o art.º. 18ºa ser eliminado.

  4. Mais. Se a decisão do juiz a quo, devidamente fundamentada (foi o caso) for uma das situações plausíveis, segundo as regras da experiência e pela prova produzida, ela será inalterável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador.

    1. Os princípios da imediação e da oralidade são extremamente importantes para uma justa e correta apreciação de mérito, princípios esses que não estiveram presentes, com o devido respeito, na elaboração do Acórdão da Relação. Apenas a 1ª instância ouviu e presenciou quer as menores, quer o progenitor. Só essa instância teve a perceção fidedigna da realidade que foi levada ao tribunal.

  5. Foi notório estar-se na presença de menores preocupadas em transmitir uma imagem positiva do pai, que sentem como a figura mais vulnerável (ponto 9 da matéria de facto dada como provada); que verbalizam não quererem regressar à Islândia por estarem magoadas com a mãe, sendo que tal mágoa é causada pela conduta do progenitor, que relata o relacionamento da mãe com um terceiro como uma “traição a si e às filhas” (pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada).

  6. Fruto dessa conduta do progenitor, as menores mostram-se incapazes de fazer a distinção entre conjugalidade e parentalidade (ponto 12) e não são encorajadas a falar com a mãe pelo telefone(ponto 13)e que após a separação dos progenitores, em abril de 2020, apenas estiveram pontualmente com a mãe, rejeitando o convívio pelos motivos apontados (ponto 19).

  7. Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados - Acórdão do STJ, datado de 14 de Janeiro de 2016, proferido no Âmbito do processo nº1391/13.9TTCBR.C1.S1, devidamente completado pelo Acórdão 487/14.4TTPRT.P1.S1, de 07 de Julho de 2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

    1. Este Supremo Tribunal não deve ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respetiva força probatória.

  8. Trata-se no fundo de verdadeiros erros de direito que, como tal, se integram também na esfera de competências do Supremo.

  9. Ao Supremo Tribunal de Justiça impõe-se a efetivação desse controlo, in concreto, no pleno uso dos seus poderes legais, que lhe permitem verificar se existiu, ou não, o erro e a ofensa de uma disposição expressa da lei, nos precisos termos estabelecidos pelo nº 3, do art. 674º, do CPC.

  10. Não poderá aditar-se um ponto que está em clara contradição como o que é demonstrado nos autos que é o que se retira da ata de audição de menores de fls 93 ss. Que quando relatam a separação, o seu discurso começa a revelar algumas incongruências, denotando influência de adulto; que a preocupação é transmitir uma imagem positiva do pai, figura sentida como mais vulnerável; que o seu discurso sugere que existe vontade de estarem com a mãe, mas encontram-se num conflito de lealdade, mostrando-se assim condicionadas.

  11. Mais – e isto foi concretamente dito por uma perita, a Srª Psicóloga nomeada pelo Tribunal, a sua maturidade é compatível com a sua idade, mas a pressão a que são sujeitas condiciona a apreciação que fazem dos eventos e, por consequência, aferições e conclusões da sua realidade.

  12. Ocorreu assim nulidade entre a eliminação do ponto 16 da matéria de facto dada como provada, o aditamento de um novo ponto e a prova nos autos, tornado essa decisão ininteligível. Ou seja, sendo claro para todos que as crianças são instrumentalizadas por adultos, que são objeto de manipulação nas palavras do Ministério Publico a fls 89, como poderá afirmar-se que se sentem integradas socialmente? Se o socialmente para todos em geral é neste momento questionável, para duas crianças que chegaram a este país em .. de Julho, após estarem ausente cinco anos, os últimos três na Islândia, é inaceitável, inverosímil, não aceitável segundo as regas de experiência comum.

    1. A solução preconizada pelo Acórdão recorrido vai no sentido de beneficiar o infrator, de atribuir um prémio a quem tem conduta que o Acórdão recorrido classifica de reprovável, o que é solução que a moral e a lei colocam em causa.

  13. E estamos, não esqueçamos, perante um pedido de retorno feito ao abrigo da Convenção Internacional de Haia.

  14. A Convenção de Haia relativa ao Rapto Internacional de Crianças tem como objetivo concreto, o restabelecimento, mais rápido possível, da situação anterior à subtração internacional da criança, mesmo que haja uma anterior decisão estrangeira de regulação das responsabilidades parentais e atribuição de eficácia a essa sentença pela autoridade judiciária do Estado para o qual a criança foi ilegitimamente transferida.

  15. Ora, um dos pressupostos para o acionamento da Convenção de Haia para obtenção do regresso da criança ao país de origem é antes de mais existir uma retenção ilícita, sendo que o artigo 3.º explícita quando a mesma é ilícita. E dúvidas não existem de que a retenção das menores em Portugal é ilícita.

  16. Por isso, e porque foi logo despoletado o processo expedito para pedir o regresso de uma criança, com fundamento em rapto, disciplinado na Convenção de Haia de 1980, a jurisprudência tem uniforme e repetidamente observado que se destina apenas a obter esse regresso, uma vez apurada a ilicitude da deslocação ou da retenção, e não a discutir o regime de exercício das responsabilidades parentais.

  17. Assim se decidiu, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2003 (www.dgsi.pt, proc.

    n.º 03B2507), frisando que a definição desse processamento simplificado e urgente era uma das vias encontradas para “contrariar o uso de meios de autotutela” (para resolver divergências relacionadas com aquele exercício).

    1. E nem sequer é questionável o conceito de residência habitual, já que os pais se separaram e deixaram de viver na mesma casa, já que, como salienta a Ilustre Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no seu artigo sobre Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças, na Revista Julgar nº 24, de 2014, publicado pela Coimbra Editora, (embora inserido no âmbito do Regulamento aplicável aos Estados Membros da União Europeia, o que não é o caso da Islândia) “…o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se no sentido de que “o conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento , deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar.

    Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente, a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado.

    Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto” 1. Ora, feitas as contas, estas crianças estivera, por decisão do seu progenitor, fora de Portugal durante cinco anos, três dos últimos na Islândia, onde, aí sim, estavam inseridas social e escolarmente, dominando a língua inglesa. Mas antes disso, já o pai se tinha ausentado para o estrangeiro, deixando cá a família, em busca de melhores condições de vida, passando as menores os primeiros anos de vida quase em exclusivo com a mãe.

  18. Este mesmo conceito de residência habitual tem vindo a ser aplicado entre nós — cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2009, proc. n.º 08B2777, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 1327/12.4TBCSC. L1-2, do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2013, www.dgsi.pt, proc. 1211/08.6TBAND-A.C1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. 1536/12.6T2AMD.L1-7, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 10 de Outubro de 2013 no mesmo processo, ou do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Maio de 2013, www.dgsi.pt, proc. n.º 257/10.9TBCBT-D.G1, dando relevo à “maior facilidade em reunir os elementos necessários à defesa dos interesses da criança”.

    1. A definição do processamento simplificado e urgente previsto na...

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