Acórdão nº 015/20.2BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A………………., LDA. - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 15 de outubro de 2020, que negou provimento ao recurso interposto da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, de 8 de junho de 2020, que julgou procedente a ação proposta contra si e a REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA por B…………… UNIPESSOAL, LDA, e anulou o despacho do Vice-Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, de 5 de dezembro de 2019, proferido no âmbito do concurso público para a “Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional”, de que foi adjudicatária.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: « 1 – Assume enorme relevância, jurídica e social, sobretudo nos dias que correm e mais ainda, nos que se avizinham, face à expectável e desejável iminente afluência de fundos para investimento e desenvolvimento da economia, com a concomitante celebração de contratos públicos, a definição, que resultará do acórdão a recair sobre o presente recurso, sobre se o n.º 4, do art. 57.º, do Código dos Contratos Públicos, impõe a total falta de senso comum, quiçá mesmo a acefalia como forma de interpretação e a redundância como forma de expressão escrita, frontalmente contra o que dispõe o n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil, ou se, ao invés, se exige apenas rigor, sim, mas dentro das regras da hermenêutica e das normas de bom senso, sobretudo quando, como é o caso, o resultado que a norma pretende evitar há muito se encontra esconjurado.

    1.1 – O acórdão recorrido fundou-se, expressamente, nas normas constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, por via das quais concluiu, “No caso em análise, foram expressamente concedidos a C……………… poderes para negociar propostas de contratos, para proceder ao seu envio e para outorgar os contratos referidos na indicada procuração. Conforme decorre do texto da procuração, não foram expressamente concedidos àquele representante poderes para proceder, em representação da A…………, à assinatura digital de propostas enviadas em sede de contratação pública, vinculando aquela empresa aos termos das propostas enviadas. Invoca o Recorrente que a procuração outorgada conferia tais poderes, ainda que não constem em termos expressos do seu texto, porque o referido instrumento deve ser lido em conjunto e como um todo coerente, como visando conferir poderes para todos os actos relativos ao procedimento em questão, as suas várias fases. Esta argumentação não colhe.”, enquanto o voto de vencido da mesma decisão com base exactamente nas mesmas normas da hermenêutica negocial, concluiu, integrando-as com os princípios “da i) proporcionalidade (…) ii) do favor do procedimento (…) e iii) da concorrência (…)” que tais normas e princípios “apontam para a necessidade de afastar uma solução de exclusão da proposta que, no caso em apreço, atentos os poderes conferidos pela procuração sub judice, à luz das normas de interpretação dos atos e negócios jurídicos, constantes dos art.s 236º e ss. do CC, se mostra, com o devido respeito pela posição que obteve vencimento, desadequada. Os mesmos princípios determinam que as regras do Código dos Contratos Públicos e da Lei n.º 96/2015, de 17.08 sejam interpretadas num sentido que permita evitar a exclusão de uma proposta cuja valia não vem questionada e a exclusão de um concorrente cuja vontade firme de contratar não é posta em causa, como consequência de uma irregularidade formal cuja existência, no caso em apreço, decorre apenas de uma das interpretações possíveis dos poderes conferidos pela procuração junta no procedimento. (…) considero que uma das interpretações possíveis do texto da procuração sub judice, à luz do citado art. 236.º do CC, conferindo “poderes bastantes para representar a sociedade mandante, nos seguintes actos e contratos: - na negociação e correspondente envio de propostas de contratos, bem como na outorga de contratos de prestação de serviços na área da informática jurídica – que é o caso -, ou da radiofusão de conteúdos do mesmo jaez, nomeadamente, no primeiro caso, no acesso às bases de dados, e, no segundo, a divulgação de informação jurídica, contratos estes que poderá outorgar, sejam a celebrar por instrumento público ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração; (...).”, inclui o poder para assinar as propostas, não devendo, pois, face a todo o exposto, ser excluída a proposta adjudicatária com esse fundamento, razão pela qual revogaria a decisão recorrida e manteria o ato impugnado.”. Afigura-se-nos imprescindível, para uma melhor aplicação do direito, dilucidar se o Código dos Contratos Públicos se integra numa ordem jurídica diversa, ou se, pelo contrário, as regras jurídicas e os princípios de direito que fundam e devem tutelar a confiança, quer dos diversos actores judiciários, quer de quem recorre aos tribunais e ao sistema em geral se mantêm, aplicando-se-lhe in totum, sem, naturalmente, perverter a respectiva ratio legis, dilucidação que só o acórdão aqui tirado poderá produzir.

    1.2 - A decisão recorrida opera, como procuramos demonstrar, uma inversão absolutamente artificial e mesmo...

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