Acórdão nº 00539/16.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução23 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO A., devidamente identificado nos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11.05.2018, e promanada no âmbito da Ação Administrativa por este intentada conjuntamente com J.

contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. Funda-se a sentença recorrida, para julgar improcedente a ação, em considerar não verificado o apontado vício da falta de fundamentação do acto impugnado, em considerar não verificado o apontado vício da ilegalidade do acto impugnado e em considerar não verificado o apontado vício de execução indevida.

  1. Funda-se o presente recurso na discordância da sentença quanto à questão da falta de fundamentação e quanto à questão da ilegalidade, diga-se, desde já, assim se circunscrevendo o seu âmbito.

  2. Porque se alegou na p. i., não foi impugnado na contestação e se confirma do p. a., como melhor se explicitou no texto, deve considerar-se provado, sob um n° 8- A a aditar ao elenco factual constante da decisão recorrida que o Recorrente não foi notificado pelo Recorrido do Relatório Final e nem da Informação n° I/02296.

  3. O que, em alteração da decisão da matéria de facto, pode fazer esse Venerando Tribunal, nos termos do art. 662°, n° 1, do CPC, aplicável por força do art. 1° do CPTA.

  4. Mesmo que se não altere a matéria de facto nos termos acima propugnados, sempre o facto de não ter o aqui Recorrente sido notificado pelo Recorrido do Relatório Final e nem da Informação n° I/02296, teria que ter sido considerado na sentença recorrida, nos termos do art. 607°, n° 4, do CPC, aplicável por força do art. 1° do CPTA.

  5. Nos termos do art. 35°, n° 1, do D.L. n° 137/2012, de 2 de julho: “A todo o momento, por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área da educação, na sequência de processo de avaliação externa ou de ação inspetiva que comprovem prejuízo manifesto para o serviço público ou manifesta degradação ou perturbação da gestão do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, podem ser dissolvidos os respetivos órgãos de direção, administração e gestão”.

  6. Quando a lei impõe que determinado acto seja praticado através de Despacho Fundamentado está a ser mais exigente do que para os atos administrativos em geral, sendo que tem que ser fundamentado o próprio Despacho, não valendo a fundamentação por remissão.

  7. Qualquer acto administrativo lesivo de direitos carece de ser fundamentado, nos termos do art. 152°, n° 1, al. a), do CPA, e essa fundamentação tem como requisitos mínimos os estabelecidos no art. 153°, n° 1, do CPA.

  8. Só releva a fundamentação contextual isto é, aquela que é levada ao conhecimento do destinatário em simultâneo com a notificação do acto a que respeite ou, no limite, a que seja feita por remissão para acto anterior, notificado ao destinatário e que se identifique com total precisão.

  9. O acto impugnado tem como fundamentação, como aí expressamente se escreve, a remissão para o Relatório Final elaborado no processo de inquérito e para a informação n° I/02296/SC15, de 23 de julho de 2015.

  10. No caso, como se disse na p. i., no momento da prática do acto impugnado, ainda não havia o aqui Recorrente sido notificado da acusação do processo disciplinar em que se converteu a ação inspetiva que se refere no acto impugnado.

  11. Logo, não conhecia então o aqui Recorrente qualquer acto integrante desse processo e, designadamente, nem o Relatório Final nem a Informação referidos no acto impugnado.

  12. Não podem, pois, esse Relatório Final e essa Informação servir de fundamentação ao acto impugnado.

  13. Como não podem servir de fundamentação do mesmo o auto de apreensão que se considerou provado no ponto 3 do elenco factual da sentença recorrida, e nem a notificação do Despacho de convolação do processo de inquérito em processo disciplinar que, igualmente, se considerou provada, agora no ponto 6. do elenco factual constante da sentença recorrida.

  14. Pela simples e decisiva razão de que não são mencionados no acto impugnado como para ele se remetendo.

  15. Pelo que nunca valeriam como fundamentação por remissão, nem sequer isso tendo querido o Recorrido, mesmo que este tipo de fundamentação fosse admitido no caso da exigência de Despacho fundamentado, e não é.

  16. De todo o modo, nesse Auto de Apreensão referem-se “situações passíveis de consubstanciar atividades ilícitas, através de eventuais desvios de dinheiro”, sem que se refira quem seria o “eventual” autor desses desvios, e o que sabemos agora, até através do Relatório Final do inquérito, é que nunca terá sido o aqui Recorrente, e na notificação do Despacho de convolação não se diz rigorosamente nada que permita compreender o acto impugnado.

  17. Logo, nunca poderia o conhecimento desse mero auto e dessa convolação permitir ao aqui Recorrente a compreensão do acto impugnado, pelo que esses nunca poderiam servir de fundamentação a este.

  18. É irrelevante a este respeito o facto sublinhado pelo Senhor Juiz a quo de nada ter dito o aqui Recorrente aquando da notificação da junção do p.a., porque nada tinha que dizer, pois a situação em nada se alterou.

  19. A faculdade atribuída aos destinatários dos atos administrativos pelo arts. 60° e 104° e ss. do CPTA é, exatamente, isso, uma faculdade, não um ónus.

  20. Pelo que da sua não utilização não podem retirar-se quaisquer consequências.

  21. Para além da remissão para o Relatório Final do Inquérito e para a Informação n° I/02296, o que se escreve no acto impugnado é completamente vago, em termos tais que se torna obscuro e insuficiente, gratuito e conclusivo.

  22. Não se pode perceber em que se traduz a degradação da gestão e administração nem qual é o prejuízo para o interesse público; não se pode perceber quais as competências de que se alheou o Conselho Diretivo, nem qual o prejuízo e interesses patrimoniais em causa; não se pode perceber qual a gravidade dos factos e nem quais estes sejam; não se pode perceber porque, a existirem essas situações, seria ilícita a sua verificação; e não se pode perceber porque, face a essas indeterminadas situações, se decidiu da maneira que se decidiu e não de qualquer outra.

  23. O que o mesmo é dizer que não vale como fundamentação a única utilizada sem ser por remissão.

  24. Até porque a fundamentação visa colocar o destinatário do acto em condições de perceber por que se praticou o mesmo, em condições de poder acompanhar o iter cognoscitivo do autor do acto.

  25. Nos termos do art. 153°, n° 2, do CPA, “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.

  26. As legais exigências de fundamentação, como a dos arts. 152° e 153° do CPA, como a mais exigente do art. 35° do D.L. n° 137/2012, de 2 de julho, são emanação do art. 268°, n° 3, 2a parte, da Constituição da República Portuguesa, como não deixa, aliás, de dizer o Senhor Juiz a quo.

  27. Pelo que a interpretação das mesmas no sentido de que seja possível uma fundamentação por remissão para informações não conhecidas do destinatário ou uma fundamentação absolutamente vaga, obscura, insuficiente, gratuita e conclusiva, é, naturalmente, inconstitucional.

  28. Pelo que, ao contrário do decidido, só por aqui, seria mister julgar a ação procedente e anular o acto impugnado, com todas as consequências legais.

  29. Não estando concluído o processo disciplinar que foi movido ao aqui Recorrente, não estando sequer ainda formulada acusação contra o mesmo, nunca estariam verificados os requisitos do art. 35° do DL n° 137/2012, de 2 de julho.

  30. Pois aí se exige que esteja comprovado em avaliação externa ou ação inspetiva o prejuízo manifesto para o serviço público ou a manifesta degradação ou perturbação da gestão.

  31. Um processo disciplinar no seu início não comprova rigorosamente nada.

  32. E, logo, não comprova qualquer prejuízo para o serviço público, muito menos manifesto, nem qualquer degradação ou perturbação da gestão, muito menos manifesta.

  33. Até por força da presunção de inocência que, entre nós, é garantia constitucional, cfr. art. 32°, n° 2, da CRP.

  34. E de que é decorrência direta o princípio do in dubio pro reo, em matéria de prova, que se referiu na p.i..

  35. Sendo que não sofre hoje dúvida que essa presunção de inocência expressamente estabelecida na CRP, vale para todo e qualquer processo disciplinar, e, designadamente, para o instaurado no âmbito e ao abrigo da LCTFP.

  36. Logo, a partir da existência de um processo disciplinar no seu início, ainda sem acusação e, muito menos, audição do arguido, não pode considerar-se contra ele o que quer que seja, e não pode, designadamente, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de se defender e produzir prova que infirme o constante da também ainda inexistente acusação ou confirme o constante da ainda não deduzida defesa, considerar-se contra ele provado - ou comprovado, o que é a mesma coisa - o que quer que seja.

  37. Violou, pois, com evidência, o acto impugnado o art. 35° do DL n° 137/2012, de 2 de julho.

  38. E, logo, é ilegal e inconstitucional - por violação do referido art. 32°, n° 2, da CRP - o acto administrativo impugnado, como a sentença recorrida que o sancionou, pois interpretou o art. 35° do DL n° 137/2012, de 2 de julho, no sentido de permitir considerar comprovados “factos” constantes de um processo disciplinar antes de o mesmo chegar ao seu fim e antes mesmo de o arguido ter tido sequer oportunidade de deles se defender e de produzir qualquer prova que fosse.

  39. Pelo que, ainda por aqui, ao contrário do decidido, sempre se imporia julgar procedente a ação e anular o acto recorrido.

  40. Violou a sentença recorrida o disposto nos arts. 32°, n° 2, e 268°, n° 3, 2a parte, da CRP, os arts. 152° e 153° do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT