Acórdão nº 0266/20.0BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a reclamação por ela deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão por que a da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1 indeferiu o pedido de redução de garantia efectuado no âmbito de três processos de execução fiscal.

    1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I- A questão da vinculação da AT-RAM à jurisdição do CAAD foi suscitada no processo arbitral pela AT, tendo o Tribunal Arbitral decidido no sentido da competência para apreciar o pedido arbitral e declarado improcedentes as alegadas excepções dilatórias de incompetência do tribunal arbitral e de ilegitimidade processual passiva, não tendo essa decisão sido objecto de recurso, pelo que transitou em julgado, formando caso julgado dentro e fora do processo.

    II- Inexiste fundamento para que se estejam a discutir, em sede de execução de sentença, nomeadamente, na sequência do pedido de redução de garantia dirigido ao Serviço de Finanças do Funchal - 1, questões de competência e de legitimidade passiva que já foram amplamente discutidas no âmbito do processo arbitral e aí decididas.

    III- A decisão de mérito goza de força de caso julgado, gozando de força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio.

    IV- O Tribunal «a quo», ao decidir nos termos em que decidiu, fez uma errada aplicação e interpretação do direito, designadamente do disposto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC.

    V- As decisões judiciais “são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades” e os tribunais arbitrais estão constitucionalmente previstos, pelo que a decisão judicial proferida no âmbito do processo n.º 65/2018-T é obrigatória para a Autoridade Tributária e, consequentemente, para o Serviço de Finanças do Funchal - 1 competente para a execução da mesma.

    VI- A AT encontra-se obrigada a dar cumprimento às decisões judiciais, em obediência ao disposto no artigo 205.º, n.º 2 e 266.º da CRP.

    VII- Tendo a pretensão da Recorrente sido julgada procedente pelo Tribunal Arbitral, caberia à AT a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivessem sido emitidas as liquidações ilegais, pelo que não o tendo feito, a AT incorreu na violação do artigo 100.º da LGT, 24.º do RJAT e 205.º, n.º 2 e 266.º da Constituição da República Portuguesa.

    VIII- Tendo sido notificada da decisão arbitral procedente à sua pretensão e, tendo esta transitado em julgado, a aqui Recorrente, de acordo com as regras jurídicas que regulam o ordenamento jurídico em que se insere, tem a legítima expectativa de que a Administração – no caso, a Autoridade Tributária – proceda à execução da mesma.

    IX- A sentença recorrida não fez uma correta aplicação do direito ao concluir pela legalidade do despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1 que indeferiu o pedido de redução de garantia no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 281020171114794, 2810201701114808 e 2810201701114816, designadamente, do disposto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC.

    X- A AT está vinculada ao princípio da legalidade, ínsito no artigo 266.º da CRP, de onde decorre que se deve abster de praticar actos ilegais. Com efeito, tendo as liquidações sido anuladas por serem consideradas ilegais, sempre deveria a AT obstar à execução de liquidações ilegais.

    XI- A interpretação do Tribunal «a quo» segundo a qual a decisão arbitral não tem força de caso julgado é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente de princípio da proibição da indefesa.

    XII- A decisão da AT de recusa do cumprimento da decisão arbitral é manifestamente inconstitucional, violadora dos princípios do Estado de Direito, na sua vertente de protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança (artigo 2.º da CRP).

    XIII- As liquidações impugnadas em sede de pedido arbitral pela aqui Recorrente, foram emitidas pelos Serviços Centrais do IRC e identificam a AT - Autoridade Tributária, Área do Imposto sobre o Rendimento, com sede em Lisboa e foram assinadas pela Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

    XIV- Estando a administração do IRC acometida à Autoridade Tributária e Aduaneira, entidade que se encontra vinculada ao CAAD, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 11-A/2011, de 22 de Março, sempre a decisão arbitral vinculará a entidade competente para a sua execução – Serviço de Finanças de Funchal - 1.

    XV- O entendimento de que a administração do IRC não está cometida à DRAF está em consonância com o artigo 15.º, n.º 1 da Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de Agosto), que refere que “[a]té que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.9 do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira”.

    XVI- Existem normativos legais que demonstram que a administração do IRC é da responsabilidade da AT, designadamente o artigo 109.º do CIRC refere que “Havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo efectuado o pagamento deste até ao termo do respectivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos previstos no artigo seguinte”, pelo que os actos produzidos apontam, efectivamente, para que a competência para liquidar (e administrar o imposto) pertencia à AT.

    XVII- Encontra-se suficientemente demonstrado que o Tribunal Arbitral que funciona no CAAD tinha competência para apreciar as liquidações de retenção na fonte em crise, pelo que, incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, a sentença recorrida ao decidir nos termos em que decidiu XVIII- Assim, a sentença padece de erro de julgamento em matéria de direito.

    Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita: JUSTIÇA!».

    1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e julgada procedente a reclamação, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão arbitral proferida no processo n.º 65/2018-T não tem força de caso julgado relativamente à AT-RAM a quem a lei incumbiu a administração do imposto em causa (ainda que com a colaboração da AT) por não se mostrar vinculativa para a mesma.

    Vejamos: O RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (“Lei de autorização legislativa do RJAT”), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP.

    De acordo com o n.º 1 do artigo 124.º da lei de autorização legislativa do RJAT, “Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”.

    Em consonância com o estipulado no artigo 165.º n.º 2, da CRP, a Lei de autorização legislativa do RJAT definiu o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.

    Ora, em momento algum a lei de autorização legislativa limitou territorialmente os efeitos do diploma a aprovar ao território continental ou outro.

    Nessa medida, em linha com aquela lei de autorização legislativa, foi aprovado o RJAT, vigorando o mesmo, na qualidade de decreto-lei emanado do Governo da República, em todo o território nacional, sem reservas ou especificidades relativas às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

    Não obstante, o facto de a DF-RAM não se encontrar vinculada à arbitragem tributária de modo algum permite extrair a conclusão de que os órgãos jurisdicionais sedeados no território da Região Autónoma da Madeira – incluindo o Tribunal a quo – estão desobrigados da aplicação da totalidade dos diplomas legais vigentes em Portugal, incluindo o RJAT.

    Posto de outro modo, a circunstância de o Governo Regional não ter convencionado a vinculação da DF-RAM à arbitragem tributária não dita que os órgãos jurisdicionais sedeados na Região Autónoma da Madeira não estejam obrigados ao cumprimento, apreciação e aplicação do RJAT, em tudo o que se revele útil aos respectivos processos judiciais.

    Isto porque, tal como referido supra, o RJAT foi aprovado por Decreto-Lei, ao abrigo de lei de autorização legislativa, não circunscrevendo territorialmente o seu campo de aplicação.

    Ora, não tendo o legislador nacional cerceado, em momento algum, o seu campo de aplicação, o Tribunal a quo encontra-se vinculado à sua apreciação conquanto se repute essencial ao respectivo processo.

    Nesta conformidade, a decisão arbitral proferida no processo 65/2018-T conheceu do mérito da causa e não foi objecto de recurso ou de impugnação, nos termos do artigo 25.º e 27.º do RJAT.

    Consequentemente...

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