Acórdão nº 036/16 de Tribunal dos Conflitos, 27 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução27 de Abril de 2021
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito n.º 36/16 * Acordam no Tribunal dos Conflitos: I. Relatório Caixa Geral de Depósitos, S.A.

, instaurou, em 12/1/2015, no Tribunal da Comarca de Lisboa – então Instância, agora Juízo, Central Cível de Lisboa - acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1.

A………., S.A.; 2.

CampoMayor XXI, Empresa Municipal; 3.

Município de Campo Maior; 4.

B………– , S.A.; 5.

C…………, S.A.; 6.

B'………. – , S.A.; 7.

D……….., S.A., todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 5.310.124,00 €, correspondente ao capital em dívida e juros, vencidos e vincendos, e demais encargos com fundamento nas responsabilidades que assim lhes imputa: a) À 1.ª ré, pelo incumprimento de contratos de mútuo celebrados com a autora; b) Aos 2.º e 3.º réus, pelo incumprimento das obrigações contratuais que directamente assumiram perante a autora e pela violação dos seus direitos de crédito; c) Aos 2.º a 7.º réus, pelas cartas-conforto por si subscritas; d) Aos 2.º e 3.º réus, subsidiariamente, para o caso de se considerar que não são responsáveis a outro título, por enriquecimento sem causa.

Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: Por escritura pública de 18/10/2007, a autora concedeu à 1.ª ré um financiamento, na modalidade de abertura de crédito, até ao montante de 4.250.000,00 €, destinado a financiar a aquisição do direito de superfície, bem como a construção do complexo de piscinas da ……… de Campo Maior.

Na mesma data, concedeu ainda à 1.ª ré um financiamento, na modalidade de abertura de crédito em conta-corrente, até ao montante de 250.000,00 €, destinado a suprir necessidades pontuais de tesouraria do projecto de concepção e construção do respectivo Complexo.

A 1.ª ré utilizou todo o capital, sendo o de 4.250.000,00 € até 26/12/2008 e o de 250.000,00 € em 5/1/2009.

Porém, não foram pagos, tendo entrado em incumprimento em 18/1/2010, ascendendo a dívida, em 13/1/2015, ao valor global de 5.310.124,00 €, nele incluindo o capital, juros remuneratórios, juros de mora vencidos, impostos e comissões que discrimina.

Assim, entende que os réus são responsáveis: A 1.ª ré, enquanto mutuária das quantias mutuadas.

A 2.ª ré, por ter assumido a obrigação de pagamento das quantias mutuadas nas aludidas escrituras em que também teve intervenção e onde assumiu o pagamento da dívida, nomeadamente mediante a consignação de receitas.

O 3.º réu, pelo incumprimento das obrigações que assumiu quanto à transferência de verbas para a 2.ª ré e desta para a autora e pela carta-conforto que emitiu.

As restantes rés, por incumprimento das cartas-conforto que também emitiram.

Ainda que se entenda que a 2.ª ré e o 3.º réu não são responsáveis naqueles termos, sempre responderão, segundo as regras do enriquecimento sem causa, por, uma vez extinto o direito de superfície, o imóvel construído integrar o seu património, o qual foi financiado pela autora, sem que lhe tenha sido pago.

Os réus contestaram, sendo que a 1.ª, a 2.ª e o 3.º invocaram, no que agora releva, a excepção dilatória da incompetência do Tribunal Cível de Lisboa, em razão da matéria, alegando que a competência deverá ser atribuída aos tribunais administrativos, por existirem, nas condições estabelecidas nos contratos de financiamento, aspectos substantivos regidos por normas de direito público, se discutirem questões relativas à validade de actos pré-contratuais sujeitos a tais normas e parte da responsabilidade daqueles dois últimos se fundar em responsabilidade civil extracontratual.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência da excepção deduzida.

Seguiu-se despacho saneador, no âmbito do qual a excepção de incompetência material foi julgada procedente, por se ter entendido que se tratava de matéria da competência dos tribunais da jurisdição administrativa, pelo que se absolveram todos os réus da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão a confirmar a decisão recorrida.

Ainda irresignada, a autora interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões (expurgadas das referências à revista excepcional e ao seu pressuposto da dupla conforme, por manifestamente irrelevantes (Não havendo lugar a este tipo de revista, sendo o adequado o recurso de revista normal, porquanto se trata de caso em que o recurso é sempre admissível, previsto no art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, por ter como fundamento a violação “das regras da competência em razão da matéria”, não sendo, por isso, aplicável o n.º 3 do art.º 671.º do mesmo Código, que ressalva aquele e outros casos em que “o recurso é sempre admissível”, e, por conseguinte, não havendo dupla conforme, nem, consequentemente, revista excepcional, a qual pressupõe a dupla conformidade.)): “… 5. O tribunal de 1ª instância declarou-se materialmente incompetente, por considerar que, ao abrigo do previsto em normas contidas nas alíneas e) e f) do art. 4.º do ETAF, o tribunal competente é o tribunal administrativo.

6. Após recurso, a Relação de Lisboa, por Acórdão de 3/3/2016, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida, “embora com fundamentação algo diversa”, afastando a aplicação da alínea e) do art. 4.º do ETAF, e aplicando norma da alínea f) diferente da que foi aplicada pela 1.ª instância.

… 20. Estando afastada a aplicação (d)a alínea e), pela decisão da Relação, apenas haverá que cuidar dos fundamentos invocados por ambas as instâncias para a aplicação da alínea f).

21. A norma em causa contém 3 normas diferentes, delimitando a competência dos tribunais administrativos atendendo a 3 critérios diferentes: 1.ª – questões relativas a interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo; 2.ª – contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de, 3.ª – contratos em que pelo menos uma das partes seja entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

22. A 1.ª instância apenas fez aplicar ao caso concreto a 2.ª norma; a Relação fez aplicar apenas a 1.ª, rejeitando a aplicação de qualquer outra.

23. O acórdão da Relação de Lisboa faz aplicação ao caso não das regras de direito público, mas de outra parte da alínea f) do art. 4.º, nunca antes invocado pela 1.ª instância: «contrato com “objecto possível de acto administrativo”, isto é, aqueles cujos efeitos poderiam também ser alcançados por acto administrativo».

24. Mas a decisão em recurso apresenta ainda outra grande diferença em relação ao antes decidido.

25. De facto, enquanto a anterior decisão convocava apenas a competência do TAF ou TAC para apreciação de todo o litígio, o acórdão recorrido vem convocar a questão da concorrência de competências, pois apenas considera competente o tribunal administrativo para apreciação de um dos pedidos em relação a um concreto Réu.

26. Resta, pois, a seguinte questão a decidir: ao desaforar os presentes autos, a Relação está a atribuir ao tribunal administrativo competência para apreciar pedidos em relação aos quais não se encontra qualquer previsão no art. 4.º do ETAF (ou em outra norma), o que, além de ilegal, é manifestamente inconstitucional.

27. Atente-se em que, das variadas causas de pedir e pedidos formulados pela A. o tribunal apenas considera ser da competência administrativa UM deles, em relação a UM só Réu, entre 7.

….

35. O tribunal a quo declarou-se materialmente incompetente, por considerar que, ao abrigo de norma contida na alínea f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, o tribunal competente é o tribunal administrativo.

35. Tal decisão encontra-se indevidamente suportada, por indevida compreensão da relação material controvertida, e é ilegal, por incorreta interpretação das normas aplicadas.

36. A decisão recorrida viola, assim, os arts. 211.º da Constituição da República Portuguesa, 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 64.º do Código de Processo Civil e art. 4.º n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

37. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de acordo com a relação material controvertida nos autos – em função do pedido e da causa de pedir -, tal como a mesma é configurada pela Autora, no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio.

38. A CGD peticiona a condenação solidária dos Réus sempre e só com base nas respetivas responsabilidades pelo incumprimento de contrato de mútuo e garantias dadas ao cumprimento do mesmo.

39. Por tanto, o objeto do litígio – responsabilidade das várias entidades pelo incumprimento do contrato de mútuo – não se enquadra em nenhuma das alíneas do art. 4.º, n.º 1 do ETAF, designadamente não respeitando a questões relativas à validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo.

40. A Recorrente aprovou à 1.ª Ré uma abertura de crédito até € 4.250.000,00 para financiamento da construção do complexo das piscinas cobertas de Campo Maior, e uma abertura de conta-corrente até € 250.000,00 para eventuais necessidades de tesouraria.

41. Tais financiamentos foram acompanhados das seguintes garantias e outras condições específicas: Hipoteca do terreno e benfeitorias necessárias; Consignação das receitas/rendas a receber da CampoMayor, E.M.; Cartas conforto do Município de Campo Maior, da CampoMayor, E.M. e da E..……, SA 42. Quanto aos títulos de responsabilidade dos RR, constantes dos arts. 53.º a 69.º da p.i., a 1.ª Ré é responsável pelo pagamento das quantias mutuadas ao abrigo do disposto no art. 798.º do CCivil. A responsabilidade dos 2.º a 7.ª Rés resulta da não verificação dos compromissos garantidos nas cartas-conforto por si subscritas, visto que a 1.ª Ré demonstrou não deter as condições financeiras para cumprir as obrigações assumidas perante a Autora, ao contrário do...

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