Acórdão nº 7/21.4YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 7/21.4YFLSB * ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Requerente: AA Requerido: Conselho Superior da Magistratura 1.

Por apenso ao processo que corre termos na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça sob o n.º 2/21.3YFLSB, veio o aí autor instaurar processo cautelar, requerendo duas providências cautelares (antecipatórias) para regulação provisória de situação, nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, al.

e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante designado CPTA) e associando à primeira delas um pedido de decretamento provisório, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do mesmo diploma.

  1. Cumprindo proferir despacho liminar, nos termos do artigo 116.º, n.º 1, do CPTA, aqui aplicável ex vi dos artigos 166.º, n.º 2, e 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante designado EMJ), foi a providência rejeitada, em 15.03.2021, por despacho proferido pela ora Relatora, no uso dos poderes referidos no artigo 27.º, n.º 2, al.

    f), do CPTA, por carência da característica da instrumentalidade que, nos termos do artigo 113.º do CPTA, informa a tutela cautelar, tornando a presente pretensão cautelar manifestamente ilegal, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, al.

    d), do CPTA.

  2. Inconformado com este despacho, veio o requerente AA reclamar para a conferência.

    Num esforço de síntese das alegações deduzidas na reclamação, é possível dizer que o requerente aponta ao despacho reclamado, essencialmente, os vícios seguintes: (1) nulidade por omissão de pronúncia nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al.

    d), e 613.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA, uma vez que, apesar de se o requerente ter aludido até a “outras providências (...) porventura consideradas mais adequadas para a salvaguarda dos interesses do Requerente que estão em risco”, nada foi dito ou decidido a este respeito (cfr., sobretudo, alegações 9 a 17 e 51); (2) desrespeito pelo disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 7.º, 7.º-A e 8.º do CPTA, que impõem ao Tribunal uma abordagem não formalista do processo administrativo e, consequentemente, o obrigam a uma apreciação do mérito dos pedidos formulados (cfr. sobretudo, alegações 41 a 48 e 51); e (3) uso de um fundamento de rejeição liminar que não integra qualquer dos fundamentos constantes do elenco taxativo do artigo 116.º do CPTA (cfr. sobretudo, alegação 51); 4.

    O recorrido Conselho Superior da Magistratura veio apresentar a sua resposta, pronunciando-se pela manifesta improcedência da pretensão do reclamante.

    A questão a decidir pelos Juízes nesta Secção de Contencioso é, em síntese, a de saber se o despacho de indeferimento liminar deve ser revogado, designadamente com algum / alguns dos fundamentos aduzidos pelo requerente.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.

    O DIREITO Desde logo, é oportuno conhecer, precisamente, o teor do despacho ora reclamado: “De harmonia com a disciplina jurídica dos artigos 112.º e s. do CPTA, podem ser requeridas providências de quaisquer tipos, desde que adequadas a assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no processo principal, do qual a providência depende. Esta ideia de utilidade, aliás, permite recortar o processo cautelar com reporte à ideia da finalidade clara que preside àquela figura: garantir que a decisão proferida num processo de cognição plena terá aptidão para, quando da respectiva prolação, produzir todos os efeitos para que tende.

    São, de forma consensual, dogmática e exegeticamente aceites como características típicas das providências cautelares a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade. Pela primeira das características aludidas pretende significar-se, em bom rigor, que a função e a estrutura da providência cautelar estão dependentes de uma acção principal, já intentada ou a intentar num certo prazo; pela segunda, por seu turno, que a tutela cautelar apenas alcança uma resolução não definitiva do litígio, ou, dito por outras palavras, que a regulação estabelecida pela providência se destina a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir nos autos principais venha definir a matéria controvertida; e pelo terceiro e último dos marcos característicos das providências cautelares, pressupõe-se uma cognição sumária da situação de facto e de direito. Esta sumariedade cognitiva, associada à urgência, manifesta-se, afinal, num juízo de probabilidade ou de verosimilhança relativamente à existência do direito que se pretende acautelar.

    Prosseguindo esta ideia, cumpre ainda reforçar que, atento o teor dos artigos 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, ambos do CPTA, “o principal traço característico da tutela cautelar é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos principais, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos. É o n.º 1 deste artigo 113.º que melhor espelha esta característica, ao assumir que 'o processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito', isto é, do processo, já intentado ou a intentar, no qual se discute a matéria controvertida. Por este motivo, o artigo 114.º, n.º 3, alínea e), exige que, no requerimento cautelar, seja indicada a ação de que depende ou irá depender o processo cautelar, havendo que concretizar o pedido que nela foi ou será formulado, pois só assim o tribunal poderá apreciar a verificação da caraterística da instrumentalidade e do requisito do 'fumus boni iuris' para negar ou conceder a providência requerida”[1].

    Dito isto, importa antes de mais cotejar o petitório do requerente formulado no requerimento inicial do presente processo cautelar com os pedidos formulados, a final, na petição inicial da acção declarativa principal de que dependem estes autos, para aquilatar, em bom rigor, onde se estriba a pretensão ora deduzida, com vista à caracterização da aludida instrumentalidade em causa nos presentes autos.

    Na acção administrativa n.º 2/21.3YFLSB, em que o ora requerente demanda o Conselho Superior da Magistratura (CSM), são formulados, a final, os seguintes pedidos: a) declarar extinto por caducidade ou, caso assim não se entenda, por prescrição o processo disciplinar n.º 155/2015-PD, instaurado pelo Réu contra o Autor, e declarar expressamente que este é magistrado judicial, com todas as devidas consequências legais; ou b) caso assim não se entenda, seja determinada a anulação da douta deliberação aprovada pelo Réu no dia 20 de outubro de 2020, com fundamento na violação dos diversos princípios, direitos e artigos (...) concretizados [na petição inicial], que aqui se dão por reproduzidos; e c) condenar o Réu a, no prazo máximo de 50 (cinquenta) dias após a anulação da respetiva deliberação, realizar as diligências que se mostrem pertinentes para a apreciação das pretensões do Autor, proceder à audiência prévia deste e, ainda, a tomar posição sobre a requerida reabilitação à luz dos factos apurados, designadamente sobre o comportamento do Autor.

    Por seu turno, nos presentes autos, em que é entidade requerida também o CSM, o requerente conclui formulando os seguintes pedidos: a) o reconhecimento provisório por esse Supremo Tribunal, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015; e b) a imposição ao Requerido do dever de, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, creditar mensalmente na conta bancária do ora Requerente (com o NIB que aquele já conhece, mas que aqui se consigna: ………..95) a importância de € 500,00 (quinhentos euros), por conta das quantias que previsivelmente terá de lhe pagar após aquela mesma decisão.

    Requer-se também muito respeitosamente que a providência indicada em a) seja decretada provisoriamente por V. Exa. ao abrigo do preceituado no artigo 131.º do CPTA e que tal douta decisão seja comunicada ao CEJ por meio expedito (cfr. os artigos 114.º, n.º 4, e 122.º, n.º 1, do CPTA).

    Cotejando os petitórios formulados, é possível desde já sustentar que inexiste a antedita relação de instrumentalidade entre os presentes autos cautelares e a acção declarativa principal de que estes dependem.

    Explique-se como se chegou a esta conclusão.

    * O primeiro pedido formulado nos presentes autos (“reconhecimento provisório de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015”) consubstancia pedido cautelar que, nos exactos termos em que vem formulado, tem de ter por referência, na instância declarativa principal a que se reporte, uma pretensão subsumível às als. g), c) ou h) do artigo 37.º do CPTA, ou seja, respectivamente, à hipótese de reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições, de condenação à não emissão de acto administrativo ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares.

    Ora, como é visível, nenhum dos pedidos formulados no Proc. 2/…. (acção principal) se reporta a qualquer das aludidas previsões: os dois primeiros pedidos daquele processo são pedidos anulatórios de um concreto acto administrativo da aqui entidade requerida e o terceiro pedido aí formulado combina uma pretensão de reconstituição da situação actual hipotética que existiria não fosse a prática do acto que se pretende ver...

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