Acórdão nº 303/18.8T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO T. J. e M. G. deduziram ação declarativa contra “X, Companhia de Seguros, SA” pedindo que a ré seja condenada a pagar ao autor T. J. uma indemnização global não inferior a € 22.943,00, sendo € 19.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 3.943,00 a título de danos patrimoniais e à autora M. G. uma indemnização global não inferior a € 5.969,00, tudo acrescido de juros, à taxa legal contados desde a data da citação da ré até efectivo e integral pagamento. Para o efeito alegaram que a viatura que o autor conduzia, propriedade da autora, sua avó, foi embatida por trás, por outra viatura, cujo proprietário havia transferido a responsabilidade civil para a ré, quando efectuava manobra de mudança de direção para a esquerda. Que o condutor do veículo segurado foi o exclusivo responsável pelo acidente e que, do mesmo, resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais que identifica.

A ré contestou, excecionando a prescrição do direito dos autores e impugnando, por desconhecimento, toda a matéria alegada.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência da exceção de prescrição, em virtude do prazo ser de cinco anos e considerando as suspensões e/ou interrupções que entretanto ocorreram em virtude do procedimento criminal e do facto de o autor ter prestado serviço militar no Exército Português, para além da ré ter reconhecido o direito dos autores.

Foi elaborado despacho saneador, definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando prescrito o direito indemnizatório dos autores, julgou improcedente a ação e absolveu a ré dos pedidos.

Os autores interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1:º - A discordância dos recorrentes incide, por um lado, sobre um determinado segmento da decisão da matéria de facto dada como não provada e sobre a decisão da matéria da prescrição. 2.º - Os recorrentes consideram inquestionável que estão demonstrados nos autos e devem manter-se todos os factos que foram dados como provados na sentença recorrida.

  1. - Pelas razões aduzidas acima no capítulo A – A DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, no seu n.º 2, alíneas a), b), c) e d), devem excluir-se do elenco dos factos não provados aqueles que constam das suas alíneas e), g), j) e p).

  2. - Pelas mesmas razões, ao contrário do decidido e em sua substituição, deverá ser dada como provada a seguinte matéria factual: a) Alínea e) dos factos não provados.

    Deverá antes ser dado como provado o seguinte facto: - À data do acidente o autor T. J. era um jovem saudável, sem qualquer defeito físico ou estético visível.

    1. Alínea g) – perda de salários dos factos não provados. Deverão ser dados como provados os seguintes factos: 1 - As lesões físicas sofridas pelo Autor, em consequência do acidente objecto dos autos determinaram-lhe: . o período de défice funcional temporário parcial em 133 dias - o período de repercussão temporária da actividade profissional total em 35 dias - o período de défice funcional temporário total em 5 dias 2 - Na sequência do sinistro, o Autor T. J. sofreu o prejuízo de 250,00 € de perda de salários.

    2. Alínea j) dos factos não provados.

      Deverá ser dado como provado o seguinte facto: - O valor comercial do veículo automóvel da Autora, sinistrado, na altura do acidente era de 1.956,00.

    3. Alínea p) dos factos não provados.

      Deverá ser dado como provado o seguinte facto: - A privação do veículo sinistrado acarretou à Autora um prejuízo de 2.500,00 € 5.º - Salvo o devido respeito e melhor opinião, afigura-se aos recorrentes que a M.ª Juíza faz uma interpretação e consequente aplicação demasiado restritiva da norma do artigo 319.º do Código Civil e ainda que não caracterizou nem qualificou devidamente a situação militar do autor T. J. e não determinou correctamente o seu enquadramento nessa norma.

  3. - O autor T. J. não invoca apenas a condição de militar, nem uma carreira comum, mas um período específico, temporário, limitado, de uma sua formação militar excepcional, que nem sequer teve sequência.

  4. - Um período em que esteve num serviço altamente selectivo, diferenciado e excepcional de treino de “Operações Especiais”, que é um corpo de tropas especiais e uma fase especial dessa mesma tropa, sujeito a um grau muito elevado de exigência, esforço, entrega, sacrifício, totalmente absorvente, competitivo e desgastante.

  5. - Esse serviço implicou ainda o afastamento e a permanência obrigatórios do autor T. J. deslocado do seu meio, da área da sua residência e de conforto.

  6. - Entende-se que a prerrogativa consagrada na disposição legal em questão deverá ser entendida como ditada pelas exigências de determinados regimes ou períodos do serviço militar, excepcionais, que são limitativos das actividades normais de um cidadão comum., como sucedeu manifestamente com o autor T. J..

  7. - Por isso, diferentemente da sentença recorrida, deverá decidir-se que o disposto no artigo 319.º do Código Civil é extensivo e aplicável às situações como a do Autor, em que prestou serviço militar excepcional, no Exército Português no período com a especialidade de “Operações Especiais” tendo sempre como Unidade de Colocação o Centro de Tropas de Operações Especiais, em Lamego.

  8. - Consequentemente, deve atender-se às datas e ao período de tempo em que o autor T. J. prestou esse serviço e, em função das mesmas, concluir-se que não ocorreu o termo do prazo de prescrição, uma vez que a presente acção foi interposta e a Ré citada ainda no seu decurso, precisamente nos termos em que os Autores peticionam.

  9. - Por conseguinte, deve ser revogada a sentença recorrida na medida em que, nesta matéria decidiu de forma diferente e julgou improcedente a presente acção com base na verificação da prescrição do exercício do direito dos Autores.

  10. - Os Autores não demoraram, não se atrasaram, não se desleixaram a reclamar o seu direito a ser indemnizados e nunca deixaram de o fazer até este momento, com insistência, por vários meios, nomeadamente através da interpelação directa da Ré, através da instauração de um processo crime, através de negociações com a Ré e só porque estas se goraram é que se viram obrigados a instaurar a presente acção.

  11. - Resulta inequívoca e sobejamente da matéria dada como provada que a ré X aceitou a culpa do seu segurado na ocorrência do acidente, reconheceu o direito dos Autores serem indemnizados, aceitou a sua responsabilidade em indemniza-los, ofereceu valores nesse sentido e pagou algumas despesas menores.

  12. - Essa sua posição foi, e é, geradora de confiança, segurança e de legitimas expectativas dos Autores, estando convencidos da seriedade dessa posição e compromisso, em termos definitivos e irrevogáveis, porque a Ré pautava a sua actuação por uma ética de responsabilidade e de X.

  13. - E também convencidos que o Tribunal iria decidir e teria de decidir exigindo a concretização dessa ética da Seguradora e a consequente salvaguardando das suas legítimas expectativas.

  14. Porém, a ré X, de forma oportunista e contraditória veio aos autos refugiar-se na invocação da prescrição do direito dos autores, para negar o pagamento, violar o seu compromisso e trair a confiança que gerou.

  15. - Essa actuação da Ré constitui um exercício desleal e intolerável do direito de invocar a prescrição que invocaram, de modo que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e os bons costumes, consubstanciando indubitavelmente um comportamento de venire contra factum proprium.

  16. - O que significa, em suma, que a ré actua com abuso de direito e o assentimento e consequência que a sentença recorrida confere a essa actuação constitui uma violação do disposto no artigo 334.º do Código Civil.

  17. - No caso de abuso do direito o titular deve ser tratado como se não tivesse tal direito. - V.p.f. Vaz Serra em Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade Civil), Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, pág. 253.

  18. - Consequentemente, não deve ser reconhecido e admitido à ré X a exercício do direito a essa invocação e, ao contrário do decidido julgar-se a acção procedente e provada.

  19. - Em consequência dessa procedência deverão ser fixados os valores indemnizatórios a pagar pela Ré, aos Autores, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos peticionados e tendo em consideração todos os factos dados como provados, quer aqueles que desse modo já estão qualificados na sentença recorrida, quer aqueles que os recorrentes reclamam ser também tidos como tais, nas presentes alegações e acima enunciados.

  20. - Salvo o devido respeito, a sentença recorrida, fez uma indevida apreciação da matéria de facto em relação aos factos acima descriminados e fez uma indevida interpretação e aplicação do disposto nos artigos 319.º e 334.º do Código Civil.

    Nestes termos e nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.ªs Ex-ªs. deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim: - revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por outra decisão que julgue a presente acção procedente por provada, com todas as legais consequências, designadamente: - a condenação da ré X a pagar aos Autores indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram, e peticionaram, tendo em consideração todos os factos dados como provados, quer aqueles que desse modo já estão qualificados na sentença recorrida, quer aqueles que os recorrentes reclamam dever ser também tidos como tais, nas presentes alegações, - a condenação da ré X no pagamento das custas e procuradoria dos autos. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência...

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