Acórdão nº 65/17.6PASTS.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n º65/17.6PASTS.P1-A. S1 Recurso Extraordinário Fixação de Jurisprudência Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. AA, vem apresentar recurso extraordinário, ao abrigo do artigo 437.º, do Código de Processo Penal (CPP), com vista à fixação de jurisprudência, porquanto considera que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação … (TR…), em 10.12.2019, no âmbito do Proc. nº 65/17…., na parte em que por insuficiência de indícios recolhidos no inquérito, como causa de inadmissibilidade legal da instrução, confirmou a decisão da 1ª Instância que rejeitou o requerimento da assistente para abertura da instrução– doravante, Acórdão Recorrido –, dizendo-o em oposição com o acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 11.09.2019, no Proc. nº 47/17.8YGLSB, sobre a mesma questão de direito, – doravante, Acórdão Fundamento.

    Em síntese, a recorrente alega que a questão de direito prende-se com os poderes do Juiz de Instrução, de poder ou não analisar a suficiência ou insuficiência das provas constantes do inquérito, de forma a decidir pela admissibilidade, ou pela rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, se concluir pela suficiência, ou pela insuficiência das provas produzidas naquela fase processual.

    A recorrente conclui que a jurisprudência a ser fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça deve ser de acordo com o decidido no Acórdão Fundamento, ou seja, que a inadmissibilidade legal da instrução, como causa de rejeição do requerimento de abertura da instrução, não inclui a insuficiência de indícios recolhidos no inquérito.

    Transcreve-se a sua motivação: (…) Na 1ª Instância foi rejeitado o requerimento de abertura da instrução por ter sido entendido não se achar descrito no requerimento de abertura da instrução da assistente os factos integradores do tipo objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 nº 1 al b), do CP.

    No douto acórdão recorrido foi entendido que o requerimento de abertura da instrução apresentado nos autos pela assistente continha os factos integradores do tipo objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º. 152 nº 1 al b), do CP que nele era imputado ao arguido, mas entendeu que a relação de namoro da assistente com o arguido descrita no requerimento de abertura da instrução não se encontrava suficientemente indiciada no inquérito.

    Consta do douto acórdão recorrido (pág. 25 na paginação aposta própria do douto acórdão recorrido): “(…) Volvendo ao caso sub judice, não foram produzidas quaisquer provas na fase do inquérito das quais resultem indícios suficientes que permitam concluir que entre arguido e ofendida existiu/existia uma relação de namoro com os contornos descritos nos pontos 1 e 2 do RAI. (…)”.

    Pelo que por fundamento diverso ao da 1ª Instância (de a relação de namoro da assistente com o arguido descrita no requerimento de abertura da instrução não se encontrar suficientemente indiciada no inquérito), confirmou a douta decisão da 1ª Instância de rejeição do requerimento da assistente de abertura da instrução por inadmissibilidade legal de instrução.

    Ora o douto acórdão recorrido assentou, relativamente à mesma questão de direito, da insuficiência dos indícios recolhidos no inquérito como motivo da inadmissibilidade legal da instrução, em solução oposta nomeadamente à do douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, publicado in www.dgsi.pt.

    Consta no item XII do sumário (douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça): “(…) XII. - Não se acolhe, assim, a tese subscrita e utilizada no despacho recorrido no sentido de o juiz de instrução poder analisar a suficiência das provas constantes do inquérito, e poder decidir pela rejeição liminar do requerimento, se concluir pela insuficiência. Esse entendimento redundaria, afinal, em privar o assistente da defesa da sua posição no debate instrutório, o ato nuclear da instrução, que se destina a habilitar o juiz de instrução, mediante o contraditório oral das partes, a decidir sobre a existência de “indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento” (art. 298.º do CPP). Sem esse debate contraditório perante o juiz, o assistente veria, afinal, desproporcionadamente reduzido o seu direito de acesso ao direito e à justiça. (…)”.

    E mais adiante: (…) II. O que se pede ao Juiz da Instrução, no decurso dessa fase processual, é que avalie a correção da análise de prova subjacente à acusação do Ministério Público. A sua opinião sobre tal matéria, emitida em momento anterior ao da decisão instrutória, não é apta a rejeitar a abertura dessa fase processual, por não ter sido essa a opção do legislador. (…)” O douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em que era objecto do recurso o douto despacho de indeferimento de requerimento de abertura de instrução da assistente, depois de definir o objecto do recurso do seguinte modo (cfr. pág. 55 da paginação do douto acórdão, no meio dessa página, em www.dgsi.pt): “(…) Em suma, a questão nuclear do recurso é esta: pode o juiz de instrução, quando se pronuncia sobre o requerimento para a abertura da instrução, analisar a suficiência dos indícios probatórios dos factos descritos no mesmo requerimento, podendo rejeitá‑lo caso os considere insuficientes? (…)” Considerou que (cf. pág. 56 da paginação do douto acórdão, no final dessa página, em www.dgsi.pt): (…)”. Nos termos do nº 3 do art. 287º do CPP, o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz, ou por inadmissibilidade legal da instrução.

    Se a extemporaneidade ou a incompetência do juiz não suscitam dúvidas de interpretação, já o conceito de “impossibilidade legal” comporta alguma indeterminação.

    É inquestionável que esse conceito abrange os casos em que a lei, expressa ou tacitamente, veda o recurso à instrução. Expressamente, a lei afasta a instrução nos processos especiais (nº 3 do art. 286º do CPP). Mas também se deve considerar “legalmente impossível” a instrução quando faltar legitimidade ao requerente, quando for requerida contra desconhecidos ou contra pessoa não investigada no inquérito, ou quando for requerida pelo assistente em crime particular.

    (…) ”Com efeito no despacho em análise no douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, partiu-se “(…) do pressuposto de que é lícito ao juiz de instrução, ao apreciar o requerimento para abertura da instrução, sindicar o fundamento probatório dos factos imputados ao denunciado, para se concluir que, no caso, não haveria indícios suficientes dos mesmo (…)“ (cfr. meio da pág. 58 da paginação do douto acórdão em www.dgsi.pt), concluindo-se pela revogação do douto despacho recorrido que não admitira o requerimento de abertura de instrução da assistente por insuficiência dos indícios do inquérito, determinando nessa parte respeitante ao recurso com tal objecto a substituição por outro que admita o requerimento para a abertura da instrução.

    Efectivamente o douto acórdão recorrido não põe em causa que o requerimento da assistente para abertura da instrução contém uma acusação pelo crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 nº 1 al. b), do C. P, que imputa ao arguido e pretende que por ele o arguido seja pronunciado.

    Porém decidiu que não há indícios do inquérito da relação de namoro entre assistente e arguido narrada no requerimento de abertura de instrução, pelo que com esse fundamento confirmou o douto despacho da 1ª Instância que decidira a rejeição do requerimento de abertura da instrução da assistente por inadmissibilidade legal da instrução.

    Ora a indiciação suficiente ou não, da relação de namoro entre assistente e arguido narrada no requerimento de abertura de instrução é assunto a ser apreciado no despacho de pronúncia ou não pronúncia e previamente a ser debatido no debate instrutório.

    E com contraditório.

    Assim assentaram em solução oposta na mesma questão de direito o douto acórdão recorrido e o douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto o douto acórdão recorrido decidiu que a insuficiência de indícios recolhidos no inquérito constitui causa de inadmissibilidade legal da instrução determinante de rejeição do requerimento de abertura da instrução e o douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça decidiu o oposto de o Juiz de instrução não poder decidir pela rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução por insuficiência de indícios recolhidos no inquérito.

    Efectivamente no douto acórdão recorrido e no douto acórdão fundamento de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a questão de direito da rejeição ou não rejeição, do RAI por insuficiência de indícios recolhidos no inquérito foi fundamental para o resultado quer do douto acórdão recorrido quer do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

    Assim, pois, há oposição consistente em o douto acórdão recorrido e o douto acórdão fundamento (douto acórdão de 11/09/2019 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça) assentarem em soluções opostas, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito. (…) 2.

    O recurso foi devidamente admitido e certificado.

  2. O Magistrado do Ministério Público, junto do TR…, respondeu ao presente recurso, alegando, em síntese, que os acórdãos invocados pela recorrente não se apresentam em oposição mas, decidindo diversamente em diferentes quadros fácticos, extraíram soluções de direito congruentes entre si, pelo que deverá, assim, ser rejeitado o recurso para fixação de jurisprudência, por se não verificarem os respectivos pressupostos.

  3. Os autos foram remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça.

  4. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 440.º, do CPP (sendo doravante deste Diploma as normas sem menção de origem), a Sra...

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