Acórdão nº 75/20.6JAFAR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 75/20.6JAFAR.S1 Recurso penal Arguido preso[1] Acordam, precedendo conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. No âmbito dos autos supra referenciados, do Juízo Central Cível e Criminal …. – J…., com a intervenção do tribunal colectivo, por acórdão de 27.11. 2020, foi decidido: A – Parte Penal: • Absolver o arguido AA da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido (p. e p.) pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, n. º1, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas h) e i) e artigos 22.º, 23.º do Código Penal (CP); • Condenar o arguido pela prática de um crime de crime de violência doméstica, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e de proibição de contacto com a assistente BB pelo período de 5 (cinco) anos; • Condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, nºs. 1 e 2, alíneas b) e i), 22.º e 23.º, do CP e 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 5/2006, de 24 de Fevereiro, (na pessoa de BB), na pena de 10 (dez) anos de prisão; • Condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio simples agravado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, n. º 1, 22.º, 23.º do CP e 86.º nºs. 3 e 4, da Lei 5/2006, de 24 de Fevereiro, (na pessoa de CC) na pena de 5 (cinco) anos de prisão; • Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, e nas penas acessórias de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e de proibição de contacto com a assistente BB pelo período de 5 (cinco) anos.

    B – Parte Civil: 1- Julgar parcialmente procedente o pedido deduzido pela assistente BB e, em consequência, • Condenar o arguido/demandado a pagar-lhe o que se vier a apurar em sede de liquidação quanto a danos patrimoniais emergentes relacionados com perdas remuneratórias e a danos patrimoniais futuros com despesas relativas a assistência médica e medicamentosa relacionada com as sequelas de que aquela ficou a padecer em consequência da sua actuação.

    • Condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de 50 000,00€ (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento; • Absolver o arguido/demandado do demais peticionado; 2- Julgar parcialmente procedente o pedido deduzido pela assistente CC e, em consequência, • Condenar o arguido/demandado a pagar-lhe o que se vier a apurar em sede de liquidação quanto a danos patrimoniais emergentes relacionados com perdas remuneratórias e a danos patrimoniais futuros com despesas relativas a assistência médica e medicamentosa relacionada com as sequelas de que aquela ficou a padecer em consequência da sua actuação.

    • Condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento; • Absolver o arguido/demandado do demais peticionado.

  2. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação ……, que apresentou as seguintes conclusões à sua motivação de recurso que aqui se transcrevem: (…)

    1. Quanto ao crime de Violência Doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

      1 - Conforme resulta do art. 152º do Código Penal, o crime de violência doméstica estabelece uma pena abstracta que deixa de ser aplicável se pena mais grave couber "por força de outra disposição legal".

      2 - Relativamente à assistente BB o arguido foi condenado por este crime e pelo crime de homicídio qualificado agravado na forma tentada em 2 anos e 10 anos respetivamente.

      3 - De onde resulta ser entendimento do tribunal a quo que estes crimes estão em concurso real.

      4 - Deste entendimento discorda o arguido, pois cremos tratar-se de um concurso aparente.

      5 - O citado art. 152º do Código Penal faz aplicação do denominado princípio da subsidiariedade, no âmbito do chamado concurso impróprio, aparente ou normativo.

      6 - Entendimento este que resulta do Acórdão de 4 Jun. 2013, Processo 237/12 Tribunal da Relação de Évora “CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SUBSIDIARIEDADE. A tentativa de homicídio pode constituir ato de materialização de violência doméstica, quer do ponto de vista objetivo, por constituir ato suscetível de afetar a saúde da vítima, quer subjetivo, na medida em que o dolo de homicídio pressupõe o dolo necessário ou eventual de lesão à saúde da vítima enquanto bem jurídico complexo tutelado pelo tipo legal de violência doméstica. Se os factos que integram o tipo legal de homicídio qualificado na forma tentada integram o conjunto de factos que materializam a violência doméstica, este crime será punido em concurso aparente, uma vez verificada a relação de subsidiariedade entre ambos os tipos legais, tal conduz à punição do arguido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, absolvendo-se o arguido do crime de violência doméstica.” 7 - Razões pelas quais deveria o arguido ter sido absolvido do crime de violência doméstica p.p. no art. 152º do Código Penal, tanto mais que os factos consubstanciadores deste crime imputados ao arguido ocorreram escassos dias antes da prática dos factos consubstanciadores do crime de homicídio na forma tentada.

      8 - Ao condenar o arguido o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do citado art. 152º do Código Penal, pois não levou em conta a sua aplicação subsidiária.

    2. Quanto aos crimes de homicídio na forma tentada praticados nas pessoas das assistentes BB e CC.

      9 - O Tribunal a quo considerou que ambos os crimes de homicídio tentado, o simples e o qualificado, deveriam ser agravados pelo uso da arma de fogo, por referência ao art. 86.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23/02, que dispõe que “as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.

      10 - Com o devido respeito, teremos de discordar da agravação quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada praticado na pessoa da assistente BB.

      11 - Há entendimentos jurisprudenciais, divergentes do adaptado pelo tribunal a quo, pois, consideram que tal agravação no caso do homicídio qualificado consiste numa dupla agravação em violação do princípio ne bis in idem.

      12 - Entendimento este que se defende e consequentemente, deverá ser revogado o acórdão também nesta parte, com os respetivos efeitos ao nível da pena, quanto ao homicídio qualificado na forma tentada, praticado na pessoa da assistente BB.

      Quanto à medida das penas 13 - Sem prejuízo do supra exposto, também o arguido não se conforma com as penas concretas aplicadas em ambos os crimes de homicídio na forma tentada, o qualificado e o simples, de 10 e 5 anos de prisão respectivamente.

      14 - Bem como não se conforma com a pena única de 14 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico.

      15- Isto porque o Tribunal a quo levou em conta circunstâncias agravantes e desconsiderou as que militam a favor do arguido e estão patentes no próprio relatório social.

      16 - Ao decidir desta forma o tribunal a quo violou as disposições dos artigos 40º, 71º, 77º e 78º todos do Código Penal.

      17 - É certo que o arguido no passado já foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, praticado na pessoa de uma outra companheira que teve e que tal condenação não poderia deixar de ser considerada em desfavor do arguido na determinação da medida concreta da pena no presente processo.

      18 - No entanto, e conforme resulta do relatório social é um individuo trabalhador, e dispõe de adequada integração sócio residencial, revelando-se um individuo respeitado na respetiva comunidade, pelo que tem boas expetativas de ressocialização, acrescentamos nós.

      19 - Conforme resulta também do relatório social é um individuo que tem algumas dificuldades em lidar com a frustração.

      20 - Estado de frustração em que se encontrava à data dos factos pois tinha regressado da …. para fazer vida com a assistente BB, deixando para trás um emprego que lhe que proporcionava uma boa qualidade de vida.

      21 - Expetativa de vida em comum que se frustrou.

      22 - Para lidar com esse estado o arguido procurou apoio medico e à data dos factos estava a ser medicado com ansiolíticos e antidepressivos, conforme informação constante dos autos prestada pelo centro de saúde.

      23 - Pelo exposto e considerando as molduras penais dos crimes em questão, entendemos como justas, adequadas e proporcionais as seguintes penas: a- Pela prática do crime de homicídio qualificado tentado praticado na pessoa da assistente BB - 8 anos de prisão.

      b – Pela prática do crime de homicídio simples agravado na forma tentada praticado na pessoa da assistente CC - 4 anos de prisão c – Em cúmulo jurídico, a pena única não superior a 10 anos de prisão, que entendemos ser justa, se considerarmos o efeito ressocializador que a pena deve ter e não apenas o efeito punitivo.

      Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente, e consequentemente:

    3. Absolver-se o arguido do crime de violência doméstica.

    4. Condenar-se o arguido pela prática do crime de homicídio qualificado tentado (não agravado), praticado na pessoa da assistente BB, na pena de 8 anos de prisão.

    5. Condenar-se o arguido pela prática do crime de homicídio simples agravado na forma tentada, praticado na pessoa da assistente CC, na pena de 4 anos de prisão D) Em cúmulo jurídico, condenar-se o arguido na pena única não superior a 10 anos de prisão.

    6. ...

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