Acórdão nº 2127/15.5T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | TOM |
Data da Resolução | 15 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.
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Nos presentes autos de reclamação de créditos que correm por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa, sendo exequente O…, SA, e executada I…, Lda.
, e na qual foi penhorado o prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º … da freguesia de São Lourenço, inscrito na matriz sob o artigo …, vieram reclamar créditos a Fazenda Nacional e o B…, SA, atual Ot…, SA, este reclamando um crédito garantido por hipoteca sobe esse imóvel.
A reclamante Ot…, SA, impugnou ainda o crédito exequendo, alegando, em suma, que a sentença que serve de título executivo não lhe é oponível e que o direito de retenção não poderá ser reconhecido, por nulidade do contrato-promessa (não foi feito o reconhecimento da assinatura do segundo contraente, nem é feita qualquer menção à existência da licença de utilização ou de construção) e não estar provada a tradição do imóvel (o exequente não provou que tenha agido como possuidor do imóvel em causa), impugnando, ainda, o valor do crédito, concluindo pedindo que se declare a inoponibilidade da sentença ao credor hipotecário, graduando-se o crédito reclamado em primeiro lugar, ou, assim não se entendendo, se declare a nulidade do contrato-promessa, a nulidade da cessão da posição contratual, a exclusão do direito de retenção por má-fé das despesas alegadas, o não preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito de retenção, a simulação do contrato-promessa de compra e venda e o não reconhecimento do crédito do exequente.
A exequente respondeu, pugnando pela improcedência da pretensão da reclamante Ot…, SA.
A executada apresentou articulado de impugnação do crédito da Ot…, SA, impugnação a que esta respondeu, pugnando pela sua improcedência.
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que reconheceu os créditos reclamados pelo MP e pela Ot…, SA, sem prejuízo da graduação a fazer a final, sendo que o crédito desta foi reconhecido por estar garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel penhorado na execução.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a competente sentença de verificação e graduação de créditos, graduando em primeiro lugar o crédito hipotecário reclamado pela Ot…, SA; em segundo lugar o crédito da Fazenda Nacional, e em terceiro lugar o crédito exequendo.
Inconformado com esta sentença, veio a exequente interpor o presente recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª.
O tribunal a quo entendeu, por um lado, que o direito de retenção reconhecido na sentença dada à execução não é oponível ao credor hipotecário e, por outro lado, que não estão verificados os pressupostos do direito de retenção.
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No entanto, resulta do Ponto 2 dos factos provados da sentença recorrida que a sentença proferida no processo ordinário com o n.º 3786/14.1TBSTB (transitada em julgado), no qual foi autora a ora exequente, e em que foi ré a ora executada, que reconhece-se a favor da A. a traditio do prédio prometido vender e em consequência reconhece-se o direito de retenção a favor da A. sobre aquele prédio.
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O efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado, o que ocorre quando a decisão nela contida se torna imodificável.
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Isso ocorre quando os tribunais já não a podem modificar, em virtude do seu trânsito em julgado dado que não ser passível de reclamação nem recurso ordinário.
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O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou qualquer outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada.
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Assim, estando reconhecido por sentença transitada em julgado o direito de retenção da Exequente, não poderia o tribunal a quo vir, na reclamação de créditos, considerar que, afinal, tal direito não é oponível ao credor hipotecário.
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A garantia do Credor hipotecário, enquanto terceiro, não vê a sua existência, validade e consistência jurídica afetada e colocada em causa e, por isso, este é um terceiro juridicamente indiferente, relativamente ao qual aquela sentença faz caso julgado, sendo-lhe oponível, pelo que mal andou o tribunal a quo.
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Nesse sentido, foi citada supra diversa jurisprudência da qual resulta que, apesar de vigorar, entre nós o princípio da eficácia relativa do caso julgado, a sentença que reconhece ao promitente-comprador um direito de crédito sobre o promitente-vendedor e consequente direito de retenção sobre um imóvel prometido pode ser invocada contra o credor hipotecário, sendo-lhe oponível.
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Tal essa sentença faz caso julgado quanto ao credor hipotecário não interveniente na ação respetiva, pois este é de qualificar como terceiro juridicamente indiferente e não como terceiro juridicamente interessado.
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Assim, entendemos que, em função daquele entendimento da jurisprudência, deve entender-se que aquela sentença faz caso julgado contra o credor hipotecário, sendo-lhe por isso oponível.
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Por outro lado, em virtude de ter entendido que a sentença em causa não é oponível ao credor reclamante, o tribunal a quo considerou que o credor hipotecário pode impugnar o crédito com base em quaisquer fundamentos e que era à exequente que competia fazer prova dos factos constitutivos do seu direito.
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E, nesse sentido, considerou não provados os factos que estavam provados documentalmente na sentença da ação declarativa, visto que foram impugnados pelo credor hipotecário e que dos autos constam apenas documentos particulares.
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O tribunal a quo entendeu que os documentos em causa não se revelam suficientes para que o Tribunal possa concluir pela demonstração da entrega e da posse do imóvel, nem tão-pouco dos diversos pagamentos acima referidos, o que não se aceita.
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Refere o tribunal a quo que uma simples declaração assinada pela executada e pelo promitente comprador, complementada por um contrato de cessão da posição contratual, não demonstram que tenha ocorrido a entrega do imóvel até porque existem vários documentos, com data posterior, que foram emitidos em nome da executada.
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Tal fundamentação carece de sentido visto que a entrega do imóvel nem tampouco carecia de ser acompanhada da elaboração e assinatura de um documento, mas foi atestada dessa forma, estando esse junto aos autos da ação declarativa e porque, não obstante os documentos serem emitidos em nome da Executada, foi a Exequente que os pagou, como resulta da documentação junta aos autos da ação declarativa suprarreferida.
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Refere ainda o tribunal a quo que os documentos de fls. 132 verso a 225, referentes a contratos de fornecimento de água e eletricidade, e a faturas relativas aos respetivos consumos, bem como aos consumos de serviços de telecomunicações, apesar de respeitantes à O…, referem-se a um período que teve início mais de um ano depois da alegada entrega, nada demonstrando sobre a entrega e utilização efetiva do imóvel por parte da exequente.
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Todavia, verifica-se que as faturas correspondentes aos fornecimentos efetuados antes da alteração da titularidade dos contratos de fornecimento foram pagas pela Exequente e aqueles documentos demonstram inclusivamente a utilização efetiva do imóvel pela exequente até à presente data.
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Mais, a traditio basta-se com a detenção material da coisa, não sendo necessária uma verdadeira posse, tal como resulta do art.º 754º do Código Civil pelo que bastaria a mera entrega das chaves e a autorização dada pelo promitente vendedor ao promitente comprador para habitar o imóvel antes da outorga da escritura de compra e venda para existir a tradição exigida para efeitos do direito de retenção previsto no artigo 755.º, n.º1, alínea f) do Código Civil.
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O tribunal a quo refere ainda que não foi demonstrado inequivocamente que os pagamentos foram efetuados nem os documentos em causa permitem também concluir, sem mais, que os pagamentos se destinavam a reforços de sinal ou à realização de despesas referentes ao imóvel, suportadas pela exequente.
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No entanto, o tribunal a quo parece esquecer novamente que as faturas emitidas em nome da Executada, foram pagas pela Exequente e que as entregas em numerário e de cheques e o facto de constituírem reforços de sinal, foram atestadas por declarações da Executada junto à PI, assinadas pelo seu legal representante.
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Aliás, a Executada emitiu uma declaração junta à PI, com reconhecimento da...
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