Acórdão nº 1554/20.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: “O............, LDA” RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MM.ª juiz do TT de Lisboa que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho de indeferimento de prestação de garantia de penhor mercantil de estabelecimento comercial bem como ilegalidade da penhora de inventários determinada em 22/9/2020, na medida em que nessa data a decisão que recaiu sobre a prestação de garantia ainda não se encontrava consolidada.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:

  1. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 18 de janeiro de 2021, que decidiu julgar improcedente a reclamação apresentada, pela RECORRENTE, ao abrigo do disposto no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), contra o despacho, de 21 de agosto de 2020, da Senhora CHEFE DE DIVISÃO DE GESTÃO DA DÍVIDA EXECUTIVA, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia prestada, sob a forma de penhor sobre estabelecimento comercial, no âmbito do processo de execução fiscal n.º……………. , instaurado para cobrança coerciva de dívida de IVA dos exercícios de 2013 a 2015.

  2. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu julgar a reclamação totalmente improcedente quanto ao pedido de anulação do despacho que indeferiu o pedido de aceitação da garantia apresentada e bem assim do ato de penhora sobre bens do inventário da RECORRENTE, com as demais consequências legais.

  3. Em suma, o Tribunal a quo concluiu que, uma vez que a sociedade K............, LDA. não é a proprietária dos bens do ativo fixo tangível que integram o estabelecimento, a mesma não tem capacidade para constituir penhor sobre o estabelecimento comercial.

  4. Sucede que, a RECORRENTE entende que o Tribunal a quo errou sobre os pressupostos de facto e de direito da situação em análise dos presentes Autos.

  5. O Tribunal a quo parece ter ignorado a caracterização da realidade jurídica que consubstancia o estabelecimento comercial, assim como, olvidou, igualmente, o método de avaliação do penhor de estabelecimento comercial previsto na lei tributária.

  6. Por último, o Tribunal a quo decidiu, também, julgar a reclamação judicial improcedente, quanto ao pedido de anulação do ato de penhora de inventário praticado pela Administração tributária no dia 2 de setembro de 2020.

  7. Acontece que, ao ter partido de um pressuposto jurídico errado, no que respeita à avaliação de estabelecimentos comerciais para efeitos de constituição de garantia, o Tribunal a quo acabou, igualmente, por ignorar determinadas circunstâncias de facto relacionadas com a K............, LDA e com o seu estabelecimento e que lhe teriam permitido concluir pela idoneidade da garantia oferecida para suspensão do processo de execução fiscal.

  8. Ora, a RECORRENTE informou o Serviço de Finanças de Lisboa-10 que pretendia prestar garantia sob a forma de penhor sobre um estabelecimento comercial explorado pela sociedade K............ , LDA.

  9. O penhor mercantil sobre estabelecimento comercial constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em sede de execução fiscal.

  10. De resto, o penhor encontra-se inclusivamente previsto no artigo 199.º n.º 2, do CPPT, enquanto garantia suscetível de ser considerada idónea.

  11. No que respeita à qualificação do penhor, o artigo 666.º n.º 1, do Código Civil, prevê que o penhor é uma das garantias especiais das obrigações, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

  12. Assim, constituindo o penhor mercantil uma garantia idónea para efeitos de suspensão da execução fiscal, não pode a Administração tributária recusá-la se a mesma se revelar apta a garantir, ainda que parcialmente, os créditos tributários.

  13. Relativamente à noção jurídica do estabelecimento, há que ter em conta que o estabelecimento comercial consubstancia uma universalidade ou um complexo de bens e direitos, que o comerciante afeta à exploração da sua empresa, e que apresenta uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o ordenamento jurídico trata de forma unitária.

  14. Trata-se, assim, de uma coisa complexa, constituída por bens de diferente natureza (corpórea e incorpórea) e por direitos, funcionalmente organizada e orientada para a atividade comercial, destacando-se a constante mutação dos elementos compreendidos no estabelecimento (nomeadamente mercadorias e matérias-primas).

  15. E o estabelecimento comercial é constituído, não só pelo imóvel no qual aquele funciona e pelos bens utilizados na prossecução da atividade, mas, também, pelo inventário ou stocks, pelos créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas, patentes, entre outros.

  16. Neste contexto, a RECORRENTE ofereceu como garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal acima identificado penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial de restauração denominado «K............», sito na Rua………, na freguesia de Santo António, concelho de Lisboa e explorado pela sociedade K............, LDA.

  17. Desta forma, o penhor constituído pela K............, LDA incidiu sobre o estabelecimento comercial e, em consequência, sobre a universalidade de bens e direitos que compõe esse estabelecimento.

  18. E essa titularidade do estabelecimento comercial não é afastada pelo facto de a K............, LDA ser arrendatária do imóvel onde funciona o restaurante e, bem assim, de ser cessionária da exploração de todos ou alguns dos equipamentos que são utilizados no restaurante.

  19. Note- se que, no artigo 782.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, onde se prevê a penhora do estabelecimento comercial, prevê-se expressamente que a penhora abrangerá, igualmente, o direito ao arrendamento.

  20. De onde resulta que, para que a K............, LDA. possa onerar o seu estabelecimento comercial, ela não carece de ser proprietária do imóvel onde o mesmo funciona nem mesmo dos bens utilizados no restaurante, bastando, por outro lado, que aquela seja titular de um direito à disposição e fruição desse imóvel e/ou desses bens.

  21. Por outro lado, o Tribunal a quo ignorou ainda que para se aferir da idoneidade de uma garantia, ela deve ser avaliada, pela Administração tributária, de acordo com os métodos previstos na lei.

  22. Assim, no que respeita à avaliação da garantia, o artigo 199.º-A do CPPT refere que «Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo».

  23. E, de acordo com o artigo 16.º do Código do Imposto do Selo, o valor do estabelecimento será determinado através da aplicação de um fator entre 5 a 10 à média dos rendimentos tributáveis dos últimos três anos já apurados. Por seu turno, o fator aplicável é indexado ao coeficiente que seja aplicável ao prédio onde se situa o estabelecimento nos termos do artigo 42.º do Código do IMI.

  24. De onde resulta que a lei prevê um critério objetivo de avaliação do estabelecimento comercial, que deverá ser utilizado pela Administração tributária na avaliação do penhor sobre estabelecimento comercial.

  25. A RECORRENTE apresentou à Administração tributária o balanço e demonstração de resultados da sociedade K............,LDA., referente ao ano de 2019, para efeitos de avaliação do estabelecimento comercial, nos termos previstos na lei.

  26. Assim, o Tribunal a quo deveria ter analisado os elementos contabilísticos da sociedade K............, LDA., apresentadas pela RECORRENTE e, em consequência, deveria ter dado como provado que, da demonstração de resultados referente ao exercício de 2019, resulta um produto das vendas e prestações de serviços realizadas pelo estabelecimento de € 835.241,91, e, bem assim, um resultado líquido da sociedade (referente a esse estabelecimento) de € 49.008,79 (cf. Doe. 6 do requerimento de prestação de garantia).

    A

  27. Por último, deveria ainda ter sido considerado que, atendendo ao coeficiente de localização do estabelecimento, deveria ter sido aplicado, para efeitos de avaliação da garantia, o coeficiente 10.

    BB) E caso a Administração tributária tivesse analisado as contas da sociedade K............, LDA., apresentadas pela RECORRENTE, teria chegado à conclusão de que o valor do estabelecimento comercial era suficiente para garantia o valor da dívida exequenda e acrescido.

    CC) Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida além de enfermar de erro sobre os pressupostos de direito, enferma também de erro sobre os pressupostos de facto, devendo a mesma ser revogada.

    DD) Não tendo sido assim decidido, mal andou o Tribunal a quo, pelo que se impõe a revogação da sentença por violação do disposto nos artigos 199.º e 199.º-A do CPPT, no artigo 16.º do Código do Imposto do Selo e no artigo 42.º do Código do IMI.

    EE) Acresce que, como a RECORRENTE indicou em sede de reclamação judicial, no dia em que aquela foi notificada da decisão de indeferimento da garantia anteriormente mencionada, a Direção de Finanças de Lisboa expediu também a notificação de penhora dos seus inventários, tomando como base o inventário comunicado pela mesma com referência a 31de dezembro de 2016.

    FF) Todavia, nessa data, a decisão que recaiu sobre a garantia apresentada ainda não se encontrava consolidada na ordem jurídica, posto que, como é sabido, as decisões proferidas em sede de execução fiscal são suscetíveis de reclamação judicial no prazo de 10 dias (cf. artigos 276.0 e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

    GG) Efetivamente, se o executado requerer a suspensão da...

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