Acórdão nº 1282/10.5BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO R..............., S.A., [doravante também designada Oponente ou Recorrente] recorre para este Tribunal Administrativo Central da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 22 de Março de 2017, que julgou improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal nº…………, que lhe foi instaurada para cobrança de dívida de IVA referente ao exercício de 2007 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €172.860,82.

A recorrente finaliza as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: « A questão decidenda na Oposição Judicial julgada improcedente pela Sentença a quo consistia em saber se o processo de execução fiscal n°………. deveria ser extinto nos termos do artigo 204°, n°1, alínea a) do CPPT (por ilegalidade abstracta da dívida exequenda aí discutida) ou do artigo 204°, n°1, alínea e) do CPPT (por falta da notificação da liquidação adicional de IVA no prazo de caducidade de 4 anos fixado no artigo 45°, n°1 da LGT).

  1. O Tribunal recorrido decidiu pela negativa, dando como factos provados os elencados nas alíneas A) a J) da Sentença.

  2. Não obstante, porque relevantes para a boa decisão da causa e porque baseados em prova documental constante dos autos que impõe decisão diversa da que foi tomada, cumpre aditar à matéria probatória (artigo 662°, n°1 do CPC, ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT) os factos elencados nos artigos 1° a 17° da Oposição Judicial.

  3. Assim, cumpre recordar que no âmbito da sua actividade comercial a Recorrente vende aos seus clientes bebidas acondicionadas em embalagens retornáveis ou reutilizáveis, denominadas "Vasilhame" (cf. 1° parágrafo da pág. 12 do Relatório a fls. 38 dos autos), as quais são expressamente excluídas da venda, ficando os clientes da Recorrente obrigados à sua devolução, conforme facturas emitidas (cf. Documento n°1 da Oposição Judicial a fls. 23 dos autos e 2° parágrafo da pág. 12 do Relatório a fls. 38 dos autos): "as taras relativas aos produtos facturados são propriedade da R............... e não foram transaccionadas, ficando expressamente acordada a sua devolução".

  4. Sendo a bebida vendida, mas não sendo as embalagens transaccionadas, contabilisticamente é executado o "caucionamento do vasilhame" (cf. 2° parágrafo da pág.12 do Relatório a fls. 38 dos autos), sendo feito o "descaucionamento" aquando da devolução desse Vasilhame (cf. 3° parágrafo da pág. 12 do Relatório a fls. 38 dos autos).

  5. O valor caucionado correspondente ao Vasilhame, identificado e autonomizado das bebidas nas facturas de venda, é assim excluído do valor tributável da operação para efeitos de IVA (cf. artigo 16°, n°6, alínea d) do Código do IVA e 2° parágrafo, in fine, da pág. 12 do Relatório a fls. 38 dos autos).

  6. Porém, na sequência de uma acção inspectiva ao exercício de 2007 da Recorrente, a Autoridade Tributária tributou em IVA o valor respeitante às cauções de Vasilhame não devolvidas pelos seus clientes, nos termos do Relatório de Inspecção (cf. Documento n° 2 da Oposição Judicial a fls. 25 e seguintes dos autos).

  7. Para o que aqui releva, será de notar que a Autoridade Tributária adoptou a metodologia de "[...] presumir a transmissão de vasilhame caucionado, motivada pela não devolução por parte dos clientes da R..............., após 3 anos da transacção dos produtos" (cf. Documento n°2, pág. 30, 5° parágrafo, realce nosso).

  8. Posteriormente, sufragou a Autoridade Tributária no Relatório Final que a presunção da transmissão do Vasilhame quanto aos saldos parados já não ocorrerá nos 3 anos, mas outrossim em 2 anos: "[...] no que diz respeito a saldos parados, foi indicado por lapso na fundamentação do projecto de relatório o período de 3 anos, quando na realidade queríamos dizer 2 anos que corresponde ao prazo que vai de 31 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2007." (cf. Documento n° 2, pág. 30, 4° parágrafo, realce nosso).

  9. Ou seja, "[...] adoptou-se a data limite de 31 de Dezembro de 2005, tendo como referência o ano de análise (2007), para se presumir a transmissão do vasilhame caucionado" (cf. Documento n° 2, pág. 31,2° parágrafo).

  10. No atinente à "caducidade do direito à liquidação de IVA, que incide sobre o valor tributável, respeitante ao valor considerado como proveito, por não ter sido devolvido o vasilhame anteriormente caucionado, considera a administração fiscal que o momento do nascimento da obrigação tributária ocorre quando se presume a sua transmissão, que neste caso aconteceu a 31 de Dezembro de 2007, por recurso a saldos parados de vasilhame no fim do exercício de 2005 e anteriores." (cf. Documento n° 2, pág. 31, 3° parágrafo, realce nosso), presumindo a sua transmissão "quando aquele vasilhame for considerado como não retornável, o que se considerou no exercício de 2007" (cf. Documento n° 2, pág. 31,6° parágrafo).

  11. Em concreto, naquele procedimento inspectivo a Autoridade Tributária apurou que €727.570,05 "consubstancia-se em clientes cujos saldos estão parados há mais de 3 anos, ou clientes cuja actividade se encontra cessada para efeitos de IVA ou ainda cujo saldo se encontra provisionado a 100%" (cf. Documento n°2, pág. 6, na leitura articulada dos 3°e 5° parágrafos), tudo com referência ao montante das cauções por cliente à data de 31.12.2005 (cf. Documento n° 2, pág. 6, 2° e 3° parágrafos e pág. 13, 4° parágrafo).

  12. A mencionada correcção tributária no valor de €730.540,25 (anteriormente à anulação parcial de €2.970,20 em sede de Audição Prévia, que reduziu aquele montante de €730.540,25 para €727.570,05 - cf. Documento n°2, último parágrafo da pág.6),decompõe-se por isso em 3 grupos: (i) cauções não devolvidas respeitantes ao Vasilhame transmitido a clientes com actividade à data de 31.12.2007 - no montante de €577.132,11 (valor remanescente que resulta da subtracção ao valor da correcção tributária proposta inicialmente pela Autoridade Tributária [no montante de €730.540,25] dos valores das cauções que integram os 2 grupos seguintes [que perfazem o montante de €153.408,14] -cf. Documento n° 2, último parágrafo da pág. 13, em articulação com o 1° parágrafo da pág. 14; (ii) cauções não devolvidas respeitantes a clientes sem actividade e clientes que cessaram a actividade para efeitos de IVA em 2007 e anos anteriores até 1986 - no montante de €13.399,04 e €139.449,19 respectivamente, totalizando €152.848,23 (cf. Documento n°2, último parágrafo da pág. 13 do Relatório e seu Anexo 2, fls. 4 a 67); e (iii) cauções não devolvidas respeitantes a clientes cujos saldos devedores foram provisionados a 100% à data de 31.12.2007 - no montante de €559,91 (cf. Documento n°2,último parágrafo da pág. 1 3 do Relatório e seu Anexo 2, fls. 3).

  13. A Autoridade Tributária não consegue definir o termo a quo do facto tributário - vide Documento n° 2, pág. 13, 1° parágrafo (realce nosso): "muitos destes saldos reportam-se pelo menos ao exercício de 2000".

  14. E, bem assim, o Documento n° 2, pág. 17, 3° parágrafo (realce nosso): "os caucionamentos foram efectuados em períodos tão distantes do período agora analisado 120071, que nos leva a concluir que a não devolução das embalagens por qualquer razão (desaparecimento, destruição, mau estado de conservação, etc) confere à R............... o direito à retenção do valor caucionado e consequentemente a sua tributação como proveito extraordinário".

  15. A Recorrente não pode conformar-se com a solução jurídica dada pela Sentença a quo prazo de caducidade), ao caso dos autos (que entendeu ter sido invocada pela Recorrente a ilegalidade concreta da liquidação de IVA e que a notificação dessa liquidação foi efectuada no prazo de caducidade), incorrendo assim em dois erros de julgamento.

  16. Por um lado, a Sentença enferma de erro de julgamento por violação do artigo 204°, n°1, alínea a) do CPPT, desde logo porque, contrariamente ao decidido pelo aresto a quo (cf. pág. 5, penúltimo parágrafo), a Recorrente não questiona a legalidade concreta da liquidação em cobrança coerciva nestes autos (estando outrossim essa ilegalidade concreta a ser apreciada em sede de Impugnação Judicial, pendente na 2° Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada sob o processo n° 973/10.5BEALM).

  17. É apenas a ilegalidade abstracta que a Recorrente invoca em Oposição Judicial, o que é fundamento enquadrável na alínea a) do n°1 do artigo 204° do CPPT, estando por isso a Recorrente em sintonia com a Sentença a quo quando, citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.02.2002 (processo nº01087/02) sufraga que “Não pode a oposição fundamentar-se na ilegalidade concreta da liquidação sempre que o ato tributário de liquidação possa ser contestado no processo de impugnação".

  18. In casu foi invocado como fundamento da Oposição Judicial a ilegalidade abstracta, alicerçando-se essa ilegalidade na não existência de normativo legal para a exigência do imposto e na não aplicação do artigo 7°, n°1, alínea a) do Código do IVA, por inconstitucionalidade do mesmo, quando interpretado no sentido de permitir a cobrança de IVA com base num facto tributário presumido/ficcionado pela Autoridade Tributária.

  19. De facto, em lado algum do Código do IVA há norma habilitante para que a Autoridade Tributária crie uma presunção de transmissão para efeitos de incidência de IVA, sendo certo que, quando o legislador quis tributar uma operação que juridicamente não constitui uma transmissão, fê-lo expressamente, como são disso exemplo os critérios referentes à verificação do facto gerador e da exigibilidade de imposto no caso de venda de bens à consignação e das prestações de serviços de carácter continuado: aí, nos termos do artigo 3°, n° 3, alínea d) e artigo 7°, n°s 3, 6 e 9, ambos do Código do IVA...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT