Acórdão nº 75/14.5TATMC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução12 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença de 30 de Março de 2 020, foi o arguido P. M. condenado, nos seguintes termos: - condenado como autor de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos arts.º 30º/2 e 375º/1 C.P., por referência ao art.º 386º/1, d), ns.º 2) e 4), C.P., por referência aos arts.º 20º/1 e 3º/1, i), L. n.º 34/87, 16/7, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de 6€ (seis euros); - a pena de prisão foi suspensa por igual período, com as seguintes injunções: - entregar 1 000€ (mil euros) à “Santa Casa da Misericórdia de …”, no prazo de 10 (dez) dias, como manifestação pública de arrependimento (dever - art.º 51º/1, c), C.P.); - publicar a suas expensas, no jornal mais lido na sua localidade, durante o prazo da suspensão, uma manifestação pública de arrependimento pelos erros cometidos durante o seu exercício de cargos autárquicos, que conduziram à sua condenação pelo crime de peculato (regra de conduta – art.º 52º/1, c), C.P.); - foi ainda condenado no pagamento da quantia de 9 424.80€ (nove mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos) à assistente, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos entre 20 de Julho de 2 012 e 25 de Janeiro de 2 016.

Discordando da decisão proferida na parte crime, da mesma recorreu o arguido apresentando no seu recurso, as seguintes conclusões: “1ª - O recorrente foi condenado em 1ª instância pela prática de um crime de peculato na forma continuada (..) aplicando-lhe uma pena de três anos e três meses de prisão e de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis), num total de €480,00 (quatrocentos e oitenta), suspensa na sua execução mediante a sujeição ao seguintes dever e regra de conduta: (...) entregar à Santa Casa da Misericórdia de ... a quantia de €1.000,00 (mil), como manifestação pública de arrependimento sincero pela sua conduta no prazo máximo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença – art. 51º, n.º 1, al.c) do Cód Penal. e (...) publicar, a suas expensas, no jornal mais lido da localidade, durante o prazo da suspensão, uma manifestação pública de arrependimento pelos erros cometidos durante o seu exercício de cargos autárquicos que conduziram à sua condenação pelo crime de peculato» Porém, 2ª O Tribunal a quo procede erradamente quanto à qualidade e título de intervenção do arguido, que não era realmente um ‘representante’ da entidade pública sócia da sociedade assistente, nem o fazia no exercício das suas funções; 3ª E igualmente quanto à natureza dos dinheiros envolvidos nas deslocações financeiras das operações bancárias referidas, porque têm por objecto o produto do aviamento de uma sociedade comercial e, em princípio, não podem ser objecto de peculato, mas de abuso de confiança; 4ª E que, a haver crime de peculato, sempre estaríamos perante um ‘peculato de uso’ por estar patente a inexistência de indícios de facto de que o arguido tenha «formado a resolução, que posteriormente renovou, de se apropriar, em proveito próprio e de terceiros das suas relações próprias...de parte das quantias», porque a intenção do arguido requerente nunca se colocou para além do uso do dinheiro! 5ª Ao ter julgado como o fez, não obstante a ponderação realizada, afasta-se do que seria uma análise rigorosa dos factos – incluindo os documentados, que deste modo desconsiderou; Sem prescindir: 6ª A pena aplicada mostra-se excessiva, uma vez que ultrapassa o grau de culpa, atenta a condições atenuantes do arguido, ou seja, i) a confissão da materialidade acompanhada da devolução, por DEPÓSITO NOS AUTOS, da quantia envolvida, e ii) arrependimento activo (medido, além das palavras, pela interrupção da actividade ilícita), e estar o arguido inserido pessoal e profissionalmente na sociedade, 7ª Ao determinar a concreta medida da pena, o tribunal a quo assentou na prevenção e repressão do crime, alheando-se, indevidamente, daquelas circunstâncias e da recuperação e ressocialização do arguido, não tomando em boa conta a sua personalidade e a sua conduta anterior e sobretudo a ACTIVA posterior ao facto; 8ª Não obstante considerar, na matéria de facto provada, várias circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuseram a favor do recorrente, o tribunal a quo na determinação da pena subvalorizou essas circunstâncias, entre as quais, repete-se as do abandono activo da continuação da actividade elícita; incluindo a interrupção da actividade de desvio de dinheiro da conta bancária da assistente; 9ª Esses aspectos deviam ter sido tidos em consideração para efeitos de determinação da medida da pena concretamente aplicada, pelo que, não o tendo sido, o Mº Juiz a quo violou o estatuído nos artigos 40º, nº 2 e 71º do Código Penal; 10ª Com efeito, as finalidades da punição realizam-se plenamente com a aplicação dessa medida punitiva; 11ª Esta pena de substituição não compromete minimamente em relação à comunidade a confiança e a reafirmação da validade da norma violada; 12ª Atentas as condições atenuantes de confissão e arrependimento, que o Tribunal a quo reconhece, deveria o arguido ter sido condenado em pena inferior, ainda em atenção à reposição do montante desviado pelo arguido; 13ª No que à pena de prisão diz respeito, a mesma foi determinada muito próximo do limite máximo, o que é totalmente desproporcional, atenta a conduta ao longo de uma vida, e aquelas atenuantes de confissão e arrependimento, 14ª Devia o tribunal ora recorrido ter atendido a possibilidade de reabilitação do arguido, e não fazendo violou as exigências preventivas e o dever de atenuação especial da pena previsto no art. 72º nº 2 c); d) CP; 15ª Ao decidir como fez o tribunal a quo interpretou de forma incorrecta o artigo e regime do 71º e ss do Código Penal.

16ª Finalmente, mostra-se inadequada a injunção relativa à publicação da declaração de manifestação pública de arrependimento, quando a mesma foi realizada em audiência pública e os factos objeto do processo foram amplamente noticiados na comunicação social, regional e nacional.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO REQUER A V.EXª. DIGNE: julgar a pena concretamente aplicada ao recorrente se afigura excessiva, sendo de revogar a Sentença de que se recorre, aplicando-se uma pena mais benévola ao recorrente, concluindo pelo provimento do presente recurso e, em consequência, pela revogação da sentença recorrida, com a redução da pena aplicada, bem como pela revogação da medida de injunção relativa à declaração pública a arrependimento.” Contra-alegou a assistente. No seu entender, o arguido está incluído no conceito de funcionário vertido no art.º 386º/1, d), ns.º 2) e 4), C.P. e não se pode falar do crime de peculato de uso, p. e p. no art.º 376º C.P., estando correta a qualificação da conduta do arguido no crime de peculato continuado por titular de cargo político, p. e p. pelos arts.º 30º/2 e 375º/1 C.P., por referência aos arts.º 20º/1 e 3º/1, i), L. n.º 34/87, 16/7. No seu entender, a medida da pena de prisão está corretamente fixada, tal como a regra de conduta que condiciona a suspensão da pena de prisão foi bem fixada. Considera pois e afinal, que o recurso deve improceder, na íntegra.

O M.P. não contra-alegou, em 1ª instância.

Já neste Tribunal, teve vista neste Proc.º a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta. Deu por reproduzidas as suas alegações anteriores, quando da primeira subida deste processo ao Tribunal da Relação – que declarou a nulidade da anterior sentença. Aí, sustentara que o arguido se incluía na noção de funcionário constante do art.º 386º/1, d), ns.º 2) e 4), C.P., mas também que a regra de conduta que condiciona a suspensão – publicação de anúncio em que expresse o seu arrependimento, no jornal mais lido na localidade – não é adequada, em face das necessidades de prevenção especial positiva do arguido. Termina pois, pedindo a parcial procedência do recurso, cingida à referida regra de conduta.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

, o arguido não respondeu.

Respondeu a assistente, ora recorrida, que defendeu que a citada regra de conduta não põe em causa as necessidades de prevenção especial, positiva ou negativa e que tomar-se a prevenção especial como fim exclusivo das penas é inaceitável e que, em tal caso, as penas aplicadas podiam ser associadas a uma sensação geral de impunidade. Continua pois a entender, que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

Os autos vão ser julgados em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Dos Fundamentos Para uma melhor apreensão das questões suscitadas, transcrever-se-á de seguida a decisão recorrida: “Questão preliminar – sobre a ausência de leitura pública Por Douta Decisão Sumária proferida nos presentes autos pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, a sentença que foi anteriormente proferida foi declarada nula, tendo-se determinado a sua substituição por outra, a realizar pelo mesmo Juiz que presidiu ao julgamento, a fim de decidir-se fundamentadamente desde quando são devidos juros de mora pelo demandado e qual a implicação nestes, do depósito/pagamento a efetuar nos autos e que defina o prazo de cumprimento da condição de pagamento estabelecida.

Sendo certo que o art 373º do Cód de Proc Penal impõe como formalidade do julgamento a leitura pública da sentença, importa realizar aqui algumas considerações iniciais a respeito da omissão desta formalidade.

Em primeiro lugar, trata-se simplesmente de uma rectificação da sentença, por ausência de fundamentação que tornou a decisão imperceptível ou omissa, tendo as partes já tido a oportunidade de cumprir o contraditório nos articulados de recurso, não se pode dizer que exista aqui qualquer »decisão surpresa«.

Em segundo lugar, tendo o Ilustre Mandatário do arguido sido contactado pelo Sr Oficial de Justiça C. N., a meu pedido, foi-me comunicado que o mesmo não se opunha à ausência de leitura pública que a sentença fosse somente depositada nos autos.

Em terceiro...

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