Acórdão nº 38/18.1EACBR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução13 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora* 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, realizado o julgamento e por via da procedência parcial da acusação do Ministério Público, a arguida (…) foi condenada pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na pena de 60 (sessenta) dias de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, substituindo-se a pena de prisão por 60 dias de pena de multa nos termos do disposto nos arts. 45.º e 47.º do Código Penal, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia total de € 660,00.

Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso, formulando as conclusões: A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina que o Tribunal “a quo” apoda como do “tipo roleta” (única pela qual “vem” condenada), entende-se modestamente que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

B. Desde logo porque, uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, verificando-se, a título de exemplo, em jogos sociais do Estado, nos quais nem sequer existe a “garantia” de que todos os prémios se encontrem em jogo, a cada momento do mesmo.

C. A acrescer, o facto de a máquina em causa não pagar directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolver um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que apenas o seu modo de funcionamento eléctrico a “distingue” da máquina objecto de fixação de Jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, sendo que também aí os prémios poderão ser convertidos em dinheiro.

D. É de aplicar uma tal jurisprudência, fixada pelo STJ, na medida em que, o que interessa é o espírito e pensamento por trás daquela, bem como da própria lei, sendo certo que não seria a máquina dos autos em que “pensava” o legislador quando decidiu restringir a prática/exploração às zonas de jogo.

E. Até porque, reportando-se a norma proibitiva e punitiva da conduta imputada ao Recorrente ao ano de 1989, e atendendo ao preâmbulo do diploma em causa (D.L. n.º 422/89, de 02/12), o qual é o “espelho” do pensamento e vontade do legislador, sempre teremos que concluir que o “tipo e o modo de jogo” desenvolvido pela máquina dos autos se encontra fora do âmbito de aplicabilidade daquele aludido art. 108º.

F. Sem descurar que, toda e qualquer norma penal, jamais, e em momento algum, poderá ser alvo de qualquer interpretação extensiva relativamente aos elementos do tipo e às concretas situações de facto a que se reporta, o que deverá ser relevado com o facto de à data da publicação do diploma legal em causa ser totalmente imprevisível ao legislador a existência de máquinas como a ora em causa nos autos, não se subsumindo o seu funcionamento, por isso, a uma tal previsão legal e consequente punibilidade penal.

G. Não se afigura possível uma qualquer viciação num jogo tão rudimentar, sem toda a envolvência dos denominados jogos de casino, sendo que os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio, além do que, não se trata de um qualquer tema próprio pois que não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas.

H. A possibilidade de uso de uns quaisquer pontos ganhos, a que se alude na factualidade provada, sempre estaria limitada à utilização de 1 (um) ponto de cada vez, sendo por isso impossível de gastar todos os pontos de uma vez, do “tudo ganhar” ou “tudo perder”, sendo certo que o valor pago não mais é do que o “preço” da jogada e não uma aposta.

I.

O valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas o “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e prédeterminado (Cfr. neste sentido, Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

J.

Tendo por base o supra referido Acórdão do STJ questiona-se de quais as diferenças existentes entre o jogo dos autos e aquele outro para além do já referido funcionamento eléctrico, tanto que, fundando-se também em tal douto Aresto, tem sido diversa a Jurisprudência que vem entendendo máquinas como a dos autos como não consubstanciando um jogo de fortuna ou azar, K. Designadamente, os, doutos, Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, Acórdãos desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015.

L.

Ademais, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”, M.

Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, concluindo-se que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros.

N.

A máquina dos autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, encontrando-se, por isso, afastada a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, sendo que a possibilidade de conversão dos pontos em numerário também não é “suficiente” para se concluir pela integração num tipo de jogo, na medida em que, nas próprias modalidades afins tal conversão se apresenta como possível, “apresentando-se” ela própria como uma contra-ordenação.

O. Porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina com funcionamento/jogo similar à dos presentes autos, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, será de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt), P.

No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).» Q. Por fim, e porque igualmente no sentido da aplicabilidade da Jurisprudência fixada pelo STJ ao caso presente, de referir o recente douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1 da Secção Criminal – ao que se sabe, não “publicado”), R.

No qual se conclui que «não merece a qualificação de crime a exploração de jogos como os desenvolvidos pelas máquinas em apreço nestes autos, ainda que as mesmas atribuam prémios em dinheiro e ainda que as mesmas desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar.», pois que, «o entendimento que está (quanto a nós) subjacente ao Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010 deve também ser aplicado às máquinas em discussão nos presentes autos».

U.

Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, cujos “prémios” a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos tendo por base um “plano de prémios” existente na própria máquina, e cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar, T.

Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa.

U.

A douta Sentença sob recurso violou os arts. 1º, 3º, 4º e 108º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º e 29º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que absolva a Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenada, com o que modestamente se entende, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. A recorrente recorre apenas de Direito, na medida em que entende que os factos dados como provados, que nem coloca em crise, não...

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