Acórdão nº 1173/18.1T9STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | MARTINHO CARDOSO |
Data da Resolução | 13 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que (...) se constituiu assistente e deduziu pedido cível contra o arguido (...), foi a fls. 91 e ss. deduzida acusação pelo M.º P.º contra este, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º. n.º 1 al.ª a), 2 e 4, do Código Penal, no fim da qual o M.º P.º lavrou ainda o seguinte: Para a eventualidade de, em julgamento, apenas ser produzida prova de factos que integrem a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181° do CP, o qual reveste natureza particular, importa desde já garantir o preenchimento dos requisitos de procedibilidade por tal crime.
Assim, notifique a ofendida para, querendo, requerer a sua constituição como assistente e deduzir acusação particular.
Em consequência, a ofendida constituiu-se assistente, aderiu à acusação pública produzida pelo M.º P.º e deduziu acusação particular contra o arguido por crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do Código Penal.
A fls. 140 e com data de 5-2-2020 proferiu então o Senhor Juiz "a quo" o seguinte despacho: Regista-se que o Ministério Público deduziu acusação pela prática de um crime de violência doméstica ainda que tenha considerado, na parte final do despacho acusatório, a eventualidade de os factos integrarem a prática de um crime de injúria, pelo que determinou a notificação da ofendida para se constituir assistente e deduzir acusação particular.
A ofendida, nessa sequência, requereu a sua constituição como assistente, a qual foi admitida, aderiu à acusação pública, e, bem assim, deduziu acusação particular pela prática de um crime de injúrias.
O Ministério Público acompanhou a particular deduzida pela assistente.
A questão que aqui se suscita, é se é possível, no processo penal, a dedução de acusações subsidiárias ou em relação de subsidiariedade entre si, para se atender à segunda na improcedência da primeira.
A possibilidade de deduzir um pedido ou pretensão subsidiária é permitida no processo civil (artigo 554.º do Código de Processo Civil), mas não nos parece que essa regra seja extensível à acusação deduzida no processo penal, considerando as exigências decorrentes do princípio do acusatório.
A acusação é deduzida pelo crime que o acusador, em concreto, entende-se verificar-se; dito ainda de outra forma, na multiplicidade de incriminações legais que, em abstrato, se podem considerar atingidas pela conduta, traduz uma opção, não sob condição ou eventualidade, mas concreta e definida; é fundamentalmente isto que demandada o princípio do acusatório.
Não pode suceder, com efeito, esta dedução de acusações subsidiárias, que a lei processual penal não prevê, e, consequentemente, se pode afirmar a ocorrência de uma nulidade suis generis no quadro do processo penal, socorrendo-nos do conceito geral de nulidade dos atos proveniente do artigo 195.°, n.° 1, do Código de Processo Civil.
A invalidade ocorre nas acusações deduzidas em segundo lugar ou subsidiárias, neste caso, na acusação particular e na acusação do Ministério Público que adere à acusação particular; pois quer o Ministério Público quer a assistente optaram peio crime de violência doméstica (na acusação pública e na acusação pelo assistente).
Termos que declaro nulas e de nenhum efeito: - a acusação particular (fls.111-ss do processo físico); - a acusação do Ministério Público que acompanha a acusação particular (fls. 122-ss).
(…)#Inconformado com o assim decidido, o M.º P.º interpôs recurso (doravante designado por «1.ª recurso interlocutório»), apresentando as seguintes conclusões: 1 - No despacho de acusação Refa CITIUS 88889428, o Ministério Público imputou ao arguido a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n°s 1, a), 2 e 4, do Código Penal, e determinou, a nosso ver bem, o seguinte: "Para a eventualidade de, em julgamento, apenas ser produzida prova de factos que integrem a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181° do CP, o qual reveste natureza particular, importa desde já garantir o preenchimento dos requisitos de procedibilidade por tal crime.
Assim, notifique a ofendida para, querendo, requerer a sua constituição como assistente e deduzir acusação particular." 2 - Nessa sequencia, a ofendida, (...), requereu a sua constituição como assistente, e deduziu acusação particular contra o arguido, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181°, n° 1, do C.P.
3 - Por despacho Refa CITIUS 89248507, foi admitida a constituição de assistente.
4 - Por despacho Refa CITIUS 89314061, o Ministério Público acompanhou a acusação particular no que se refere aos factos que integram a prática do crime de injúria.
5 - No despacho recorrido, o tribunal a quo declarou nulas e de nenhum efeito: - a acusação particular (fls. 111-ss do processo físico); e - a acusação do Ministério Público que acompanhou a acusação particular (fls. 122-ss).
6 - Com fundamento no facto de em processo penal, considerando as exigências decorrentes do princípio do acusatório, não ser possível deduzir uma acusação subsidiária, para o caso de improcedência da primeira.
7 - O tribunal a quo conclui que, uma vez que o Ministério Público e a assistente optaram pelo crime de violência doméstica (na acusação pública, que foi acompanhada pela assistente) então, a acusação particular deduzida pela assistente e a acusação do Ministério Público que acompanhou essa acusação particular, são nulas e de nenhum efeito, o que declarou, a nosso ver, mal.
8 - O arguido está acusado da prática de um crime de violência doméstica, e, findo o julgamento, poderá, eventualmente, vir a ser convolada a sua conduta como integrante da prática de um crime de injúria.
9 - O princípio do acusatório significa que só se pode ser julgado pela prática de um crime mediante prévia acusação que o contenha, deduzida por entidade distinta do julgador e constituindo ela, acusação, o limite do julgamento.
10 - A lei admite que na sentença, possam ser considerados factos novos, resultantes da discussão da causa [ou por esta tornados relevantes] ainda que constituam alteração dos constantes da acusação [ou da pronúncia], observadas que sejam determinadas formalidades e verificados que sejam determinados pressupostos, matéria que o C. de Processo Penal regula nos arts. 1°, 358° e 359°.
11 - Deste modo, aos casos ressalvados na própria Lei, tem a jurisprudência adicionado outros que com eles partilham a mesma irrelevância negativa para os direitos de defesa do arguido.
12 - Referimo-nos, por exemplo, aos casos em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
13 - Este entendimento é o que urge seguir in casu uma vez que o arguido, está acusado pela prática de um crime "composto" — na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende [violência doméstica].
14 - Como se sabe, o crime de violência doméstica é um crime específico impróprio, pois a qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende constitui o fundamento da agravação relativamente aos crimes que as condutas já integravam.
15 - Ou seja, é a consideração da qualidade do autor e, particularmente, do dever que sobre ele impende que fundamentam e justificam a criação de um tipo de crime com uma cominação agravada.
16 - Quando, como no caso presente, a prova que vier a ser produzida, não permita a condenação pelo tipo "composto" ["agravado"], a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelos tipos de crime integrantes.
17 - Haverá nas hipóteses mencionadas que apurar se se verificam quanto a esses crimes as necessárias condições objectivas de procedibilidade, designadamente o exercício do direito de queixa relativamente a ilícito de natureza semi-pública (pensamos nas ofensas à integridade física simples visto o consignado pelo art.° 143.°, n.° 2, do Código Penal), e a dedução de acusação particular relativamente aos ilícitos que assumam tal natureza (crimes de injúrias visto o art.° 188.°, n.° 1, do mesmo diploma substantivo).
18 - Atribuída natureza particular ao crime de injúrias, pelo art.° 188.°, n.° 1 do Código Penal, a dedução de acusação particular, imposta pelo art.° 50.°, do CPP, constitui pressuposto processual do procedimento criminal respetivo, ou seja, condição positiva daquele mesmo procedimento que, do mesmo modo, condiciona a responsabilidade penal.
19 - A falta de acusação da assistente, num crime particular, integra a nulidade insanável prevista no art. 119°, al. b) do CPP.
20 - Com efeito, este artigo comina com nulidade insanável a falta de promoção do Ministério Público, nos termos do artigo 48°, do CPP.
21 - O artigo 48°, por seu turno, refere que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49° a 52°.
22 - Ou seja, o Ministério Público deve promover o processo penal de acordo com o regime previsto nos artigos 49° a 52°, sob pena de nulidade insanável.
23 - Assim, cabe ao assistente, nos crimes particulares, delimitar o tema do processo, definir os factos e proceder ao enquadramento jurídico dos mesmos, no crime que imputa ao arguido.
24 - Não sendo passível de suprimento a falta de acusação particular, carece o Ministério...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO