Acórdão nº 3383/20.2T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

I..., S.A., intentou contra D..., LDA e P..., LDA. procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova.

Requereu que seja ratificado o embargo extrajudicial efetuado pela Requerente, com efeitos retroativos ao dia 01.09.2020.

As Requeridas deduziram oposição.

Na qual invocaram a intempestividade da providência, a deficiência do embargo extrajudicial e, por falta dos seus pressupostos legais, a improcedência do pedido de ratificação e, ainda, peticionando a condenação da requerente como litigante de má fé.

A requerente respondeu à oposição.

Reiterando a sua posição inicial e impetrando a condenação da requerida P..., LDA como litigante de má fé.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Em face do exposto e sem outras considerações julgo a providência requerida improcedente por não provada e, consequentemente, da mesma absolvo as Requeridas».

  2. Irresignada recorreu a requerente.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

    Contra alegaram as requeridas pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: ...

  3. Sendo que, por via de regra: artºs 684º, e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Nulidade da sentença – artº 615º nº1 al. d) do CPC.

    1. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    2. - Procedência da providência.

  4. Decidindo.

    5.1.

    Primeira questão.

    Clama a recorrente que a sentença é nula, por omissão de pronuncia, pois que a sentença recorrida é totalmente omissa quantos aos factos que enumera, os quais considera relevantes para a boa decisão da causa.

    Como é consabido, as nulidades da sentença previstas no artº 615º do CPC, são meros vícios formais, «handicaps» intrínsecos à própria sentença, em si mesma considerada, que afetam a validade/idoneidade/virtualidade da sua idiossincrasia, enquanto, essencial e primeiro, instrumento jurídico comunicante do processo, o qual se pretende logicamente escorreito e conforme ao objeto do processo tal como delineado pelas partes.

    E nada tendo a ver e/ou se confundindo com a maior ou menor curialidade, ou o erro, do, de direito e juridicamente, interpretado e decidido quanto a tal objeto.

    Pois que, neste caso, não nos encontramos apenas no mero âmbito formal da emissão/prolação/publicitação da sentença/acórdão, linear e formalmente adequado ao objeto dos autos, mas antes estamos no domínio do jurídico perspetivado ao quid substantivo/material, campo este que apenas admite censura se ao mesmo puder ser assacada ilegalidade.

    Prescreve o nº 1, al. d) de tal preceito que a sentença é nula quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

    Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

    E, bem assim, de resolver todas as questões – e apenas estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artº608º.

    Porém, como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

    A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir – cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

    No caso vertente, e versus o entendido pela recorrente, inexiste o aludido vício.

    Na verdade, na sentença o tribunal a quo pronunciou-se, de facto e de direito, e emitindo decisão final sobre tais aspetos.

    O Tribunal pronunciou-se sobre os factos que considerou relevantes e, destes, sobre os que considerou provados e não provados, aduzindo a fundamentação que entendeu necessária e pertinente.

    Por conseguinte, o tribunal cumpriu o disposto no artº 607º, nº 4 do CPC.

    Se cumpriu bem ou se cumpriu menos bem, não é questão de nulidade da sentença, nos termos sobreditos, mas antes, no caso de ter cumprido mal, de violação deste segmento normativo e, assim, de ilegalidade do decidido.

    E esta ilegalidade, como a recorrente, ademais, acaba por concretizar, ataca-se mediante a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a qual pode ser alterada por este tribunal ad quem, nos termos do artº 662º do CPC.

    5.2.

    Terceira questão.

    5.2.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido - artº 607º, nº 5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.2.2.

    Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o...

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