Acórdão nº 00345/19.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO E., LDA., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que, em 27.09.2020, julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e, consequentemente, absolveu o R. Município (...) e os contrainteressados da instância.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1.

O Tribunal a quo fez incorreta interpretação das normas respeitantes à caducidade do direito de ação, bem como acerca da impugnabilidade do ato administrativo o que determinou a absolvição do réu/recorrido da instância.

  1. Após vistoria levada a cabo a 14-06-2018 foi a recorrente notificada, por ofício datado de 18-07-2018, para proceder aos trabalhos e ações ali mais bem identificados, decisão em virtude da qual a Câmara Municipal, ora ré/recorrida sugeriu e deu prazo para que a recorrente diligenciasse no sentido de obter a autorização dos restantes condóminos.

  2. Motivo pelo qual, salvo melhor entendimento, jamais poderá resultar provado que a exposição da recorrente datada de 02-05-2019, que dava conta da não aprovação de qualquer obra sugerida por oposição do condomínio, primeira e única vez na qual teve oportunidade para exercer o seu direito de pronúncia, nada acrescentava que pudesse alterar a decisão tomada, sendo suscetível, em face da alegada “irrelevância” de determinar a cessação coerciva e respetiva selagem do estabelecimento! 4.

    Sendo a data referida no ponto 3. a data de início da contagem do prazo para impugnação do ato administrativo que ora se pretende atacar! 5.

    Reiteramos, pese embora a ordem de cessação e selagem do estabelecimento tenha sido determinada em 28-05-2019, certo é que a recorrente apenas havia exercido, pela primeira vez, a respeito do primeiro ato administrativo datado de 18-01-2019, o seu direito de pronúncia em 02-05-2019.

  3. Até lá, salvo melhor entendimento, sempre foi procurada por banda do recorrido, inclusive, a conciliação das partes, mediante estipulação de diversos prazos que foram sendo alargados! 7.

    A par da ora recorrente, tem ainda o proprietário do imóvel um interesse paralelo ao do locatário, motivo pelo qual, é também ele parte legítima, pois que o referido despacho é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, não houve até à data nenhuma notificação direta à sociedade ora referenciada na qualidade de interessada.

  4. Certo é que após 18-01-2019 várias foram as negociações levadas a cabo entre as partes o que faz crer que tal manobra se tratou exclusivamente de uma evidente tentativa de o Réu/Recorrido Município (...) frustrar qualquer tipo de defesa, nomeadamente, impugnação do referido ato administrativo pela Recorrente! 9.

    O qual por inúmeras vezes apresentou junto da recorrente a intenção de recurso a meios de resolução extrajudicial do conflito o que, inclusive, fez com que não tivesse a Recorrente recorrido da sentença proferida em sede de Providência Cautelar, logrando tranquilizar a recorrente.

  5. Pelo que sempre se dirá que a presente impugnação deverá ser admitida nos termos do n.° 3 do artigo 58° do CPTA, o qual prevê de forma expressa que “3- A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.° 1 (ou seja, três meses): b) Contados da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter sido induzido o interessado em erro;”.

  6. Pois que, como suprarreferido, a recorrente laborou em erro em virtude das negociações levadas a cabo, na expectativa de que não haveria necessidade de proceder à impugnação de qualquer ato sempre crendo, de boa fé, na conduta perpetrada pelo Recorrido Município (...)! 12.

    Atento o exposto, não poderá julgar-se verificada exceção de caducidade do direito de ação com o argumento de que o prazo de impugnação havia terminado findos três meses após a prática do primeiro ato, porquanto o segundo ato seria mero ato de execução, por não ser exigível, a apresentação da presente petição à Recorrente no prazo máximo de três meses após o ato proferido em 18-01-2019.

  7. Pelo que sempre deveria ter atendido o Tribunal Recorrido à inadequação das regras de contagem dos prazos ao caso em apreço, atentas as especificidades que o mesmo comportava para o exercício do direito de ação da Recorrente em reagir contra as decisões proferidas e impugnadas, passíveis de lesar a esfera jurídica da Recorrente (…)”.

    *Notificados que foram para o efeito, os Recorridos não produziram contra-alegações.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

    * *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.

    Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.

    * *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…) 1. A A., «E., Lda.», é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de restauração (admitido por acordo); 2. A A. é proprietária de um restaurante designado o “V.”, explorado no rés-do-chão, fração A, Lote 1 da Urbanização (...), em (…), inscrito na matriz sob o artigo 541°, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.° 22, da respetiva freguesia e com alvará de utilização para comércio e serviços n.° 35, emitido a 25.02.1994 pela Câmara Municipal (...) (cf. documento n.° 01 junto aos autos com a petição inicial); 3.

    Do contrato de arrendamento celebrado entre a proprietária da referida fração e a A. consta, designadamente, que é permitido a esta efetuar obras no local arrendado, na medida em que estas não alterem a estrutura e as normas da propriedade horizontal, e mediante a expressa autorização da proprietária (cf. documento n.° 01 junto aos autos com a petição inicia); 4.

    Em 26.10.2016, a «P., Lda.», administradora do condomínio do prédio sito na Urbanização (...), lote 1, n.° 2, em Viseu, dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal (...) uma exposição/reclamação, dando conta de alegadas irregularidades e ilegalidades no funcionamento do restaurante designado «O V.», propriedade da A. (cf. fls. 01 a 09 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 5. Tais alegadas irregularidades e ilegalidades diziam respeito, designadamente, ao nível do ruído e da extração de fumos, pelo facto de estar a ser utilizado um piso inferior como sala de refeições, contrariamente ao projeto de Segurança Contra Incêndios e ainda por existir uma ligação direta para a cave de estacionamento, com tubo de esgoto (cf. fls. 01 a 09 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 6.

    Em 19.01.2017, e face a tal participação, o R. notificou a A. para, no prazo de 10 dias, informar aquela das medidas tomadas para eliminar a incomodidade ou fazer prova do cumprimento das normas em vigor em matéria de ruído, designadamente, do art.° 13° do Regulamento Geral do Ruído (cf. fls. 10 a 15 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 7.

    Na mesma data, o R. enviou também uma missiva à «P.» com o intuito de esta disponibilizar uma habitação do prédio para efetuar uma medição acústica, caso a A. não procedesse à eliminação da incomodidade (cf. fls. 16 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 8.

    Em 27.01.2017, a «P.» procedeu à indicação junto do R. de duas habitações para a realização da referida medição acústica (cf. fls. 17 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 9.

    Em 02.02.2017, a A. enviou uma missiva ao R., procedendo à remessa de uma cópia da medição acústica realizada a 15.03.2011, aquando da abertura do estabelecimento comercial (cf. fls. 20 a 40 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 10.

    Em 22.09.2017, relativamente à conduta de extração de gases e de fumos provenientes da cozinha e à conduta de exaustão dos fumos provenientes do esquentador, os serviços técnicos emitiram parecer no sentido de se encontrar a A. em incumprimento do previsto nos art.ºs 113° e 114° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), propondo a notificação daquela para, no prazo de 60 dias, dar cumprimento aos mesmos (cf. fls. 48 e 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 11. Em 28.11.2017, e após despacho em conformidade, foi o parecer indicado no ponto anterior comunicado à A., no sentido de dar cumprimento, no prazo de 60 dias, às identificadas normas (cf. fls. 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 12. Em 26.02.2018, o R. novamente comunicou à A., por carta registada com aviso de receção, da necessidade de, no prazo de 15 dias, dar cumprimento ao disposto nos art.ºs. 113° e 115° do RGEU (cf. fls. 57 a 59 do processo administrativo apenso aos presentes autos); 13. Em 27.02.2018, a «P.» remeteu ao R. uma avaliação acústica realizada em fevereiro de 2018 sobre o estabelecimento comercial...

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