Acórdão nº 00608/19.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:* I – RELATÓRIO 1.1.

F.

, com domicílio profissional na Rua (…) veio, ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO), impugnar judicialmente a decisão da Comissão de Disciplina dos Auxiliares de Justiça de 23/07/2019, que lhe aplicou uma coima única de 60.000,00 euros, pela prática de doze contraordenações, previstas e punidas pelos artigos 12º, n.º 2 e 19º, n.º 2 do EAJ e, bem assim a sanção acessória temporária de interdição do exercício da atividade de administrador judicial pelo período de três anos.

1.2.

A Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ) sustentou a decisão impugnada.

1.3.

A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância apresentou o processo contraordenacional ao tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 62.º, n.º1 do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 356/89, de 17/10, 244/95, de 14/09 e 323/2001, de 17/12 e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12.

1.4.

Cumprido o disposto no artigo 64.º, n.º 2, do RGCO, o Ministério Público e o arguido aceitaram que a presente impugnação fosse decidida pelo juiz através de despacho.

1.5.

Por decisão proferida em 22/09/2020, julgou-se a impugnação totalmente improcedente e manteve-se a decisão impugnada, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Por tudo quanto se deixou exposto, julgo improcedente o presente recurso de contraordenação e, em consequência, mantém-se a decisão impugnada.

*Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (um

  1. UC, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 92º e 93º, n.º 3, do RGCO, e 8º, n.º 7, do RCP e tabela III anexa.

    *Registe, notifique e comunique à entidade administrativa, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 70º do RGCO”.

    1.6.

    Inconformado com o assim decidido, o arguido F. interpôs o presente recurso, em que formula as seguintes conclusões: 1.º- A decisão da Comissão de Disciplina dos Auxiliares de Justiça (CAAJ) que aplicou ao ora Recorrente a coima de € 60.000,00 (sessenta mil euros), foi objeto de sentença proferida nos presentes autos que a confirma, pelo que, inconformado, o Arguido dela recorre por estarem cumulativamente preenchidos os pressupostos ínsitos alíneas a) e b) do nº 1 do artº 73º do RGCO.

    2.º- Pela decisão de que se recorre, entendeu o Meritíssimo Juiz que não há a prolação de uma nova decisão, porquanto na imputação da conduta ilícita, “apenas desaparece a referência ao nº 1 do artigo 19º mantendo-se no mais a referência ao artigo 12º nº 2 do EAJ”, pelo que não há qualquer “alteração da qualificação jurídica, a qual pressupõe para efeitos do artigo 358º do CPP a subsunção dos factos a uma distinta previsão legal”, concluindo pela desnecessidade do Arguido ser notificado nos termos e para o efeito do previsto no artº 50º do RGCO.

    3.º- O Arguido discorda, pois entende que tendo a primeira deliberação sido declarada nula por douta decisão proferida no processo 415/18.8BECBR pelo mesmo Senhor Juiz, a mesma deixou de vigorar na ordem jurídica, como escreve no penúltimo parágrafo da pág. 62 da sentença, pelo que o que está verdadeiramente em causa é uma questão substantiva (invalidade à decisão) e não adjetiva (invalidade à notificação).

    4.º- Acresce que a nova decisão ao fazer desaparecer a imputação ao nº 1 do artº 19º do EAJ, produz uma nova qualificação jurídica dos factos imputáveis ao Arguido, que não se reconduz a uma reforma da deliberação declarada nula (artº 617º do CPC ex vi os artigos 4º do CPP e 41º do RGCO), motivo de sobeja que impunha uma notificação ao Arguido nos termos e para os efeitos do previsto no artº 50º do RGCO, por força do disposto no artigo 32.º da CRP, artigo 358.º, n.º 1 e 3, artigo 379.º, n.º 1, b) do CPP, (aplicável nos termos do artigo 41.º do RGCO) bem como ainda no nº 2 do artº 18º do EAJ.

    5.º- Ao preterir de novo uma formalidade essencial, o Tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento, vício de fundamentação e ambiguidade.

    SEM PRESCINDIR E POR MERA ACAUTELA DE PATROCINIO 6.º- Por outro lado, não se aceita o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo segundo o qual a instauração de processo contraordenacional esteja sempre dependente da prévia instauração de processo disciplinar – pág. 43.

    7.º - Considerando que as regras do processo penal mormente no que tange com a defesa dos direitos de audição e defesa dos arguido se aplicam aos processos de contraordenação, e fazendo uma interpretação de acordo com as melhores regras da hermenêutica jurídica das disposições contidas nos artigos 9º do Código Civil (cfr. Acórdão do STJ de 14/02/2007, processo nº 06S3411 in dgsi), e aos artigos 17º, 18º e 19º do Estatuto das Administradores de Insolvência na sua versão original que aqui se aplica, o processo disciplinar precedia obrigatoriamente a instauração do processo de contraordenação.

    8.º- Concretamente, no artº 17º, nº 1, o legislador ao estabelecer que cabe à CAAJ instruir os processo disciplinares e de contraordenação e ao prever na redação originária do nº 3 do artº 18º esta mesma entidade podia, por deliberação fundamentada e na sequência de processo disciplinar instaurar processo de contraordenação, não deixa margem para outra interpretação que não seja a precedência obrigatória daquele antes deste, 9.º- Isto é, o recurso à interpretação, teleológica, gramatical e sistemática e nos termos do previsto no artigo 9º do CC, não existe qualquer evidência de que o processo de contraordenação pudesse ser instaurado sem ser precedido pelo processo disciplinar, tanto mais que a redação da ao EAJ pelo DL 52/2019, de 17/04, não veio clarificar nada, antes deu nova redação aos preceitos em causa para agilizar procedimentos, sem efeitos retroativos (cfr. artº 12º do CC).

    10.º- Por outro lado, o n.º 2 do artigo 178.º da LTFP estabeleceu que “o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico” – vide o artigo 17.º n.º 2 do EAJ.

    11.º- Acontece que vários processos disciplinares não cumpriram o estipulado no n.º 2 do artigo 178.º da LTFP, ultrapassando, assim, os 60 dias entre a data da participação efetuada pelos Tribunais onde corriam os processos de insolvência distribuídos ao Recorrente e a data da deliberação de instauração dos processos disciplinares, conforme se expôs supra no ponto III da motivação de recurso e que, atendendo á sua extensão e por economia processual, aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os legais efeitos.

    12.º- O Recorrente nunca foi notificado do presente processo disciplinar, nem da sua instauração, nem de qualquer decisão final do processo, mormente a sua convolação em processo contraordenacional, seja pessoalmente, por carta com aviso de receção, nem tão pouco tem conhecimento que tenha sido publicada tal decisão em Diário da República, nem tal consta, porque não podia constar, dos autos, nos termos do previsto nos artigos 18º, nº 2, do EAJ, e 214º e 222º da LGTFP (Lei n.º 35/2014, de 20/06, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) 13.º- Não se aceita a conclusão do Meritíssimo Juiz de primeira instância segundo a qual é válida e eficaz a notificação feita em sede de processo disciplinar feita por correio eletrónico com fundamento no artº 112º do Código de Procedimento Administrativo, por um lado porque não está prevista na LGTF nem no EAJ, porque se está no âmbito de processos em que deve ser assegurada os supra aludidos direitos de audição e defesa ao Arguido e, por fim, porque mesmo que se aceitasse tal possibilidade, não consta dos autos que o Recorrente tenha expressamente consentido nesta forma de notificação, nos termos da al. b) do nº 2 do artº 112º do CPA.

    14.º- Pelo exposto, nos termos dos artigos 203.º, 214.º e 222.º da LGTFP, em consonância com os artigos 32.º n.º 10 e 268.º da CRP, a falta de audiência do arguido resulta em nulidade insuprível, nulidade essa que expressamente se invoca, para os devidos efeitos legais, pelo que deverão ser os presentes autos arquivados.

    15.º- O recorrente advoga ainda a ilegalidade do regime sancionatório, recorrendo para o efeito a pareceres emitidos pela Ordem dos Solicitadores, Ordem dos Advogados e Comissão de Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores de Insolvência, por considerar inadmissível à luz do previsto nos artigos 2.º, 41.º e 43.º do RGCO, e artigos 29.º e 32.º da CRP – vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de maio de 2019, Processo n.º 65/2019, 1.ª Secção que foi Relator o Sr. Juiz Conselheiro José António Teles Pereira.

    16.º- Comparativamente com outros profissionais que exercem funções com mesmas características dos Administradores de Insolvência (misto de profissional liberal e funcionário público) que integram Ordens Profissionais, há uma clara diferença no que tange com o regime sancionatório emergente do exercício da sua atividade, uma vez que estes outros não estão sujeitos à dupla responsabilidade disciplinar e contraordenacional, mas apenas aquela primeira.

    17.º- Ora este facto constitui, na modesta opinião do Recorrente, uma violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP, que mais não é do que uma das vertentes do princípio ínsito no artigo 1º da Lei Fundamental: o respeito intransigente da dignidade da pessoa humana, pilar fundamental do Ordenamento Jurídico Português, que transpõe para a ordem jurídica interna, caso necessário fosse, o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    18.º- Do ponto de vista o que está verdadeiramente em causa não são as diferentes funções desempenhadas por cada um destes profissionais, mas antes a sua natureza intrínseca que torna inadmissível esta diferença de tratamento disciplinar e sancionatório, que o leva a...

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