Acórdão nº 1596/17.3T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Relatório[1] « AA, contribuinte fiscal n.º …, residente no …., instaurou acção judicial contra Deustche Bank AG – Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º 9…79, com sede no ..., pedindo a condenação do réu a pagar à autora a quantia de €15.230,67, acrescida de juros de mora desde a citação até ao efectivo pagamento; bem como o valor a liquidar correspondente ao juro resultante da aplicação da taxa média praticada no mercado dos depósitos a prazo ao capital de €15.000,00, desde a instauração da acção até ao pagamento.

Alega para o efeito que adquiriu aos balcões do réu, no …, um produto financeiro complexo emitido por uma “sociedade-veículo” concebida e montada pelo réu, na ..., tendo a sua decisão sido determinada por informação errónea e deficiente prestada pelo Réu, em violação dos deveres que sobre ele recaem no exercício da actividade de intermediação financeira, o que lhe causou os danos de que pretende ser ressarcida.

O réu contestou impugnando os factos alegados pela autora e concluindo pela improcedência da acção.

Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido.

* A A. apelou para A Relação do Porto.

O Tribunal da Relação entendeu que a decisão de facto constante da sentença padecia «de manifestas e notórias contradições, deficiências e obscuridades que são fruto da circunstância de o tribunal a quo ter acolhido em parte as versões de ambas as partes sem reparar que as mesmas são em boa medida opostas e contraditórias» e que dispondo o Tribunal de todos os meios para poder expurgar tais maleitas, nada obstaria a que se alterasse a decisão de facto, com vista a atingir esse desiderato.

Notificou as partes dessa sua intenção para querendo se pronunciarem.

* Apreciando a apelação e após ter alterado a decisão de facto para eliminar as contradições e deficiências apontadas, decidiu pela improcedência da apelação e confirmou a sentença, ainda que com fundamento diverso.

* Mais uma vez, inconformada, veio a A. , interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 2 do art.º 629º do CPC, por alegada violação do caso julgado, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: « I. A acção instaurada pela ora recorrente tem por objecto uma pretensão indemnizatória fundada na verificação da “situação de responsabilidade civil”.

  1. O tribunal de primeira instância, apesar de ter julgado improcedente a acção, conheceu, individualizada e analiticamente, dos cincos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar: julgou (repete-se: julgou) verificados quatro deles (facto, ilicitude, culpa do lesante e dano) e não verificado o pressuposto do nexo de causalidade.

  2. E foi exactamente por isso que a recorrente, quando apelou, restringiu o objecto do recurso à questão do nexo de causalidade.

  3. Notificado das alegações da apelante, o apelado, ora recorrido, podendo tê-lo feito, não interpôs, quanto a este segmento da decisão, recurso subordinado (art. 633.º do CPC), nem sequer requereu a ampliação do âmbito do recurso (art. 636.º do CPC), antes exibindo uma total concordância com a sentença recorrida.

  4. Sobre esse segmento da sentença recorrida formou-se, obviamente, caso julgado, estando a Relação, por essa razão, impedida de reapreciar qualquer daqueles 4 pressupostos da obrigação de indemnizar: facto, ilicitude, culpa do lesante e dano.

  5. Os Senhores Juízes Desembargadores, não se coibiram, ainda assim, de reapreciar a questão da ilicitude da conduta do recorrido lesante, incorrendo numa violação grosseira dos limites absolutos de cognição impostos pelo caso julgado.

  6. Nos presentes autos, nenhuma das partes impugnou a decisão da matéria de facto.

  7. Não havendo recurso sobre a decisão da matéria de facto, constituiu-se sobre a mesma caso julgado.

  8. Apesar disso, os Senhores Juízes Desembargadores, violando, outra vez, o caso julgado, não se coibiram de refazer completamente decisão da matéria de facto, comportando-se não como um tribunal de recurso, mas como um tribunal de primeira instância.

  9. O poder de modificação da decisão da matéria de facto consagrado no art.º 662.º/1 do CPC depende, evidentemente, da existência de recurso sobre ela.

  10. Não resulta da norma da alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, em nenhum caso (muito menos quando não haja recurso em matéria de facto), a possibilidade de modificação da decisão da matéria de facto, pois que a sua estatuição, expressa e inequivocamente, apenas se refere ao poder de anular a decisão da primeira instância.

  11. Se tomadas no sentido de permitirem a modificação da decisão da matéria de facto nos casos em que não haja recurso sobre ela, as normas do n.º 1 do art. 662.º do CPC e da alínea c) do seu n.º 2 são inconstitucionais, na medida em que violam o direito ao processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

  12. O tribunal recorrido violou a norma do art. 619.º/1 do CPC.

* Responderam o réu, pedindo a improcedência da revista.

* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).

Das conclusões acabadas de transcrever conjugadas com o teor do acórdão impugnando e com o fundamento invocado para a admissibilidade extraordinária do recurso de revista, decorre que recurso, tem apenas por objecto saber se o Acórdão da Relação violou algum caso julgado formado na 1ª instância, designadamente o que se decidiu quanto aos pressupostos da responsabilidade civil (exceptuada a questão do nexo de causalidade) e bem assim o decidido em matéria de facto.

* Dos factos Como se disse acima, o Tribunal da Relação detectou contradições, deficiências e obscuridades na decisão de facto e entendeu que, apesar de não ter havido impugnação da matéria de facto se impunha a sua alteração oficiosa, porquanto no seu entender assim o consente o nº 2 do art.º 662º do CPC. Na verdade explicitou tal entendimento ao referir que « nos termos do artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.

Extrai-se desta norma, à contrário sensu, que tendo a Relação à sua disposição todos os elementos probatórios, não deve anular a sentença recorrida mas sim proceder ela mesma à alteração da decisão sobre a matéria de facto de modo a sanar as deficiências, obscuridades e contradições, recorrendo para o efeito aos elementos probatórios constantes do processo. Essa faculdade, segundo a norma, pode ser exercida de modo oficioso.

No caso, o processo disponibiliza a totalidade dos meios de prova nos quais se alicerçou a decisão sobre a matéria de facto, uma vez que estão juntos os documentos e o relatório pericial apresentados e os depoimentos produzidos em audiência encontram-se gravados».

A relação identificou designadamente as seguintes contradições: «- dar como provado que a autora nunca adquiriu produtos financeiros derivados, estruturados, indexados ou sintéticos e dar como provado que antes da subscrição do produto financeiro que dá causa à acção a autora já tinha subscrito um produto similar (Notes db investimento Apple, ENI e Barclays).

- dar como provado que o réu definiu o perfil de investidor da autora de forma inopinada e usando critérios por si unilateralmente estabelecidos e dar como provado que o réu entregou à autora um inquérito para esta preencher e em função do qual definiu esse perfil.

- em dar como provado que em Junho de 2013 o réu propôs a subscrição de um produto que a autora havia rejeitado cerca de um mês antes e dar como provado que o primeiro produto subscrito foram Notes db investimento Apple, ENI e Barclays e que no mail de Junho de 2013 a propor produtos para subscrição consta o produto Notes db investimento Apple, ENI e Barclays, diferente daquele.

- em dar como provado que o réu sugeriu a subscrição de Obrigações Portugal Telecom e dar como provado não apenas o mail com as propostas como ainda que o que foi proposto e concretizado foi a subscrição de Portugal Telecom Finance 2020.

- em dar como provado que o produto subscrito em Junho apresentava garantia de capital, salvo incumprimento da Portugal Telecom, e adequava-se a investidores com perfil conservador e dar como provado que o produto só tinha garantia de capital desde que não ocorresse falha de pagamento da obrigações de referência (dívida sénior, ISIN: XS0927581842, com maturidade de 08.05.2020).

- em dar como provado que no correio electrónico de 28 de Julho de 2013 o banco insistiu no mesmo produto que a autora tinha rejeitado um mês antes e sugeriu ainda um investimento em Obrigações Portugal Telecom e dar como provado que o primeiro produto efectivamente subscrito (logo não rejeitado) se designava por Notes db investimento Apple ENI e Barclays que não aparece na mensagem de correio electrónico e bem assim o teor da própria mensagem onde resulta que o que foi proposto e concretizado foi a subscrição de Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020.

- em dar como provado que a autora assinou o boletim de subscrição convencida que o produto estava ajustado ao seu perfil conservador e se tratava de simples Obrigações Portugal Telecom e dar como provado que o produto tinhas características que se demonstraram e que foram explicadas à autora e por esta compreendidas».

E quanto à obscuridade detectou-a nas respostas aos pontos 5, 6, 30 e 37 por «que se deixa por explicar o que se pretende traduzir pela expressão «não é adequada», «não está de acordo».

Reapreciando a prova o Tribunal da Relação fixou...

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