Acórdão nº 5564/17.7T8ALM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, ainda em vida de sua mãe, contra BB, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo que seja declarado o abuso do poder de representação constante da procuração outorgada em 2011 nos termos dos arts. 268.º e 269.º do CC e declarados os valores reais dos imóveis, que seja declarada a nulidade do contrato de partilha, devendo ser restituídos os bens acima descritos ao acervo da massa da herança e a parte referente ao património da mãe (meação) do Autor e segundo Réu CC, ou seja, ao património de onde saíram, por estes terem sido indevidamente integrados pelo segundo Réu CC, na sua totalidade, na herança do seu pai e consequentemente deverá ser declarado que a adjudicação que o segundo Réu CC fez dos bens constantes da partilha por parte de sua mãe se consubstanciou numa doação nula por falta de autorização e como tal são também nulas as doações efetuadas aos Réus EE e FF, o usufruto concedido à Ré DD e a venda realizada à Ré GG, ser ordenado o cancelamento das inscrições prediais a favor dos Réus EE, FF, DD e GG, bem como quaisquer outras inscrições feitas posteriormente àquelas e que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor uma indemnização das quantias que se vierem a liquidar correspondente aos gastos suportados pelo Autor com a presente acção.
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Para tanto alegou, em síntese, que o seu irmão, aqui Réu CC, munido de uma procuração, procedeu à partilha dos bens por óbito do seu pai. O Autor foi declarado indigno, pelo que não teve qualquer intervenção na partilha. Todavia, a escritura de partilhas consubstancia uma verdadeira doação e não uma partilha, tendo o Réu agido com abuso de representação. Invocou também que, conforme o art. 2102.º, n.º 2, al. c), do CC, no caso de o cônjuge herdeiro ser incapaz – como se verifica no caso dos autos -, o inventário deve ser obrigatório.
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Regularmente citados, os Réus contestaram.
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Os Réus BB, CC, FF, EE e DD contestaram impugnando parte dos factos alegados pelo Autor.
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A Ré GG contestou arguindo a exceção de ilegitimidade ativa, com fundamento na indignidade do Autor, ora Recorrente, nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, e defendeu-se ainda impugnando parcialmente os factos alegados pelo Autor.
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Foi concedido ao Autor prazo para o exercício do contraditório quanto à matéria de exceção invocada.
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Notificado, o Autor pronunciou-se sobre a matéria de exceção, exercendo o contraditório.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia (cfr. folhas 217 e 218 dos autos).
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Por entender que os autos possuíam os elementos fácticos necessários à decisão, decidiu-se proceder à sua prolação.
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O Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte: “No caso aqui em apreço o Autor foi declarado indigno em virtude de ter praticado, em autoria material e, por tal condenado, um crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão, isto é, contra o seu pai HH. A sua indignidade foi declarada por decisão judicial confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …...
Em nosso entender esta declaração de indignidade é extensível à herança deixada pela sua mãe, aqui Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação.
Na verdade, e conforme dispõe a alínea a) do referido artigo 2034º o Autor foi condenado por ter praticado um crime de homicídio doloso contra o seu pai, à data cônjuge da Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação. Por força deste normativo e sendo a Ré cônjuge de HH, a declaração de indignidade também abrange a herança deixada por óbito da aqui Ré BB.
Repare-se que se assim não fosse o Autor, por força do óbito da sua mãe, aqui Ré BB, falecida na pendência da presente ação, acabaria por herdar bens que constituíam o acervo hereditário do seu pai e para o qual foi considerado indigno. Na verdade, o acervo hereditário da falecida Ré é constituído pela sua meação e por metade do acervo hereditário do seu falecido marido HH. Esta metade do acervo hereditário do seu falecido marido passou a integrar o acervo hereditário da falecida BB.
Caso a declaração de indignidade do Autor não se tenha por extensível à sua mãe, cônjuge de HH, o Autor acabaria por herdar, ainda que indirectamente, bens do seu pai (que haviam integrado o acervo hereditário da sua mãe) e do qual foi declarado indigno como sucessor. Nestes termos, é entendimento deste Tribunal que o Autor, por força do disposto na alínea a) do artigo 2034º do Código Civil, ao ser declarado indigno, como foi, carece de legitimidade activa para intentar a presente acção.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Autor invocada pela Ré GG e consequentemente declaro o Autor parte ilegítima na presente ação, absolvendo os Réus da presente instância (artigos 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 1 e 2, 577º, al. e) e 578º, todos do Código de Processo Civil).
” 11.
Não conformado, o Autor interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões: “Refere a M. Juiza do Tribunal da 1ª instancia: “O Autor foi declarado indigno em virtude de ter praticado, em autoria material e, por tal condenado, um crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão, isto é, contra o seu pai HH.
A sua indignidade foi declarada por decisão judicial confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …...
Em nosso entender esta declaração de indignidade é extensível à herança deixada pela sua mãe, aqui Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação. “ 1. Carece de razão a M Juíza do Tribunal a quo quando entende que o recorrente é parte ilegítima na presente ação, por ter sido considerado indigno quanto à herança de sua mãe.
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Na verdade, é indigno quanto à herança de seu pai, por incapacidade sucessória, tornando inexistente a vocação sucessória, art.º 2032º nº 1 do CC.
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Todavia, quanto a sua mãe este, ora recorrente sucede-lhe por direito próprio, não por aquela ser cônjuge de seu pai, pois tal não se questiona, mas por ser sua mãe, sucessão por direito próprio.
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Este é um direito de sucessão quanto àquela, quer a mãe tenha sido cônjuge de seu pai e se divorciasse, ou mesmo que não tenha tido essa qualidade de cônjuge. O recorrente herda por direito próprio de ser filho de sua Mãe! 5. Exemplificativamente se o autor da sucessão, em relação ao qual o recorrente é indigno, vivesse em união de facto com a mãe do indigno, a quem tinha em testamento, deixado todo o seu acervo, não seria por força da alínea a) do art.º 2034 do CC, que o indigno do autor da sucessão, não deixaria de ter capacidade sucessória em relação à companheira do autor da sucessão.
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As circunstâncias enunciadas na alínea a) do art.º 2034 do CC constituem causa de incapacidade sucessória por motivo de indignidade .
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No caso do recorrente, este incorreu numa dessas causas, infelizmente, (não sendo altura para nos debruçarmos sobre tal drama).
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As causas de indignidade enunciadas no art.º 2034 do CC, são taxativas.
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A Indignidade do recorrente, quanto à herança de seu pai, foi declarada em 27 de outubro de 2014, por sentença transitada em julgado.
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Quanto a sua mãe, tal não aconteceu! 11. A declaração de indignidade não opera automaticamente.
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Um sucessível não se torna indigno de suceder, apenas porque se verificam factos, que se enquadram nas causas da indignidade, pois que a indignidade tem de ser judicialmente declarada, ex vi art.º 2036 do CC e seus efeitos art.º 2037 nº 1 do mesmo diploma.
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O entendimento que a ação de declaração de indignidade, só tem de ser proposta, quando a pessoa que incorreu numa causa de indignidade, esteja na posse dos bens da herança, caiu por terra com a publicação da lei 86/14, que veio dissipar quaisquer duvidas que existissem.
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É a própria lei a conferir legitimidade ao MP para intentar a ação de declaração de indignidade, quando não existem outros herdeiros, art.º 2036 nº2 CC.
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A declaração de indignidade tem de ser declarada por sentença penal ou em ação autónoma, como refere art.º 69-A do CP e 2036 do CC e nunca mediante defesa por exceção no âmbito de uma ação cível.
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Inexiste qualquer ação de declaração judicial de indignidade, quanto ao recorrente, e relativamente à herança da mãe: não houve nem em sentença penal nem em sentença autónoma , únicos meios de efectivar a declaração judicial de indignidade, nos termos do art.º 2036º.
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Mesmo tendo vivido vários anos mesmo depois de se ter tornado conhecida a causa de indignidade em que incorrera o filho, BB não intentou ação destinada a privar o recorrente da capacidade de vir a ser o seu herdeiro.
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Não tem razão o Tribunal ao considerar a declaração de indignidade do recorrente respeitante à herança de HH, extensível à herança deixada por sua mãe.
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De acordo com o Parecer ora junto: Do preceito não resulta, nem pode resultar, que a declaração de indignidade de uma pessoa que praticou um crime de homicídio doloso relativamente à herança deixada por óbito da vítima , abarca a herança de todas as restantes pessoas mencionadas na mesma alínea, cônjuge descendente, ascendente adotante, adoptado da vítima. Por outro lado, isso significaria prescindir da declaração especifica de indignidade em ação autónoma ou penal, ao arrepio do disposto no artigo 2036 do CC. Por outro lado o alcance que se pretende atribuir à declaração de indignidade colide frontalmente com o que se prevê no art.º 2043º do C.C De acordo com o artº 2039 do CC dá-se representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. O artº 2043º estabelece que os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que “sejam incapazes em relação a ele”.
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Isto é, a pessoa que fôr declarada indigna relativamente à herança deixada por óbito do pai, tem capacidade para suceder, por direito de representação, à herança deixada pelos seus avós e bisavós, ainda que estes sejam ascendentes da...
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