Acórdão nº 01666/20.0BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“ A……….. LDA”, notificada da realização de penhora do saldo de uma conta bancária de que é titular e da constituição de penhor sobre o valor do reembolso que lhe foi reconhecido, relativo ao exercício fiscal (IRC) do ano de 2019, no valor de € 50.807,79, ambos os actos praticados no Processo de Execução Fiscal n.º processo 0361202001082671, apresentou a presente Reclamação Judicial junto do Serviço de Finanças de Braga Reclamação Judicial, pedindo a sua anulação.

1.2.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi julgada inútil a prossecução da lide no que concerne ao acto de penhora do saldo da conta bancária (revogado pela Administração Tributária na sequência da dedução da Reclamação Judicial) e procedente o pedido de anulação do acto de constituição do penhor, por falta de fundamentação do acto e por ter sido realizado antes de decorrido o prazo que a Executada dispunha para deduzir Oposição.

1.3.

Inconformada com a sentença na parte em que julgou procedente a acção, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, formulando, a final, as seguintes conclusões: «I.

A Fazenda Pública entende que a douta sentença ora recorrida ao determinar a anulação do ato de constituição de penhor sobre o crédito de IRC à ordem do processo executivo, sofre de errada interpretação dos factos e consequente erro de julgamento de direito.

II.

Salvo o devido respeito por diferente opinião, entende a Fazenda Pública que, ao contrário do doutamente decidido, não se verifica, nos presentes autos, violação de lei, senão vejamos; III.

Com efeito, na decisão recorrida o Tribunal a quo considerou que o ato padece de ilegalidade por duas ordens de razões, por um lado considera que o mesmo se encontra sujeito a fundamentação nos termos do disposto no artigo 195º do CPPT, sujeitando assim o mesmo às formalidades dos atos administrativos, e por outro, pelo facto de o mesmo ter sido praticado em data em que o processo de execução fiscal se encontrava provisoriamente suspenso, uma vez que se encontrava a decorrer o prazo para deduzir oposição.

IV.

Tendo o douto Tribunal a quo, concluído que nos termos dos factos assentes, conforme o teor que foi acolhido no ponto K. dos factos assentes, nada mais resulta do que a comunicação da constituição de penhor legal sobre o direito de crédito relativo a IRC e o seu valor, no processo de execução fiscal n.º 0361202001082671, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 e 5, do CPPT, no interesse da eficácia da cobrança, para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

V.

No que ao ato de constituição de penhor diz respeito, a Administração Tributária pode, independentemente do consentimento do executado e por sua iniciativa, constituir penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários, sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável (cf. art. 195.º do CPPT).

VI.

Ao ato de constituição de penhor corresponde a medida cautelar de garantia de cobrança do crédito exequendo, que tem em vista a satisfação prioritária do crédito exequendo, sem contender com as garantias de defesa do executado, seja em sede de impugnação (graciosa ou contenciosa) do ato tributário, seja em sede de oposição à execução fiscal.

VII.

Tendo, no interesse da eficácia da cobrança, e para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, sido efetuado penhor sobre o crédito da executada resultante do reembolso de IRC do ano 2019, no valor de € 50.807,79.

VIII.

Destarte, o ato de constituição de penhor, enquanto medida cautelar de garantia de cobrança do crédito exequendo que tem em vista a satisfação prioritária do crédito exequendo, reforça a eficácia da cobrança do crédito exequendo.

IX.

Mais, o penhor constitui um direito real de garantia da qual o OEF (órgão de execução fiscal) lança mão para garantir a cobrança da dívida nos termos do art.º 50.º n.º 2 da LGT e art.º 195.º n.º 1 do CPPT.

X. O penhor legal não constitui medida de coerção sobre o património do executado, pois do mesmo não resulta a indisponibilidade do crédito por parte do seu titular, pelo que se impõe concluir que o penhor legal reforça a eficácia da cobrança do crédito exequendo, desempenhado, nesta fase, uma função meramente garantística.

XI.

Depois, para que se suspenda a cobrança executiva será necessária a associação de garantia após o termo do prazo de pagamento voluntário, ao meio processual adequado, para que então se produzam os efeitos suspensivos da cobrança, nos precisos termos que constam no artigo 169.º n.º 2 do CPPT.

XII.

Ou seja, a prestação de garantia após o terminus do prazo de pagamento voluntário e até antes da apresentação do meio gracioso ou judicial, é imprescindível para suspender a mesma.

XIII.

Ora, a douta decisão do Tribunal a quo assenta, a nosso ver, erradamente, na qualificação de que o ato de penhor é um ato que carece de fundamentação por via do art.º 195.º n.º 1 do CPPT.

XIV.

Considerando, assim, por isso que a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos atos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao ónus de fundamentação, o Tribunal a quo considerou a ilegalidade do penhor.

XV. Mas é precisamente por outra razão que, no nosso entendimento, o ato de constituição de hipoteca legal ou penhor está sujeito a notificação, seja porque, por via de tais atos sejam afetados os contribuintes (cfr. art. 268.º, n.º 3, da CRP) que os poderão impugnar contenciosamente (n.º 3 do mesmo artigo), sendo que neste caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, será através da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, por ser esse o meio próprio.

XVI.

Ou seja, não estamos perante atos praticados por órgãos da administração tributária com natureza inteiramente administrativa como sejam a instauração da execução, por exemplo, mas perante um ato em que se ordena a constituição de um direito de garantia real através do penhor, com natureza executiva e processual.

XVII.

Para que estivéssemos perante atos administrativos, procedimentais, necessário seria que estivéssemos perante uma decisão tomada no âmbito de poderes jurídico-administrativos, sendo que contrariamente, no caso dos autos, estamos antes perante atos típicos de execução fiscal, justificados opus legis e que, não terão de ser necessariamente praticados por um juiz, na medida em que o processo de execução fiscal se encontra jurisdicionalizado.

XVIII.

Tanto assim é que, em nosso ver, foi essa a intenção do legislador quando, através da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), procedeu à alteração do artigo 195º do CPPT. O n.º 1 do artigo 195º do CPPT, antes da referida alteração determinava que: 1 - Quando o risco financeiro envolvido o torne recomendável, o órgão da execução fiscal, para garantia dos créditos tributários, poderá fundamentadamente constituir hipoteca legal ou penhor, de forma que assegure o pagamento da totalidade da dívida exequenda e acrescido. (sublinhados nossos) XIX.

No entanto, com a alteração introduzida pela referia Lei, o n.º 1 do artigo 195º do CPPT passou a ter a seguinte redação: 1 – Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão de execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor. (sublinhados nossos) XX.

Ora, a alteração introduzida no n.º 1 do artigo 195º do CPPT, omitiu a referência à necessidade de fundamentação da decisão de constituir hipoteca legal ou penhor.

XXI.

Sendo que, em nosso ver, deverá interpretar-se a alteração legislativa introduzida no n.º 1 do artigo 195º pela Lei n.° 53-A/2006 como afastando a necessidade de fundamentação do ato de decisão de constituir penhor, pois é a interpretação que se coaduna com os atos típicos de execução fiscal de natureza cautelar e processual.

XXII.

Com efeito, sendo nosso entendimento que o ato de constituição de garantia (penhor) não constitui ato de natureza administrativa, mas ato típico de execução fiscal, justificado opus legis, inserido num processo de execução fiscal, desnecessário se torna a fundamentação do mesmo.

XXIII.

Aqui chegados, e estando nós perante atos típicos de execução fiscal, inseridos num processo de execução fiscal, justificados opus legis, é nosso entendimento que aos mesmos não têm de ser aplicados os requisitos procedimentais exigidos para os atos de natureza administrativa, só assim se reforçando a eficácia da cobrança do crédito exequendo.

XXIV.

Ao não se decidir assim, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do Direito.

XXV.

Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que considere a Reclamação improcedente».

1.4.

A Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado, condensando no quadro infra as razões que adiantou nesse sentido: «1.

Ao determinar a anulação do ato de constituição de penhor sobre um direito crédito tributário (IRC) da titularidade de Reclamante, no valor de € 50.807,79 (cinquenta mil, oitocentos e sete euros e setenta e nove cêntimos), promovido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0361202001082671 e apenso, a douta sentença ad quo não merece qualquer reparo ou juízo de censura, quer na apreciação da valoração da prova que foi efetuada relativa à matéria de facto, quer na subsunção do direito aos factos assentes, mostrando-se, aliás, exemplarmente fundamentada.

Sobre a questão nova suscitada em sede de recurso: 2.

Defende a Recorrente, no âmbito do presente recurso, que o ato de constituição de penhor não carece de fundamentação. Ou seja, entende a AT que não lhe incumbe, nem é seu ónus, transmitir à Recorrida as razões de facto e de direito determinantes da necessidade da constituição de um penhor legal, no momento em que, nos termos legais, não havia decorrido o prazo para a Recorrida proceder ao pagamento voluntário da quantia exequenda exigida nos PEF´s em...

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