Acórdão nº 0275/14.8BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“EDP – Distribuição de Energia, S.A.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de taxas de ocupação do espaço público, referentes ao ano de 2013, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. A Recorrente, notificada da admissão do recurso, apresentou-nos as suas alegações, que os autos mostram terem sido encerradas da seguinte forma: «1.ª Como decorre dos autos, o objeto da presente impugnação judicial está delimitado em torno da apreciação da (i)legalidade dos atos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Cascais, no montante global de € 8.085,00 (oito mil e oitenta e cinco euros), praticados pela Câmara Municipal de Cascais em razão de obras de intervenção realizadas na infraestrutura de distribuição de energia elétrica instalada na área territorial do referido município.

  1. Mais concretamente, submeteu-se à apreciação judicial a questão de saber se a RECORRENTE tem direito à isenção de pagamento de taxas de ocupação do espaço público municipal estabelecida no contrato de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão celebrado com o RECORRIDO; se (in)existe a necessária correspectividade (sinalagma jurídico) entre os montantes exigidos a título das referidas taxas de ocupação e um benefício específico e individualizável na esfera da RECORRENTE; se os atos de liquidação sob apreciação violam do disposto no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro; e, finalmente, se tais atos são igualmente ilegais por falta de fundamentação.

  2. Chamado a dar resposta às questões que lhe foram colocadas, o Tribunal a quo, circunscrevendo a sua análise i) ao alegado direito à isenção estabelecido no mencionado contrato de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, ii) à (in)existência de sinalagma jurídico e iii) à (in)existência do vício de forma por falta de fundamentação dos atos de liquidação, julgou a presente ação de impugnação judicial improcedente, tendo, para o efeito, e no que em concreto diz respeito à primeira e segunda questões, invocado jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (mais especificamente os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de outubro de 2008, proferido no processo n.º 01944/07, de 11 de janeiro de 2011, proferido nos processo n.º 03809/10, e de 9 de abril de 2013, proferido no processo n.º 06359/13).

  3. Sucede, porém que, o thema decidendum da presente ação de impugnação deve, em boa verdade, ser reconduzido (rectius, circunscrito) à questão de saber se a liquidação de taxas relativas à ocupação do espaço público municipal com infraestruturas e outros equipamentos afetos às redes de alta e média tensão de distribuição de energia elétrica, consubstancia uma violação ao disposto no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro — questão esta, sublinha-se, que, não foi analisada nas decisões judiciais do Tribunal Central Administrativo Sul invocadas pelo Tribunal a quo para fundamentar a Sentença recorrida, nem, por conseguinte, apreciada pelo Tribunal a quo no âmbito do presente processo de impugnação.

  4. Ora, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro — diploma que revogou o regime jurídico à luz do qual incidiu a análise do Tribunal Central Administrativo Sul nas referidas decisões (e, nessa medida, à luz do qual recaiu a análise efetuada pelo Tribunal a quo) — a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efetiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

  5. Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do transcrito artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da atividade de energia elétrica em baixa tensão, com infraestruturas e outro equipamento de alta e média tensão (e, obviamente, de baixa tensão), é comutada pela renda paga no âmbito da concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» 7.ª Neste sentido, impondo-se, no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, que os municípios sejam financeiramente compensados pela ocupação do seu espaço público com as infraestruturas de distribuição de eletricidade — seja em baixa tensão, seja em alta e média tensão — através da renda que lhes é paga pela concessionária (no caso, a RECORRENTE) ao abrigo da referida concessão, não se pode deixar de concluir que qualquer taxa dirigida a comutar essa mesma ocupação padece do vício de violação de lei.

  6. De resto, contrariamente ao que vem defendido pelo RECORRIDO, este quadro legal é aplicável igualmente às concessões da atividade de distribuição de energia elétrica estabelecidas em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, como decorre claro do disposto no artigo 71.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro.

  7. Por último, registe-se que também a alegação de que «o diploma legal supra citado, ao criar uma isenção fiscal, estaria a violar o disposto nas alíneas i) e q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que padece de inconstitucionalidade orgânica» deve ser rejeitada, pois que o disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, com o sentido interpretativo acabado de se expor, encontra-se plena e perfeitamente conforme com a Constituição da República Portuguesa.

  8. Em face de todo o exposto, impõe-se, pois, concluir pela ilegalidade dos atos de liquidação da taxa municipal de ocupação sub judice, revogando, em consequência, a Sentença recorrida e declarando a presente ação impugnatória procedente, com a consequente anulação de tais atos.

1.3.

O Município de Cascais, doravante Recorrente, veio, em contra-alegações, defender a manutenção do julgado, invocando, no essencial, as razões adiantadas na síntese conclusiva que infra transcrevemos: «

  1. A atuação do Município resulta do exercício das atribuições legais.

  2. Tal não pode ser a ratio da norma, sob pena de a despojar de todo o efeito útil, pondo, inclusive, em causa a unidade do sistema jurídico e os valores que o legislador pretendeu salvaguardar ao regular a atividade de diversas entidades na ocupação da via pública, ou seja no domínio público municipal.

  3. E o mesmo se dirá no caso da renovação anual das licenças, porquanto, restringir os objetivos da norma ao momento do licenciamento significaria, na prática, que a salvaguarda do ordenamento do território e da gestão da espaço urbano apenas seriam dignos de tutela num primeiro momento e que a partir do termo do prazo concedido na licença inicial os particulares ficariam dispensados do cumprimento de quaisquer limites, podendo alterar os pressupostos subjacentes ao licenciamento.

  4. Assim se justifica que a verificação dos pressupostos de licenciamento/autorização e posterior verificação da manutenção das condições inicialmente aprovadas – como é o caso dos presentes autos - impliquem toda uma atividade de fiscalização por parte da Administração Municipal.

  5. A imposição de limites à ocupação da via pública, permite refrear os impulsos de quem considera que tudo é permitido, em prol dos direitos, liberdades e garantias de cada um.

  6. Não esqueçamos que o exercício anárquico dos direitos de uns pode contender com o direito à qualidade de vida de outros, direitos estes que constituem o valor subjacente à imposição de limites legais à instalação de infraestruturas/equipamentos no espaço público e que consubstanciam um direito fundamental constitucionalmente consagrado – cfr. artigos 66º e 84º da C.R.P.

  7. Aliás, conforme vimos supra, ciente dos limites legalmente impostos e da exigência de um procedimento prévio de licenciamento/autorização de ocupação, a Reclamante desencadeou o procedimento necessário para o efeito, conforme pedido de licenciamento e pedido de autorização para efeitos de ocupação do espaço em domínio público em questão.

  8. Forçoso será, então, concluir que a atividade administrativa desenvolvida pelos serviços do Município de Cascais visa, de facto, remover um obstáculo ao exercício de uma atividade, após verificação do cumprimento dos limites legalmente impostos, impondo-se a fiscalização posterior da manutenção das condições iniciais do licenciamento, porquanto os valores subjacentes não se alteram.

  9. Ora, é esta verificação da manutenção das condições iniciais do licenciamento/pedido de autorização, bem como a utilização individualizada do solo/subsolo, que justifica a cobrança da taxa devida por essas autorizações.

  10. Até porque a Recorrente concordou com o critério de vistoria para a receção de trabalhos da via pública, pelo que liquidou o montante relativo a este critério.

  11. Os critérios referentes ao espaço ocupado e o condicionamento do trânsito, em si não podem estar dissociados, pois resultam na autorização (licença) para a ocupação/intervenção/utilização da via pública.

  12. A Recorrente impugna o critério da taxa do espaço ocupado, mas não alegou que nunca ocupou espaço público ou seja, a referida entidade tem a noção de ter ocupado via pública/domínio público.

  13. Os critérios acima apontados refletem essa responsabilidade, de melhorar o uso e defesa das vias públicas/domínio público, da gestão de tráfego (no caso das via...

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