Acórdão nº 0156/03.0BTLRS 01249/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;# I.

A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de revista (excecional), visando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 23 de março de 2017, que negou provimento ao recurso de sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, a julgar improcedente impugnação judicial de atos de liquidação de Imposto Municipal de Sisa (IMS) e juros compensatórios, no valor total de € 9.629.196,78.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões (Somente se procede à transcrição das que respeitam à única questão a solucionar nesta revista, em função da delimitação operada pela intervenção da formação preliminar.): « (...).

QUANTO À 3.ª QUESTÃO: ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO E DO ERRO NO ANO DA LIQUIDAÇÃO 77. Sem prescindir dos argumentos anteriormente explanados de que a liquidação não pode encontrar o seu fundamento no § 2 do artigo 2.° do CIMSISSD, a 3.ª Questão que se submete à superior apreciação do STA na presente revista prende-se com a aferição do erro invocado pela Recorrente quanto ao ano a que se reporta a liquidação o qual, conduz por si à anulação da liquidação.

  1. De facto, foi inquestionavelmente dado como provado que a liquidação de SISA emitida pela AT funda-se nos resultados de uma acção inspectiva realizada à A………… ao ano de 1996 e no respectivo Relatório de Inspecção Tributária emitido por referência ao ano de 1996 (vide doc. 3 junto com a PI e factos dados como provados nos pontos 11 e 12 do Acórdão Recorrido).

  2. Porém, em consonância com a jurisprudência unânime nesta matéria, aliás reconhecida pela própria AT e pelo próprio Tribunal a quo, a sujeição a SISA por força do disposto no § 2 do artigo 2.º do CIMSISSD, ocorrerá apenas quando o terceiro (in casu, seria a B…………) celebra o contrato definitivo com o promitente vendedor (in casu, seria a C…………), o que só sucedeu em 1998 (vide ponto 4 dos factos dados como provados no Acórdão Recorrido).

  3. A AT, já no âmbito da impugnação judicial apresentada, e considerando então que aquela escritura pública de compra e venda ocorreu a 11/12/1998 (vide facto dado como provado no ponto 8 do Acórdão Recorrido), exarou um despacho de revogação parcial, ao abrigo do artigo 112.º do CPPT, onde apenas revogou a parte liquidada relativa aos juros.

  4. Antes de mais deve ser salientado, a este propósito, o facto de o Tribunal a quo (corroborando a sentença do Tribunal de 1.ª Instância) ter expressamente reconhecido o erro ora em apreço - nas suas palavras, o “deficiente enquadramento jurídico” - MAS DELE NÃO TER EXTRAÍDO QUALQUER CONSEQUÊNCIA.

  5. Como acima se referiu, o Acórdão Recorrido reitera (por duas vezes), a fls. 22, o “deficiente enquadramento jurídico da liquidação. Ora, a alínea a) do artigo 99.º do CPPT extrai daí uma única conclusão possível - a ilegalidade / anulação da liquidação ou seja, o “deficiente enquadramento jurídico é um vício insusceptível de ser sanado por quaisquer circunstâncias exógenas ao acto, mas outrossim apenas por via da sua própria anulação ou pelo menos rectificação.

  6. Não obstante a Recorrente ter invocado que não existiu qualquer fundamentação subjacente à liquidação reportada ao ano de 1998 - e esta só seria admissível se tivesse sido precedida de uma inspecção tributária ao exercício de 1998 (o que não aconteceu) -, o Tribunal a quo desatendeu aos seus argumentos, apesar de, também aqui, contar com um voto de vencido quanto a esta precisa questão.

  7. Por força do n.º 3 do artigo 14.º do RCPIT, à data em vigor, “[q]uanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação”. Ora, no caso em apreço, à extensão do procedimento de inspecção apenas lhe foi conferido um único período de tributação, a saber, o do ano de 1996. Nunca foi emitida pela AT qualquer Ordem de Serviço que abrangesse o ano de 1998.

  8. Por outro lado, estatui o n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, à data em vigor, que “[o]s fins e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado”. Quanto ao caso sub judice, nunca foi emitido pela AT qualquer despacho fundamentado que estendesse a inspecção tributária aberta para o ano de 1996 - ao ano de 1998.

  9. Assim, é a própria existência de um procedimento inspectivo, que se crê uma formalidade essencial e impreterível num Estado de Direito Democrático como o nosso, que não foi movido pela AT e foi tido como irrelevante pelo Tribunal a quo.

  10. Essa precisa relevância da observância das normas que regulam o procedimento inspectivo foi, aliás, retratada no Acórdão do STA, de 15/06/2016, Processo n.º 01101/15, o qual exemplarmente estabelece que: “Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspeção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação (…).

  11. Nas palavras do Acórdão do STA, de 15/06/2016, Processo n.º 01101/15, “[n]os termos do disposto no art.° 135.° do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.° 442/91, de 15 de Novembro, vigente à data do procedimento inspectivo, aqui aplicável por força do disposto no art.° 4.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção como aqui ocorre, pelo que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do acto de liquidação oficiosa de IRC, relativo ao exercício de 2010 que nele obteve os respectivos fundamentos legais” (…).

  12. Conclui então a Recorrente que a liquidação de SISA em apreço, a qual encerra um ERRO, notoriamente reconhecido pela própria AT e pelo Tribunal a quo, quanto ao ano a que o facto tributário e a liquidação se deviam reportar, dada a omissão de um acto procedimental essencial - a própria existência de uma inspecção tributária/extensão de uma anterior ao ano em que supostamente ocorreu o facto tributário - deve ser anulada e assim eliminada da ordem jurídica.

  13. Mais se dirá que o escopo do artigo 112.º do CPPT invocado pela AT - não consiste em sanar vícios de que padece o procedimento inspectivo e a liquidação, aqui materializados (i) na inexistência/extensão do procedimento inspectivo quanto ao ano a que a própria liquidação se devia reportar - ou seja, ao ano do facto tributário; (ii) na consequente falta de fundamentação quanto a essa liquidação; (iii) bem como no facto de a própria liquidação ser reportada a um ano em que o facto tributário não se pode considerar verificado.

  14. Na verdade, o artigo 112.º do CPPT confere à AT uma faculdade de apenas revogar total ou parcialmente, o acto, sendo que REVOGAÇÃO É DIFERENTE DE SANAÇÃO DE VÍCIOS, pelo que esta faculdade de “sanar” vícios não está prevista no artigo 112.º do CPPT. Veja-se, a este respeito, o que foi aduzido no Acórdão do STA, de 18/03/2015, Processo n.º 01911/13.

  15. Por outro lado, jamais a Recorrente se pode conformar com a decisão do Acórdão Recorrido, até porque ao assumir que há efectivamente um erro no ano da liquidação, ter-se-á, necessariamente, de admitir que, por apego às mais básicas regras de incidência, está-se também a pôr em causa a própria determinação do facto tributário sujeito a imposto.

  16. Ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, a circunstância de a matéria colectável e a taxa se manterem idênticas tampouco releva, in casu, para efeito de determinar a consequência jurídica a retirar do erro na determinação do ano em que ocorreu o invocado facto tributário. Salvo o devido respeito, olvida o Tribunal a quo que a determinação do facto gerador do imposto está a montante da operação de aplicação da taxa à matéria colectável.

  17. Ora, no Acórdão Recorrido, salvo o devido respeito, o Tribunal menospreza a basilar determinação do ano do facto e, consequentemente, da liquidação a que se reporta - pressupostos do próprio facto tributário -, pela invocação da imutabilidade das operações meramente aritméticas de lançamento e liquidação que se encontram a jusante e que naquele necessariamente se baseiam.

  18. Como é jurisprudência unânime em matéria de contencioso tributário, o erro nos pressupostos de facto constitui vício da liquidação - aliás, configurável como erro imputável aos Serviços da Administração Tributária (cfr. designadamente, Acórdãos do STA de 12/11/2009, no Proc. n.º 681 /09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11).

  19. De referir ainda que ao contrário do subscrito pelo Tribunal a quo, as garantias do contribuinte, da aqui Recorrente, foram grosseiramente violadas, porquanto o RCPIT, enquanto regulador do procedimento de inspecção tributária, também ele é também ele um meio de tutela das garantias dos contribuintes, sujeitas ao princípio da legalidade tributária (artigo 103.° n.º 2 da CRP), e também plasmadas na LGT.

  20. Conclui assim, que a decisão do Acórdão Recorrido ora em crise, se encontra alinhada com um clamoroso e gritante erro que consumadamente contende com as GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES e com os PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.

  21. Por fim, sempre se dirá ainda, que se então o Tribunal a quo considera que o ano em que o facto tributário supostamente devia ter ocorrido (1998) não releva para qualquer efeito, e a liquidação considera-se válida por referência ao ano de 1996, há que daqui retirar a seguinte ilação: o valor sobre o qual incide a SISA só poderá corresponder ao valor...

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