Acórdão nº 0906/15.2BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

EDP – Distribuição de Energia, SA, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de taxas de ocupação do espaço público, referentes ao ano de 2014, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações que concluiu nos seguintes termos: «1.ª Na presente ação de impugnação judicial discute-se, essencialmente, se os atos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Palmela relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia elétrica de média tensão, durante o ano de 2014, no montante global de € 34.761,19 (trinta e quatro mil setecentos e sessenta e um euros e dezanove cêntimos) consubstancia uma violação ao disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, sendo, por conseguinte, ilegal.

  1. Paralelamente, discute-se, ainda, se os referidos atos de liquidação foram praticados em erro sobre os respetivos pressupostos de facto.

  2. Chamado a pronunciar-se sobre o pedido formulado pela RECORRENTE, o Tribunal a quo conclui pela inexistência dos vícios de ilegalidade acima apontados, tendo, em consequência, julgado improcedente a presente ação de impugnação.

  3. Sucede, porém, que a decisão recorrida padece de manifestos erros de julgamento, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação dos identificados atos de liquidação.

  4. Com efeito, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efetiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

  5. Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da atividade de energia elétrica, com infraestruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

  6. Neste sentido, impondo o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, os municípios sejam financeiramente compensados pela utilização do seu espaço público com as infraestruturas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão através da obtenção da renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão, qualquer taxa municipal dirigida a comutar a mesma utilização é, inexoravelmente, ilegal.

  7. De resto, contrariamente ao que vem sugerido na sentença recorrida, o artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro — interpretado no sentido de que o pagamento da renda efetuado ao abrigo do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão desonera a RECORRENTE do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infraestruturas de distribuição de energia elétrica em baixa, média ou alta tensão — está conforme a Constituição da República Portuguesa.

  8. Em face de todo o exposto, impõe-se, pois, concluir que os atos de liquidação da taxa municipal de ocupação e de utilização sub judice padecem do vício de ilegalidade, por violação do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, devendo, nessa medida, a decisão judicial recorrida ser revogada e substituída por outra que determine, conforme se peticionou inicialmente, a anulação de tais atos de liquidação.

  9. Em qualquer caso, contrariamente ao que vem assumido na sentença recorrida — a ocupação do espaço público municipal com as insfraestruturas de distribuição de energia elétrica aqui em causa foi, necessariamente, inferior ao período (anual) considerado nos atos de liquidação corporizados nas faturas anexas aos ofícios n.ºs 16426/2014 e 16472/2014 (faturas n.ºs 1634 e 13917).

  10. Neste sentido, deve, em qualquer caso, a decisão recorrida ser substituída por uma outra que reconheça a existência do referido erro sobre os pressupostos de facto em que assentam os atos de liquidação materializados nos ofícios n.ºs 16426/2014 e 16472/2014 (faturas n.ºs 16534 e 13917), procedendo, também por esta razão, à sua anulação.

1.3.

O Município de Palmela (doravante Recorrido), não obstante ter sido notificado da interposição e admissão do recurso, não contra-alegou.

1.4.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por não se verificar que a sentença recorrida tenha incorrido em erro de julgamento ao julgar não verificados os erros sobre os pressupostos de direito e de facto suscitados na petição inicial, devendo, em conformidade, ser confirmada na ordem jurídica.

1.5.

Cumpre decidir, submetendo-se, para este efeito, os autos à Conferência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo.

  1. OBJECTO DO RECURSO 2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

    Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

    2.2.

    No caso, as conclusões do recurso permitem concluir que o seu objecto está circunscrito à questão do erro de julgamento de direito do julgado, ainda que desdobrada em dois fundamentos: (i) erro de julgamento na parte em que o Tribunal decidiu que as taxas impugnadas não padecem de erro sobre os pressupostos de direito, por não violarem o disposto no artigo 3.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro; (ii) erro de julgamento na parte em que o Tribunal julgou verificado erro sobre os pressupostos de facto porque, face aos factos apurados, devia ter concluído que a ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica aqui em causa foi necessariamente inferior ao período (anual) considerado nos actos de liquidação impugnados.

  2. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: 1.

    A Impugnante exerce a actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão, no território continental de Portugal – facto não controvertido; 2.

    Em 14 de Setembro de 2000, foi atribuída à Impugnante, pelo Director Geral da Energia, em representação do Estado Português, a licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão no território de Continente, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de Julho – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 3.

    A licença referida no ponto anterior foi convertida em contrato de concessão nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, tendo o contrato de concessão da actividade de distribuição de electricidade através da rede eléctrica nacional de distribuição de electricidade em média e alta tensão sido formalizado no dia 25 de Fevereiro de 2009 – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 4.

    A Impugnante é titular de diversas concessões municipais de distribuição de energia, atribuídas por diversos municípios do país, mediante contratos de concessão celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, da Portaria n.º 454/2011, de 5 de Maio, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto e do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro – facto não controvertido; 5.

    Em 7 de Julho de 2002, a Impugnante renovou com o Município de Palmela o “contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município de Palmela” – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial; 6.

    No “contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município de Palmela” referido no ponto anterior, consta, designadamente, o seguinte...

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