Acórdão nº 02315/14.1BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2315/14.1BELRS Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “A…………, S.A.” 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, em representação da AT (adiante Recorrente), recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada (adiante Recorrida), na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, anulou a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de Janeiro de 2007 a Outubro de 2008.

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso, a Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «1. A Douta Sentença interpreta que à liquidação indevida de IVA é susceptível de ser aplicado o regime de regularizações do imposto previsto no artigo 78.º do CIVA.

  1. Segundo aquele regime, o Sujeito Passivo tem um prazo de dois anos para proceder às regularizações de imposto sejam elas resultantes [de] incorrecção na dedução ou da liquidação em excesso de imposto.

  2. Segundo a interpretação defendida pela Fazenda Pública, o regime do artigo 78.º do CIVA é aplicável aos casos que estão registados na contabilidade e que, por isso, são passíveis de alteração ou rectificação.

  3. Contudo, a posição do Tribunal a quo considera, no caso de imposto entregue, em excesso, que o prazo para proceder a tal rectificação é de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.

  4. Com o devido respeito, que é muito, entendemos que aquela interpretação não respeita as regras interpretativas constantes do artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do Código Civil.

  5. O artigo 98.º, n.º 2 do CIVA apenas se circunscreve aos casos cujo direito à dedução do imposto, mencionado em documentos ainda não registados na contabilidade, cuja dedução deva verificar-se nos termos do artigo 22.º do CIVA.

  6. Ou, dito de um outro modo, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA determina um prazo máximo (4 anos) ao exercício do direito à dedução que ainda não se efectivou, acautelando situações excepcionais, que poderiam impedir a dedução do imposto.

  7. Com efeito, estando perante uma regularização de imposto, liquidado em excesso, como é o caso, a Fazenda Pública defende que deve estar sujeita à aplicação do regime constante do artigo 78.º do CIVA, com a necessária tramitação documental, e cujo prazo de regularização seria de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.ºs 2, 3 e 5 do CIVA.

  8. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada in tottum, e substituída por acórdão que analise cabalmente, de facto e de direito, as questões suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela FP.

Requer-se “doutamente” a este Venerando Tribunal que considere o presente recurso procedente».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «A) Das conclusões do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto (cf. artigo 635.º, n.º 3 do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 2.º, al. e), do CPPT) constata-se que em nenhuma delas se aponta algum vício, em concreto, à douta sentença recorrida, e.g.

vício relativo à fundamentação, conformidade com as disposições legais, ou interpretação conforme ao direito; B) As conclusões iniciais da Recorrente constituem considerações meramente descritivas, introdutórias ou referentes aos argumentos da Recorrente – não da decisão recorrida… pelo que a parte aparentemente significativa das conclusões da Recorrente FP resume-se ao vertido nas conclusões 6. a 8.

C) Porém, na única conclusão em que se refere criticamente à sentença a quo – conclusão 6., a Recorrente limita-se a apontar-lhe violações de lei totalmente desenquadradas com as suas alegações, com o caso dos autos e com a decisão de que supostamente recorre.

D) Deve concluir-se que o tribunal ad quem não está habilitado a conhecer do recurso na falta de objecto, não só face às conclusões de recurso (que nada apontam de concreto ao julgado) – como do próprio articulado das alegações de recurso (totalmente omissas neste ponto) – pelo que neste ponto o tribunal ad quem não pode senão julgar esta matéria excluída do objecto do recurso, pelo que dela não pode conhecer.

E) Ora, cabendo ao tribunal em sede de recurso jurisdicional, sindicar se se verificam ou não eventuais vícios apontados à sentença, perante a ausência da invocação de tais vícios, que habilite o tribunal de recurso a extrair questões a decidir sobre a sentença sindicada, afigura-se desprovido de objecto o presente recurso, impondo a rejeição de todas as conclusões de recurso, por totalmente improcedentes; F) A fundamentação da sentença recorrida, de facto e de direito – no que constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação é irrepreensível à luz das normas e princípios e do imperativo constitucional que impõe a reconstituição da legalidade em situações de cobrança excessiva de tributos.

G) A sentença recorrida identificou com precisão a factualidade relevante, e fundamentou a decisão de forma irrepreensível nas normas legais aplicáveis, e de acordo com a jurisprudência do STA em que se fundamenta, nomeadamente o Acórdão de 2017.06.28 (Proc. n.º 01427/14) determinando a devida reconstituição da situação tributária do contribuinte; H) Nesse aresto decidiu-se que “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA”; I) Pelo que a sentença recorrida, assim tendo decidido, não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida na ordem jurídica, improcedendo todas as conclusões do recurso; J) Na eventualidade de as conclusões antecedentes virem a ser julgadas improcedentes, a recorrida sustenta nesta sede a bondade da sentença em tudo quanto constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação, sem prejuízo de também sustentar que a idêntico resultado deveriam conduzir os demais vícios que imputou aos actos tributários impugnados; K) Os actos impugnados e anulados pelo tribunal a quo foram praticados em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação das isenções em sede de IVA, conforme já havia sustentado o douto parecer do Digno Representante do Ministério Público junto aos autos.

L) A manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em crise, consensualmente errados, até para a Recorrente AT, por desconsiderarem a norma de isenção (artigo 9.º, n.º 27.º alínea g) do Código do IVA), e nessa medida ilegais e por isso bem anulados pelo tribunal a quo, ofenderia gravemente as normas e princípios do direito da União Europeia em que assenta o sistema comum do IVA, pelo que a decisão recorrida, provendo a anulação dos actos de liquidação em crise, não merece qualquer censura; M) Do mesmo modo, solução contrária à sufragada pela sentença recorrida ofenderia as normas e princípios constitucionais em que assenta o princípio do primado do direito da União, em particular em matéria de IVA, pelo que também por essa razão, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada; N) Na ordem constitucional interna é reconhecido que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» – cfr. artigo 8.º, n.º 4, da CRP (cit.).

O) Pelo que também os citados normativos não foram respeitados pelos actos de indeferimento e liquidação de IVA em crise na presente impugnação, gerando a interpretação que deles foi feita um vício de inconstitucionalidade material, invocado para todos os efeitos legais.

P) Em caso de dúvida, o que face ao fundado juízo do tribunal a quo se admite por mera cautela e dever de patrocínio, deveriam as pertinentes questões, acima suscitadas, de compatibilidade do direito interno com o direito da União ser submetidas ao TJUE a título prejudicial (cf. supra...

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