Acórdão nº 99/16.8SRLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. Foi proferido despacho de pronúncia (no NUIPC 99/16.8SRLSB), submetendo a julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, a arguida AA, filha de ……………….e de …….., residente na …………………., em Lisboa, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelos artigos 148.

°, n.

° 1, 15.

° e 69.

° n.

° 1, al. a) todos do Código Penal, e uma contraordenação p. e p. pelo artigo 30.

°, n°s 1 e 2, 145.

°, n.

° 1, al. f) e 147.

° todos do Código da Estrada.

O assistente BB deduziu pedido de indemnização civil contra a CC Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si suportados em virtude da conduta que é imputada à arguida.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE, deduziu pedido de indemnização cível contra a CC - Companhia de Seguros, S.A., peticionado a condenação desta a pagar indemnização pela assistência prestada a BB em consequência das lesões provocadas pelo veículo conduzido pela arguida, no montante de 1.573,22€ €, acrescido de juros de mora.

A demandada CC - Companhia de Seguros, S.A. apresentou contestação a ambos os pedidos de indemnização civil. Para o efeito, assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo assistente, impugnando, porém, os danos alegados por ambos os demandantes, sustentando ainda que a indemnização pedida a título de danos não patrimoniais pelo assistente é manifestamente excessiva.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, E.P.E. e a demandada CC, Companhia de Seguros, S.A. chegaram a acordo relativamente ao pedido de indemnização civil apresentado por este demandante, pelo que se homologou a referida transacção.

Uma vez que a arguida se encontrava acusada da contraordenação p. e p. pelos artigos 30.º, nºs 1 e 2, 145.º, n.º 1, al. f) e 147.º do Código da Estrada e os factos ocorreram em 27 de Julho de 2016, foi declarada a prescrição da referida contraordenação nos termos do disposto no artigo 188.º do Código da Estrada e artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações, declarando-se extinta a responsabilidade da arguida pela referida contraordenação.

Dado que o assistente declarou desistir da queixa formulada nos autos contra a arguida, sendo que esta não se opôs e tendo em conta a natureza semipública do crime de que a arguida se encontrava pronunciada, foi a referida desistência homologada e a responsabilidade criminal da arguida declarada extinta, nos termos dos artigos 113.º, nº 1, 116.º, n.º 2 e 148.º, n.º 4, do Código Penal e artigos 49.º e 51.º do Código de Processo Penal.

Foi determinado o prosseguimento dos autos apenas para julgamento do pedido de indemnização civil e tendo-se a este procedido, por sentença, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Local Criminal de Lisboa – J1, proferida em 12 de Novembro de 2020, foi decidido: “a) Condenar a demandada CC - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao demandante BB, a título de danos patrimoniais, a quantia total de 4.779,45€ (1800€+2295€+175€ +509,45€), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação da demandada para contestar o pedido até efetivo e integral pagamento e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 60.000,00€ acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado desta sentença até efetivo e integral pagamento; b) Condenar a demandada CC - Companhia de Seguros, S.A. e o demandante BB no pagamento das custas do pedido de indemnização civil na proporção do respetivo decaimento (artigo 523° do Código de Processo Penal e artigo 527.

° do Código de Processo Civil).” (fim de transcrição).

  1. A demandada CC - Companhia de Seguros, S.A., inconformada com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "a) A quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais peca por excesso, sendo violadora dos critérios fixados no artigo 496.

    ° do Código Civil; b) Mais concretamente: entende a Recorrente que o valor arbitrado peca por algum excesso, notando que significativa parte da Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem arbitrado quantias inferiores à ora fixada, em situações similares; c) Face ao exposto, deve a Sentença sub judice ser alterada por outra, que, de forma justa, corrija o montante indemnizatório arbitrado.

    Nestes termos, e nos demais de Direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a Sentença sub judice conforme preconizado, farão V. Exas. a costumada Justiça! " (fim de transcrição).

  2. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso (cfr. referência Citius n.º 401385422).

  3. A magistrada do Ministério Público em primeira instância notificada das alegações de recurso apresentadas pela CC veio aos autos afirmar: “constatando que as mesmas versam exclusivamente sobre matéria referente ao pedido cível vem declarar sufragar o entendimento de que não possui legitimidade para apresentar resposta a tal recurso.” 5.Respondeu ao recurso o demandante e assistente BB extraindo as seguintes conclusões: "1. A ora Recorrente vem alegar que a indemnização arbitrada pelo douto Tribunal a quo é excessiva quando comparada com a prática jurisprudencial.

  4. Na verdade, e como muito bem foi decidido pelo douto Tribunal a quo, no que respeita aos factos dados como provados e que não foram postos em crise pela Recorrida, os danos de natureza não patrimonial são insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao Agente, constituindo esta mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória , embora sob a envolvência de uma cera vertente sancionatória ou de perda privada.

  5. A indemnização arbitrada pelo douto Tribunal a quo, não visa assim uma indemnização por um dano concreto mas sim uma compensação por todo o sofrimento que o Recorrido atravessou devido ao acidente de que foi vitima.

  6. À data do acidente o Recorrido tinha 26 anos de idade.

  7. Como consequência do mesmo esteve de baixa médica mais de dois anos.

  8. Foi sujeito a três intervenções cirúrgicas, sendo certo que no futuro seguramente terá de ser submetido a mais intervenções cirúrgicas por via da degradação do seu ombro esquerdo.

  9. Terá de se conformar, numa esperança média de vida que ainda tem de mais de 50 anos de duração, com o facto que nunca mais terá uma mobilidade sequer normal no seu braço esquerdo.

  10. O Recorrido foi suturado com 19 pontos no rosto, 166 agrafos e 19 parafusos, tudo isto em.

  11. Como assente na douta sentença ora recorrida, o Recorrido ainda hoje não consegue levantar o braço esquerdo acima da altura do queixo, e não mais o voltará a conseguir.

  12. Para além disso foram 21 meses de fisioterapia, com exercícios diários e dolorosos conforme ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento, sob a angústia de saber que provavelmente nunca mais teria a mobilidade normal no seu braço esquerdo, o que se veio a confirmar.

  13. O Recorrido ficou privado de seguir uma vida normal, com todo o choque psicológico que tal representa, que se refletiu na personalidade do recorrido, no próprio receio em voltar a conduzir motociclos e muita insegurança conforme provado na douta sentença recorrida.

  14. Como bem decidiu o douto Tribunal a quo, o valor arbitrado pelos Tribunais não deve determinar um enriquecimento injustificado para o lesado, mas também não deve corresponder a um montante miserável para este.

  15. O valor atual do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel em Portugal acompanha os valores fixados para os restantes países europeus.

  16. O recorrido sofreu lesões que lhe determinaram sequelas permanentes, ficando para o resto da sua vida com movimentos limitados no ombro e cotovelos esquerdos.

  17. Ficou incapacitado para efetuar tarefas simples do dia-a-dia.

  18. Não consegue mais praticar desporto, seja por limitações fisícas, seja por receio de se magoar novamente.

  19. Ficou limitado na sua vida pessoal e familiar.

  20. Existe a probabilidade séria do estado clínico do seu ombro e cotovelo agravarem e ter de ser sujeito a mais operações cirúrgicas e mais processos morosos de recuperação.

  21. Ficou com um dano estético permanente, com cicatrizes evidentes.

  22. Como bem refere a douta sentença ora recorrida, “...dúvidas não restam que o demandante vai viver o resto da sua vida com esse peso, de não poder fazer uma série de coisas, ainda que simples, como lavar o cabelo com aquela mão. Vai sempre sentir essa deficiência, essa mazela, e ainda as cicatrizes no seu corpo. Acresce que, tendo em conta uma esperança média de vida de oitenta anos, o demandante, hoje com trinta anos, ainda tem 50 anos de sofrimento pela frente”.

  23. Os danos ali descritos não são, sequer comparáveis aos indicados pela Recorrida através do Acórdão a que faz alusão no seu recurso (O douto acórdão proferido pelo STJ de 29-10-2019).

  24. No caso vertente o ora recorrido ficou com uma incapacidade permanente para todos e quaisquer actos que tenha de praticar e que impliquem uma rotação maior do seu cotovelo esquerdo ou movimentos acima da altura do seu queixo.

  25. E como se pode verificar por aquele Acórdão, o aqui recorrido era mais jovem, teve um quantum doloris em grau superior, dano estético em grau superior, e uma afectação permanente nas actividades desportivas e de lazer em dois graus superior.

  26. Uma vez que, esta indemnização não só deve corresponder a toda a dor e sofrimento que o Recorrido teve, mas também que irá, e comprovadamente nos autos ficou demonstrado, ter no futuro.

  27. Veja-se a este respeito o douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 10 de Dezembro de 2019, no âmbito do processo 32/14.1TBMTR., disponível...

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